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Pedro A. Batista Martins[1]

1. Qual o sentido de se pactuar a submissão da controvérsia ao rito arbitral se a eficácia dessa cláusula depende, única e exclusivamente, de manifestação de ordem moral de ambas as partes, após surgido o impasse entre os contratantes?

2. Até a promulgação da lei brasileira que dispõe sobre a arbitragem (Lei n° 9.307/96), era essa a interrogação com que o advogado regularmente se defrontava ao elaborar contratos de qualquer natureza “com maior ênfase nos de cunho internacional”, já que a ausência de efeitos legais práticos da cláusula compromissória sempre foi considerada um dos maiores empecilhos à difusão do instituto arbitral no Brasil.

3. Desde a edição do malfadado Decreto nº 3.900, de 1867[2], pouco se fez nos campos jurisprudencial e doutrinário para reverter à inoperância refletida na cláusula arbitral, tida como mero pactum de comprometimento, cuja validade ficava subordinada a documento a ser pactuado posteriormente, após surgida a controvérsia (i.e. compromisso), que, se não firmado, redundaria, tão-somente, em eventuais perdas e danos.

4. Eventuais, pois, de caráter virtual essas perdas e danos já que, se não prefixadas como multa contratual, se configuravam de dificílimo arbitramento pela justiça estatal.

5. Assim, de nada valiam os princípios maiores da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, pois qualquer das partes poderia, sem constrangimento, negar-se a cumprir o que havia contratado vez que o Estado lhe garantia essa possibilidade, como que aceitando o filho pródigo, novamente, em sua jurisdição.

6. Vivíamos o modelo estatal de organização onde o Estado-Providência tutorava as ações dos indivíduos e à sociedade tudo provia.

7. Liberdade de contratar e autonomia na manifestação da vontade chocavam-se com o dirigismo estatal; por isso, restavam relegados e violentados. A reboque, sucumbia instituto da arbitragem, pois, estruturado, substancialmente, no princípio maior de liberdade com responsabilidade. Com dito alhures, a arbitragem sempre foi um campo de liberdade e cave ser trabalhada por quem quer e sabe ser livre.

8. Não é sem razão que o movimento que redundou na Revolução Francesa, de 1789, segundo René Leray, considerou a arbitragem como um dos instrumentos mais eficazes de combate aos abusos cometidos pelo antigo regime, a ponto de ter sido inscrita na Declaração do Homem como “o meio mais razoável de terminar um conflito entre cidadãos”[3].

9. Já nos idos de 1812, a Corte de Cassação Francesa validava a cláusula compromissória “dispositivo que se baseia na liberdade de contratar” e fixava a incompetência dos juízos ordinários para julgar controvérsias quando defrontados com esse dispositivo contratual.

10. Diante da intensa intervenção do Estado nos diversos segmentos econômicos e na vida social, era difícil pensar-se no implemento de instituto que, por sua específica natureza, não se coadunava com o prisma estatal.

11. Contudo, a modernidade, aliada à desestatização, à privatização, às dificuldades no acesso à justiça e à visão mais ampla e teleológica da jurisdição, e o enquadramento do direito fundamental à liberdade (ai incluídas a autonomia da vontade e a liberdade de contratar), no contexto do due process of law, reaproximaram o foco dos estudiosos pra o velho instituto de solução consensual de conflitos.

12. De forma genérica, ao longo dos últimos anos, foi a arbitragem revisitada em todos os seus aspectos, e, mais especificamente, no tocante aos efeitos que produz a cláusula compromissória.

13. Isto porque era essa norma contratual o ponto fraco que vinha fragilizando a utilização da arbitragem em diversos países, inclusive no Brasil.

14. A vinculação das partes à cláusula arbitral é ponto nodal para o desenvolvimento seguro da arbitragem, pois o pacto compromissório é a fonte de 80% dos conflitos solucionados por esse meio alternativo.

15. Daí a preocupação do legislador brasileiro em dar roupagem jurídica adequada à plena validade e eficácia da cláusula compromissória.

16. Foram precisos 130 anos para que o disposto no mencionado Decreto n° 3.900 fosse superado, sem embargo da necessidade de se reformular a cultura negativista por ele difundida e, ainda, arraigada no inconsciente de algumas pessoas que relutam em absorver, “sem amarras”, os padrões da arbitragem.

