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Pedro A. Batista Martins[1]

1. A dificuldade de acesso à Justiça e a complexidade na sua realização são fatos indiscutíveis e aceitos como verdadeiros e absolutos no mundo contemporâneo.

2. Antes tido como um “direito social”, hoje esse acesso assume a feição de um “problema social” dos mais graves, como bem ressaltou o Prof. Bryan F.Garth, que deve ser enfrentado sem preconceito ou misoneísmo de qualquer matiz.

3. Apaziguadora das tensões e inimiga dos êmulos de prontidão, a justiça é ponto vital nas satisfações do bem estar e da harmonia social, razão pela qual de há muito o acesso a ela e à sua efetiva realização tem sido matéria de discussão aqui no Brasil e, com muito mais vigor, alhures. Para não sermos de todo injustos, poderíamos afirmar que no Brasil essa matéria vem sendo alvo de muitíssima discussão por alguns poucos verdadeiramente interessados e experientes juristas com visão profunda dos mecanismos judiciais, de seus instrumentos legais e dos escaninhos e vielas mais profundas do aparato judiciário.

4. Afinal de que adianta a existência de direitos individuais, sociais e de liberdades civis, se o seu alcance prático, quando necessário, é inatingível ou somente por alguns poucos obtido!

5. Vários são os fatores que obstaculizam a plena realização da Justiça, que ao longo do tempo vêm sendo minimizados pelas reformulações introduzidas nos sistemas legais vigentes.

6. Não podemos deixar de anotar que alguns projetos de lei encontram-se em tramitação no Congresso Nacional visando a simplificação e agilização do sistema judicial de solução das controvérsias.

7. Recentemente, um conjunto de 4 (quatro) leis foi editado com a finalidade precípua de dar efetivamente e, também de desburocratizar o processo civil, na eterna busca da melhoria na realização da justiça.

8. Aliás, deve ser louvada a intuição e premeditação da comissão encarregada das alterações na nossa legislação adjetiva de fazer encaminha-las em forma de retalhos, aos pedaços, evitando-se, assim, que um detalhe de somenos importância ou mesmo uma questão mais polêmica, pudesse embaraçar a tramitação das propostas como um todo e inviabilizar o projeto de reformulação do processo judicial.

9. Vários são os benefícios que as referidas leis trazem em seu bojo, notadamente a agilização do processo e a sua efetividade.

10. Com a valorização do expediente da antecipação da tutela ou execução especifica (“specific performance” do direito anglo-saxão), parece-nos que não mais será fato que o direito do reclamante resumir-se-á a mera perdas e danos, no mais das vezes, sabidamente, de difícil ou imprecisa apuração.

11. A partir de agora para o bem das relações jurídicas, a conversão da obrigação descumprida em perdas e danos somente poderá ocorrer se impossível a tutela especifica ou a obtenção do resultado prático equivalente ou, obviamente, se assim requerer a parte prejudicada.

12. No rastro do movimento da “terceira onda” “não obstante deste se diferencie por encravar-se no bojo do processo de intervenção estatal ” é de se louvar a valorização concedida ao instituto da conciliação, agora de aplicação cogente nas causas em que haja necessidade de utilizar-se de provas (art. 33, CPC) e a liberdade que outorgou aos juízes togados o uso desse instituto, como forma de solução do conflito (art. 125, IV, CPC)[2].

13. Feitas estas brevíssimas considerações sobre as recentes modificações no nosso CPC, e retomando o assunto em pauta, é de ressaltar que à nível de acesso à Justiça, o Prof. Mauro Cappelletti mostra-nos que, historicamente, os embaraços no setor litigioso civil redundaram em barreiras econômicas, organizacionais e processuais. São os chamados movimentos das três ondas[3].

14. Para enfrentar a barreira econômica que inviabilizava de todo o acesso à Justiça da camada mais pobre da população, possibilitou-se, dentre outros, a assistência judiciária e a utilização dos quadros do Ministério Público e da Procuradoria de Justiça, como forma de melhor atender a necessidade de uma representação satisfatória dessa parcela da sociedade.

15. Como forma de suavizar as dificuldades organizacionais “segunda onda” -, consubstanciadas nas dificuldades de o indivíduo, isoladamente, buscar o exercício jurisdicional para satisfazer direitos que, por sua natureza, deveriam ser tratados coletivamente, buscou-se implementar mecanismos de defesa de tais direitos difusos ou coletivos, como forma de viabilizar a proteção de determinadas classes ou categorias. Daí as funções institucionais do Ministério Público e as proteções legais previstas no Código do Consumidor a na Lei de Abuso de Poder Econômico, dentre outros, como expedientes de enfretamento da “segunda onda”.

