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Pedro A. Batista Martins

 

Questiona-se hoje, sobremaneira, o papel da justiça frente às necessidades práticas de seus jurisdicionados.

O problema tem sido abordado sob o ângulo do acúmulo de processos e de serviços dos seus serventuários, fato, aliás, inconteste. Por exemplo, enquanto nos E.U.A. no ano de 1996, a Suprema Corte apreciou e julgou cerca de 95 processos, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal proferiu 32.000 decisões que, divididas por seus 11 ministros, correspondem a 3.000 sentenças para cada um de seus membros.

Por outro lado, no que tange à Justiça do Trabalho, no Japão são distribuídos 1.000 reclamações por ano, na Inglaterra 66.000 pleitos por ano, enquanto no Brasil, 6.000 medidas são despejadas, diariamente, nas juntas de Conciliação e julgamento. Esses dados são inquestionáveis e servem para acirrar o debate sobre a reforma que se pretende imprimir ao Judiciário Brasileiro.

Contudo, a bem da verdade, deve-se ressaltar que os males da Justiça não são de total responsabilidade do Poder Judiciário, pois grande parte desse quadro caótico deve recair nos ombros das autoridades estatais que, ao longo do tempo, têm editado diversas medidas econômicas e tributárias, principalmente, de duvidosa constitucionalidade e que, por esse fato, acabam por serem questionadas, em massa, perante os tribunais judiciais.

Entretanto, a par da gravidade dos números de pleitos distribuídos à Justiça e as mirabólicas e pantomímicas legislações elaboradas por burocratas com visão casuística, deve-se trazer ao debate assunto mais técnico e que tem sido motivo de intensa frustração para aqueles que necessitam bater às portas do Poder Judiciário.

Trata-se do excessivo apego às formalidades e às nuances do direito processual, que muitos advogados recorrem e alguns julgadores ainda se valem, na ilusão de estarem aplicando ao caso concreto a estrita legalidade.

Na realidade, é muito comum nestes casos, o juiz aplicar a regra legal mas não fazer justiça. Isto porque, os operadores do direito esquecem que o processo civil é mero instrumento de concretização prática do direito violado.

O renomado advogado Condorcet Rezende ilustra, com fina ironia, o comportamento de alguns processualistas ao afirmar que estes profissionais do contencioso são capazes de, apesar de famintos, escusarem-se da oferta gratuita de um belo filé de peixe, se não postos à disposição, os talheres apropriados.

O processo é instrumento legal para viabilizar a efetivação da justiça. Contudo, atualmente, o que mais temos visto é a franca utilização das regras processuais para procrastinar a obtenção do direito pela parte ou, até mesmo para inviabiliza-lo, mediante artifícios (sic!) legais.

O direito processual, na realidade, foi elevado a uma ciência absoluta – “self-sufficient” – capaz de, por si só, reduzir a pó direito evidente, em flagrante denegação de justiça. No Brasil vemos o credor quase a implorar o cumprimento da obrigação pelo devedor e este, senhor de si, arrogante, a manda-lo, não para qualquer outro lugar, e sim para a Justiça! Óbvio, bem sabem todos, que ao adentrar nos descaminhos da Justiça, só Deus saberá quando sairá e mais ainda, se vitorioso ou não, por melhor que seja o direto do jurisdicionado.

Vejam, por exemplo, o caso recentemente divulgado do engenheiro José Rodolpho Waitz. Esse senhor foi assaltado e baleado no interior de um supermercado de acesso restrito, sofreu cirurgia, perdeu a única fonte de renda do trabalho. Com 4 filhos para criar teve que recomeçar a vida profissional aos 50 anos de idade e, após 4 anos de tratamento psíquico para reestimulá-lo e de 18 incessantes anos de desgaste no contencioso judicial, vê-se à beira de perder o pouco que lhe resta, para pagar as custas do processo e os honorários de sucumbência dos advogados do supermercado.

Atentem-se bem para o absurdo: o prejudicado deve, hoje, algo em torno de R$ 60 mil justamente ao supermercado que tem o ônus de garantir a incolumidade de seus clientes!

Pelo que se denota da reportagem, a insatisfação e a frustração do engenheiro resumem-se ao singelo fato de a fundamentação vencedora no processo conferir prevalência às regras processuais em detrimento do objetivo maior de justiça, direito esse garantido e assegurado pela Constituição Brasileira.

Não é a toa que processualistas de escol têm feito o “meã culpa” e lamentado os exageros com que os operadores do direito têm empregado os ditames da legislação processual, alertando para os desvios que daí advém e que acabem por frustrar os anseios sociais de uma justiça digna, gerando insatisfações internas e perturbação da harmonia na convivência. Parafraseando Montesquieu – “A injustiça feita a um é uma ameaça feita a todos”.

Por isso vive-se hoje, processo universal de deformalização do processo e das controvérsias, de modo a melhor atender aos interesses dos jurisdicionados por uma justiça mais rápida e menos complexa. O intricado processo judicial chegou ao ponto de o perdedor não conseguir captar as razões da derrota do seu direito na Justiça e, de o próprio advogado, demandar horas a fio na análise das regras processuais para poder compreender as razões do julgado.

Inadmissível e desumano com a parte, admitir-se o uso abusivo das normas processuais, em flagrante ato de guerrilha jurídica, para negar-se ao cidadão o resultado prático que o seu direito lhe autoriza e garante. Se assim for, o julgador continuará aplicando o direito ao caso concreto, mas, sem sombra de dúvida, não estará fazendo justiça mantendo-se os jurisdicionados, assim, em latente estado de animosidade.

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