17. O legislador tomou a dianteira e conferiu à cláusula compromissória a chamada eficácia positiva.

18. Releva assegurar ao particular o poder de criar disposições contratuais vinculantes, pois, caso contrário, não se afirma o caráter de irreversibilidade dos pactos, instaurando-se a incerteza jurídica como ocorria no tocante à cláusula compromissória.

19. Assim, a par da eficácia negativa que essa regra contratual irradia (i.e.desprezo à jurisdição estatal), tem, agora, o credor, com a vigência da Lei n° 9.307;96, o direito de exigir o cumprimento forçado da obrigação de instituir a arbitragem.

20. Nos termos do artigo 7° da Lei de Arbitragem, “existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial pra tal fim”.

21. Essa regra legal pôs fim ás incertezas quanto à opção pelo rito arbitral e espancou as dúvidas sempre presentes nas negociações de contratos nacionais e internacionais.

22. Ressalte-se que o pedido do credor objetivará a instauração da arbitragem, consubstanciando-se a convenção de arbitragem ou qualquer outro documento inominado (cf. art. 4° , § 1°, Lei Marco Maciel), como instrumento de atingimento dessa finalidade.

23. Por certo que a espinha dorsal da arbitragem está ligada à cláusula compromissória: estipulação, amplitude dos meios de cumprimento da obrigação e eficácia. Quanto à estipulação, avançam as legislações e jurisprudência no sentido de se mitigarem as formalidades que lhe cercam, admitindo-se sua existência independentemente de assinatura das partes e, conseqüentemente, validando a estipulação compromissória por meio de telex, correio eletrônico, se constante de conhecimento de embarque (Bill of lading), ordens e faturas comerciais (cf. Vincenzo Vigoriti, “Em Busca de um Direito Comum Arbitral: Notas sobre o Laudo Arbitral e a sua Impugnação”, in Revista Forense, vol. 345, p.156, e Nigel Blackaby y Alessandro Spinillo, “La Nueva Legislación sobre Arbitrage de Inglaterra”, in Jurisprudência Argentina, n° 6.116, 18.11.1998). A convenção do Panamá, incorporada ao sistema legal brasileiro pelo Decreto n° 1.902, de 09.05.1996, registra em seu artigo 1° que “…o acordo (de arbitragem)constará do documento assinado pelas partes, ou de troca de cartas, telegramas ou comunicação por telex”. Atesta Evan W. Gray (Union Internationale des Avocats, XLI Congress, Philadelphia, 04.09.1997, “Recent Developments in Arbitration in the US”):

The important recent Federal court decisions affecting arbitration continue, and extend, the emphatic policy of the United States courts to support private agreements to arbitrate disputes, and the emphatic practice of the United States courts to enforce arbitration agreements and awards in accordance with their terms.

 

The US judicial support for arbitration has increasingly been applied not only to the agreements between merchants which formed the historical foundation for commercial arbitration practice, but also to a broad variety of contractual relationships between individuals and commercial entities in which form agreements that are the subject of little or no bargaining are commonly used. These contractual relationships include employment contracts, brokerage account agreements and, more recently, consumer sales transactions, and they have been the source of much of the recent US court litigation relating to arbitration. The expansion of the kinds of contracts in which arbitral agreements have been included and enforced has been accompanied by an equally significant expansion of the kinds of claims which the courts have accepted as subject to arbitration under broad contractual arbitration clauses, including claims under. Federal and state Statutes and in tort”.

24. O Judiciário norte-americano tem prestigiado e privilegiado o processo arbitral evitando nele interferir ou exercer controle sobre suas decisões. Esse posicionamento tem por implícito a salvaguarda do princípio maior da liberdade, da valorização da vontade humana, da cidadania (lato sensu e não no sentido meramente de titularidade política), do direito à participação e à prestação.

25. No Brasil, o Ministro Maurício Correa, em seu voto proferido nos autos da Sentença Estrangeira Contestada n° 5.847-1, Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (25.05.1999), pelo Tribunal Pleno (Aiglon x Teka), afirmou não caracterizar-se como adesão a cláusula arbitral inserida em Condições Gerais, dada a sua sujeição a modificações, segundo entendimentos prévios.

26. A obrigação maior é a de instituir a arbitragem e, para isso, basta que os árbitros indicados pelas partes, ou por aqueles que tiverem competência delegada, legal ou contratual, aceitem a nomeação.

27. É essa a única condição legal que se impõe para que o rito arbitral seja instaurado, o que se admite concluir pela possibilidade de as estipulações impostas no artigo 10 (cláusulas do compromisso)ocorrerem, em determinadas situações, após constituída a arbitragem.