16. Por fim, o movimento da “terceira onda”, preconizado por Garth e Cappelletti, representa a busca de instrumentos alternativos para solução dos conflitos levados a efeito fora das arenas judiciais, através de sistema informal, não contencioso, onde busca-se o consenso, acordo ou forma amistosa que vincule as partes, arrefecendo os espíritos mais belicosos e reduzindo assim os argumentos plantados por emulação, tornando o resultado, conseqüentemente, bem mais palatável e aceitável pelo não vencedor[4].

17. Dentre esses instrumentos, podemos citar a mediação, a conciliação e a arbitragem, dentre várias outras possibilidades de composição de conflitos que vem sendo utilizadas mundo afora[5].

18. Não fossem a prática de arbitragem no âmbito do direito marítimo e a existência de algumas Comissões de Arbitragem (muito embora com tímida atuação) e outros tantos entusiastas desse instituto de solução pacífica dos conflitos, no Brasil, a “terceira onda” já teria “encaixotado” e batido violentamente nos arrecifes plantados ao largo da costa[6].

19. Na realidade, a cultura brasileira do paternalismo estatal, do Estado absoluto, centralizador e distribuidor de benesses, tem caráter atávico, o que inclui o entendimento de que é o Estado, através de seus órgãos jurisdicionais, que deve resolver toda e qualquer pendência legal.

20. Aliás, não fosse esta arraigada cultura, teríamos hoje desenvolvimento marcante do instituto arbitral no Brasil, com precedentes históricos e relevante jurisprudência, já que as primeiras leis domésticas relativas ao tema datam de 1831 e 1837 as quais, respectivamente e de forma obrigatória, impuserem a solução arbitral às questões relativas a seguro e locação de serviços.

21. Contudo, queremos crer que a tendência contemporânea internacional, de utiliza-se dos instrumentos alternativos de solução de conflitos, o acúmulo de processos que abarrotam o Judiciário, as dificuldades no acesso e na realização da Justiça e a própria desmistificação do Estado, têm levado os legisladores e juristas a um “approach” mais prático e informal dos aspectos que envolvem a administração da Justiça.

22. Assim, é que podemos mencionar o recente anteprojeto de Lei de autoria do Ministério do Trabalho (22.08.94) que cria a Comissão Paritária de Conciliação, com a atribuição de tentar conciliar os dissídios individuais do trabalho, estabelecido, pois, instância prévia de modo a evitar a animosidade entre padrão e empregado que a abertura de litígio judicial acaba por gerar[7].

23. No mesmo diapasão, e procurando evitar nova enxurrada de demandas no Judiciário, a Medida Provisória[8] baixada pelo Executivo, visando a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas, prevê, como última instância, em caso de impasse nas negociações, a utilização da mediação ou da arbitragem de ofertas finais.

24. Podemos extrair dessas recentes propostas do Poder Executivo, a necessidade premente de emprestar-se espírito prático e menos formal aos procedimentos de solução de conflitos, adotando-se os carneluttianos “equivalentes de jurisdição”, de modo a agilizar o resultado final da pendenga e a viabilizar a própria Justiça com a redução do contencioso judicial. Aqui, parafraseando Montesquieu, podemos dizer que a justiça negada a um é uma ameaça feita a todos.