28. Não há que se pensar em nulidade da arbitragem, por exemplo, se as partes consentem em fixar os termos do conflito e estabelecer o lugar em que será proferida a sentença, perante o painel de árbitros já formalmente constituído. Ora, a própria lei brasileira autoriza, em seu artigo 19, parágrafo único, o aditamento da comunicação de arbitragem.

29. Isso porque o compromisso meramente reflete a vontade já manifestada pela parte no ato da concretização do negócio jurídico. É, pois, de natureza subsidiária e secundária.

30. Não configura a cláusula compromissória obrigação de se comprometer, pois comprometida está quando os contratantes concordam com essa disposição no âmbito da autonomia na manifestação da vontade.

31. Repita-se: a obrigação é de instituir a arbitragem no momento do surgimento do conflito. Para isso, suficiente à aceitação, pelos árbitros, da incumbência de pôr fim à disputa.

32. Nada há de ilegal nessa assertiva pois em linha com as reformas processuais recentemente implantadas, que pregam a efetividade do processo e, assim, a busca do resultado prático almejado pelo credor, nos exatos termos do contrato.

33. O processo é instrumento à disposição do interessado para fazer valer o acordo do firmado. O período teleológico do processo reverteu o axioma de que toda a obrigação de fazer descumprida (salvo raríssima exceções)redunda em perdas e danos. Hoje, inadimplido o pacto arbitral, Poe o credor utilizar-se da execução específica judicial para o cumprimento forçado, pelo devedor, da obrigação contratada ou da concretização do negócio jurídico em sede arbitral.

34. Não havendo prestação espontânea pelo devedor, cabe ao juiz satisfazer o interesse do credor através de meios sub-rogatórios, isto porque a tutela executiva visa, sempre, atingir a pretensão do exeqüente.

35. Ressalte-se que o nosso direito processual, na espécie, acolheu a chamada “norma de encerramento”, propiciando a adoção de medidas nominadas ou inominadas de forma a atingir o resultado prático almejado pelo credor.

36. Com salienta Marcelo L. Guerra (“Inovações na Execução Direta das Obrigações de Fazer e Não Fazer”, in Processo de Execução e Assuntos Afins, Revista do Tribunal), tem crescido o reconhecimento e a proteção dos chamados “novos direitos”, isto é, situações não enquadráveis no clássico catálogo de direitos subjetivos, onde se enquadra a obrigação de fazer. Sustenta o referido Professor, ainda, com propriedade, que, à luz da exigência de prestação efetiva de tutela executiva, como conteúdo de um direito fundamental, é que se pode dimensionar a importância da regra contida no parágrafo 5° do art. 461 do CPC.

37. Sem embarco dessa visão moderna do processo civil, fato é que a jurisprudência de importantes países tem chancelado a força vinculante da cláusula compromissória.

38. Na França, por exemplo, esse pacto foi aceito pela Corte Suprema como renúncia válida ao direito de ação.

39. O mesmo ocorre na Espanha, onde a mais Alta Corte, em 1996, firmou o posicionamento de que tanto o compromisso quanto a cláusula compromissória produzem o efeito de excluir a jurisdição de juizes e tribunais estatais.

40. Também a Suprema Corte Norte-Americana, ao analisar as disputas propostas pelos trabalhadores da indústria do aço, fixou o tripé conceitual de sustentação do instituto da arbitragem naquele país (daí a alcunha de Steelworkers Trilogy feita pelos arbitralistas a esses precedentes judiciais)estabelecendo, como primeira regra, a executoriedade da cláusula compromissória.

41. Vê-se que, nas jurisdições estrangeiras, as Cortes Constitucionais não entendem que o instituto infringe princípios de direito natural ou normas dispostas em suas Cartas Magnas e, pelo contrário, tem sido ostensivo o apoio dos órgãos judiciais a esse meio coexistencial de solução de conflitos.

42. Isso porque o direito de ação não se consubstancia em uma obrigação ou dever, antes, trata-se de uma faculdade do indivíduo que pode dispor, ou mesmo apenas substituir a esfera jurisdicional onde o processo se desenvolverá, como ocorre no momento em que decide pela via arbitral em detrimento da jurisdição estatal.

43. Como afirma o ilustre advogado Carlos Eduardo Caputo Bastos, “na consideração de que a ação é o instrumento de realização do direito material, a renúncia deste, em sendo possível (direito patrimonial disponível), há de oportunizar, por via de conseqüência, a renúncia daquela, até porque, no plano de correspectividade entre direito e ação, a renúncia ao direito de ação estará balizada na mesma proporção da medida e possibilidade de renúncia da pretensão material de que o sujeito é titular” (“A Questão Constitucional da Arbitragem”, Correio Brasillense, maio 1999).

44. Inadmissível pensar-se que o nosso sistema jurídico impõe ao cidadão a obrigatoriedade de resolver todas as suas pendências no órgão estatal. A Constituição Brasileira assegura essa possibilidade, se assim desejar o interessado. Essa opção é direito incorporado ao patrimônio jurídico do cidadão.

45. Tão pacífica a validade da escolha da arbitragem e a eficácia da sua fonte contratual a ponto de a lei que dispõe sobre a matéria no Brasil autorizar o órgão arbitral institucional, se previsto no Regulamento ao qual as partes livremente aderiram, instituir e processar a arbitragem em caso de resistência de um dos contratantes.

46. Assim, vinculadas às partes às regras regulamentares de Câmara de Arbitragem que estabeleça procedimentos específicos e próprios de se instituir a arbitragem, desnecessária se toma à presença da autoridade judicial para suprir ou concretizar a vontade da parte renitente.

47. Evita-se, com isso, a intervenção estatal estabelecida no artigo 7° da Lei n° 9.307/96, em prestígio à celeridade da solução e à segurança jurídica refletida no pacta sunt servanda.

48. Diante da importância que assume a cláusula compromissória como fonte do juízo arbitral e, assim, instituto eficaz que autoriza a instauração do rito extrajudicial, exsurge a necessidade de, clara e precisamente, fixar seu contorno contratual, de modo a evitar imprecisões.

49. A elaboração ponderada da convenção arbitral é fator que redunda na celeridade na economia futura do processo e na forçosa aceitação da submissão espontânea do conflito à solução extrajudicial.

50. Apropriadas considerações devem ser despendidas nas conseqüências de determinadas estipulações (v.g., lugar da arbitragem; lei aplicável) e situações reflexas não devem passar in albis, como a eficácia da sentença para fins de obtenção do exequatur e a viabilidade de imposição de medidas cautelares.

51. Sem embargo, questão que passa desapercebida é a obrigação cujo descumprimento se sujeita ao processo judicial de execução (v.g., pagamento). Nesses casos, estratégico é estabelecer ressalva contratual expressa, pois a arbitragem volta seus efeitos à verdadeira disputa, presta-se ao conhecimento do conflito.

52. Entendemos que os tópicos a seguir devem ser considerados quando da estipulação da convenção de arbitragem e, em alguns casos, preestabelecidos na cláusula compromissória.

53. Regras Procedimentais. Denota-se do artigo 21 da Lei Marco Maciel que a escolha do procedimento aplicável à arbitragem cabe, prioritariamente, às partes contratantes, recaindo a decisão na pessoa do árbitro, única e exclusivamente, caso não haja disposição em contrário na convenção.

54. Não obstante, havendo precisão contratual das regras procedimentais, mas defrontando-se o julgador com lacunas a dubiedade, poderá ele sana-las.

55. Cumpre salientar que a referência pura e simples a normas contidas em Regulamento de instituição arbitral levará a entidade a assumir a administração do rito arbitral, razão pela qual, se a arbitragem consentida for da espécie ad hoc, os convenentes devem deixar expressa essa escolha.

56. Ademais, dado ao constante aperfeiçoamento dos Regulamentos de Arbitragem das entidades que administram ou supervisionam esse meio de solução de controvérsias, é conveniente precisar se as regras procedimentais, às quais as partes se submeterão, serão as atualmente em vigor ou aquelas vigentes na data da instituição da arbitragem.

57. Em caso de omissão, duas hipóteses podem ocorrer: a)a adoção das regras existentes na data da assinatura do contrato que contém a cláusula arbitral, sob o pressuposto de sua expressa incorporação ao corpo contratual, ou b)a adoção dos dispositivos vigentes ao tempo da instituição da arbitragem, em razão da mera referência contratual e, conseqüentemente, da eficácia imediata aos feitos em curso que operam as normas procedimentais.

58. Havendo necessidade de cooperação do juízo estatal, aplicar-se-á a lei processual do local da arbitragem.

59. Em se tratando de produzir efeitos fora do território nacional, a legislação adjetiva da jurisdição alienígena também deverá ser investigada.