25. No embalo da “terceira onda” também o Poder Legislativo faz-se presente e atento ao movimento de facilitação dos mecanismos de solução extrajudicial ou convencional dos interesses conflituosos: já foi aprovado no Senado Federal e deverá ser apreciado, brevemente, no Plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de lei n° 78/92, do então Senador Marco Maciel, que dispõe sobre a arbitragem.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.
  2. A nova redação dada ao artigo 331 busca semelhança no instituto da “pre-trial conference” norte-americano e canadense, desenhado para estruturar e organizar o caso objeto do litígio, aparando os excessos retóricos, simplificando a matéria em questão e reduzindo sua amplitude e escopo de modo a que viabilize, inclusive, a possibilidade de se evitar a continuação do litígio.As propostas principais da “pre-trial conference” são definir e simplificar o objeto do litígio, de modo a evitar surpresas e equívocos futuros, bem como determinar as provas pertinentes e também promover a conciliação. Assim como previsto no artigo 331 do CPC, também no direito norte-americano, o advogado presente ao “pre-trial conference” deve estar munido de poderes para transigir e, portanto, obrigar seu cliente. Vê-se pois, que a proposta delineada no artigo 331 provoca prestigiar e viabilizar a efetividade do processo civil.
  3. In “Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à Justiça” ” Revista Forense Vol. 326, pgs. 121/130″. Segundo o referido Professor, a referência processual deve-se ao fato de que em determinadas circunstâncias “são inadequados os tipos ordinários de procedimentos”. Como exemplos citados, nos casos em que o conflito não passa de um episódio em relação complexa e permanente, onde a justiça reparadora pode melhor preservar a relação “tratando o episódio litigioso antes como perturbação temporária do que como ruptura definitiva daquela”, também nos conflitos de vizinhança , nos havidos em escolas, escritórios, bairros urbanos, onde o convívio e os contatos são permanentes e freqüentes e a saída ou fuga desses locais nem sempre é viável ou implicará, necessariamente, em mudança. Nesses casos, afigura-se mais vantajosa a solução conciliatória ou coexistencial do que a contenciosa, que normalmente traz em si a exacerbação dos espíritos.
  4. Para Jean Robert e Bertrand Moreau, “não é possível a existência de contrato internacional sério, sem que tenha sido proporcionado por uma convenção de arbitragem (Droit Interne e Droit International de l”Arbitrage).
  5. Mecanismos de solução de conflitos fora do sistema tradicional judicial ” ADR (Alternative Dispute Resolution)” têm tido campo fértil para despontar em vários países desenvolvidos, como EUA, França, Canadá e Alemanha. A todo momento aparecem novos instrumentos convencionais (alguns até bastante criativos), podendo citar “rent-a-judge”, “mock-jury”, “mini-trial”, etc. e que, por si, mostra-nos tendência acentuada na ampliação de formas extrajudiciais de solução de controvérsia, como mecanismo legais contemporâneos à disposição daqueles interessados em evitar a intervenção estatal no campo da realização da justiça.
  6. Devemos mencionar as Comissões de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, da Câmara Internacional de Minas Gerais e, mais recentemente, a da Associação Comercial do Rio de Janeiro, que está prestes a ser constituída. De salientar, também, que encontra-se na Câmara dos Deputados um quarto projeto de lei visando a efetiva implementação da arbitragem no país.
  7. De acordo com a proposta, as ações individuais somente serão admitidas na Justiça Estatal após esgotada a fase de conciliação prévia. A arbitragem também poderá ser utilizada pelas partes, valendo o laudo como decisão irrecorrível. Vale salientar alguns trechos da Exposição de Motivos. “Uma das causas do avultado número de ações tramitando no Poder Judiciário Trabalhista é a falta de órgãos extrajudiciais que colaborem para que a própria sociedade resolva previamente os seus litígios… Apesar da ampliação substancial nos 1° e 2° graus de jurisdição, o problema grave do acúmulo de processos é invencível, pois este ano quase 2.000.000 de novas ações, muitas delas sobre a mesma matéria, foram apresentadas… A partir de agora é absolutamente necessário que trabalhadores e empresários se aproximem para eles próprios tratarem da solução de seus problemas individuais, para que, através do diálogo e da negociação, milhares de litígios, que hoje aguardam audiência de conciliação na Justiça do Trabalho, sejam conciliados previamente”. Note-se que a própria exposição de motivos ressalta que a utilização dos institutos de conciliação e da arbitragem em nada afronta o disposto no Artigo 5°, XXXV, da Carta-Magna, em consonância com as melhores doutrinas e decisões.
  8. Medida Provisória n° 860.27.01.95, que vem sendo reeditada por falta de votação. Ao firmar o compromisso arbitral, padrão e trabalhador não mais podem desistir da arbitragem, salvo por mútuo consenso; o laudo produzirá seus efeitos de direito sem necessidade de homologação judicial. A arbitragem de ofertas finais é definida como aquela em que o árbitro deve restringir-se a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes. Este tipo de arbitragem é conhecido como a “basebal arbitration”, na qual cada parte declara o valor que entende correto, devendo o árbitro, quando da decisão, tomar um dos valores apresentados para fixar o quantum debeatur não podendo, pois adotar valor alternativo.

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