60. Idioma. Não há vedação legal quanto ao idioma em que se desenvolve o processo arbitral. Mesmo que o situs seja o Brasil, não se vislumbra empecilho a que o árbitro utilize idioma diverso do português.

61. As partes são livres para determinar esse requisito e, na verdade, muitos são os Regulamentos que conferem essa oportunidade ao árbitro, na ausência de acordo dos contratantes.

62. Anote-se que, fixado o idioma que imperará no tribunal arbitral, os documentos que serão juntados ao processo poderão necessitar de tradução.

63. Não obstante, é de se admitir que os julgadores considerem a possibilidade de não traduzirem determinada documentação, em prol da celeridade e economia, princípios relevantes nesse tipo de procedimento.

64. De todo modo, a questão das verbas para essa finalidade deve ser apreciada e decidida sem delongas, podendo ser depositada previamente ou alocada a posteriori mediante notas de débito, seja por uma das compromitentes, parcial ou integralmente, ou por todas elas.

65. “Situs“. De extrema relevância a previsão contratual do local onde se desenvolverá a arbitragem. São vários os fatores de ordem prática e legal a sopesarem na decisão da jurisdição onde se reunirá e decidirá o tribunal arbitral.

66. Por exemplo, as partes oriundas de países seguidores do direito napoleônico devem evitar as jurisdições sujeitas à common law, de modo a contornar a insegurança que a ausência de costume às leis processuais desses países normalmente acarreta.

67. Por exemplo, o sistema de inquirição de testemunhas e tomada de depoimento pessoal é muito mais acalorado nas jurisdições de common law onde prevalece o cross-examination, procedimento extremamente desgastante, pois tende a esgotar a testemunha de modo a leva-la à contradição.

68. Os custos com deslocamentos dos árbitros e representantes legais das partes são sensivelmente reduzidos se o place of arbitration for próximo dos locais onde se determinam as provas e da sede das partes em disputa.

69. A tradição do Judiciário nas questões arbitrais e sua firme cooperação com as entidades que administram esse meio de solução são pontos que devem influenciar na escolha do situs.

70. A elaboração ponderada da convenção arbitral é fator que redunda na celeridade na economia futura do processo e na forçosa aceitação da submissão espontânea do conflito à solução extrajudicial.

71. Apropriadas considerações devem ser despendidas nas conseqüências de determinadas estipulações (v.g., lugar da arbitragem; lei aplicável)e situações reflexas não devem passar in albis, como a eficácia da sentença para fins de obtenção do exequatur e a viabilidade de imposição de medidas cautelares.

72. Sem embargo, questão que passa desapercebida é a obrigação cujo descumprimento se sujeita ao processo judicial de execução (v.g., pagamento). Nesses casos, estratégico é estabelecer ressalva contratual expressa, pois a arbitragem volta seus efeitos à verdadeira disputa, presta-se ao conhecimento do conflito.

73. Entendemos que os tópicos a seguir devem ser considerados quando da estipulação da convenção de arbitragem e, em alguns casos, preestabelecidos na cláusula compromissória.

74. Regras Procedimentais. Denota-se do artigo 21 da Lei Marco Maciel que a escolha do procedimento aplicável à arbitragem cabe, prioritariamente, às partes contratantes, recaindo a decisão na pessoa do árbitro, única e exclusivamente, caso não haja disposição em contrário na convenção.

75. Não obstante, havendo precisão contratual das regras procedimentais, mas defrontando-se o julgador com lacunas a dubiedade, poderá ele sana-las.

76. Cumpre salientar que a referência pura e simples a normas contidas em Regulamento de instituição arbitral levará a entidade a assumir a administração do rito arbitral, razão pela qual, se a arbitragem consentida for da espécie ad hoc, os convenentes devem deixar expressa essa escolha.

77. Ademais, dado ao constante aperfeiçoamento dos Regulamentos de Arbitragem das entidades que administram ou supervisionam esse meio de solução de controvérsias, é conveniente precisar se as regras procedimentais, às quais as partes se submeterão, serão as atualmente em vigor ou aquelas vigentes na data da instituição da arbitragem.

78. Em caso de omissão, duas hipóteses podem ocorrer: a)a adoção das regras existentes na data da assinatura do contrato que contém a cláusula arbitral, sob o pressuposto de sua expressa incorporação ao corpo contratual, ou b)a adoção dos dispositivos vigentes ao tempo da instituição da arbitragem, em razão da mera referência contratual e, conseqüentemente, da eficácia imediata aos feitos em curso que operam as normas procedimentais.

79. Havendo necessidade de cooperação do juízo estatal, aplicar-se-á a lei processual do local da arbitragem.

80. Em se tratando de produzir efeitos fora do território nacional, a legislação adjetiva da jurisdição alienígena também deverá ser investigada.

81. Idioma. Não há vedação legal quanto ao idioma em que se desenvolve o processo arbitral. Mesmo que o situs seja o Brasil, não se vislumbra empecilho a que o árbitro utilize idioma diverso do português.

82. As partes são livres para determinar esse requisito e, na verdade, muitos são os Regulamentos que conferem essa oportunidade ao árbitro, na ausência de acordo dos contratantes.

83. Anote-se que, fixado o idioma que imperará no tribunal arbitral, os documentos que serão juntados ao processo poderão necessitar de tradução.

84. Não obstante, é de se admitir que os julgadores considerem a possibilidade de não traduzirem determinada documentação, em prol da celeridade e economia, princípios relevantes nesse tipo de procedimento.

85. De todo modo, a questão das verbas para essa finalidade deve ser apreciada e decidida sem delongas, podendo ser depositada previamente ou alocada a posteriori mediante notas de débito, seja por uma das compromitentes, parcial ou integralmente, ou por todas elas.

86. “Situs“. De extrema relevância a previsão contratual do local onde se desenvolverá a arbitragem. São vários os fatores de ordem prática e legal a sopesarem na decisão da jurisdição onde se reunirá e decidirá o tribunal arbitral.

87. Por exemplo, as partes oriundas de países seguidores do direito napoleônico devem evitar as jurisdições sujeitas à common law, de modo a contornar a insegurança que a ausência de costume às leis processuais desses países normalmente acarreta.

88. Por exemplo, o sistema de inquirição de testemunhas e tomada de depoimento pessoal é muito mais acalorado nas jurisdições de common law onde prevalece o cross-examination, procedimento extremamente desgastante, pois tende a esgotar a testemunha de modo a leva-la à contradição.

89. Os custos com deslocamentos dos árbitros e representantes legais das partes são sensivelmente reduzidos se o place of arbitration for próximo dos locais onde se determinam as provas e da sede das partes em disputa.

90. A tradição do Judiciário nas questões arbitrais e sua firme cooperação com as entidades que administram esse meio de solução são pontos que devem influenciar na escolha do situs.

91. Desse modo, afasta-se a indesejável situação consumada alhures de se constituírem dois tribunais arbitrais quando os réus não consertem em indicar árbitro único em contrapartida àquele nomeado pelo autor.

92. Trata-se, sem dúvida, de forte dose de conservadorismo e extrema interpretação do princípio de igualdade de tratamento.

93. Conquanto é de se considerar essa amplitude de entendimento dada a decisão da Corte Francesa no Caso Dutco, esse respeito não ultrapassa o ajuste preventivamente formulado sob a ótica única e exclusiva de advogado.

94. Isto porque a renúncia ou a impossibilidade de cada uma das convenentes de indicar um julgador não configura desequilíbrio capaz de afetar o direito da isonomia pela prevalência da posição de outra parte na relação.

95. O árbitro não atua no processo como representante dos interesses de qualquer das partes; ao contrário, sua condução pauta-se, por pressuposto, pela independência e imparcialidade.

96. Exerce verdadeira função pública, autorizado pelo Estado, e, conseqüentemente, submete-se aos casos de impedimento e suspeição, bem como deveres e responsabilidades aplicáveis aos juízes togados.

97. Reforça o caráter público de sua atividade o fato de equiparar-se aos servidores estatais, para efeitos da legislação penal.

98. Essas regras expressão per se o nível de garantias e salvaguardas que envolvem o instituto no Brasil.

99. É esse, aliás, o entendimento da Suprema Corte Suíça, que, no caso Westland Helicopters Limited versus Arab Organization for Industrialization, United Arab Emirates, Saudi Arab, Qatar, Arab Republic of Egypt and Arab British Helicopter Company, confirma a decisão da instância inferior de Genebra, que não assentiu no argumento dos recorrentes de prevalência da parte autora em razão do direito de escolher um julgador, em detrimento das partes rés, obrigadas a nomear, em conjunto, o outro árbitro, verbis:

“In this case, the parties have submitted themselves to the Rules of the ICC and These have been applied, in particular, as has been seen, concerning the method of nomination of the arbitrators. One cannot claim that the application of such Rules gave to Westland a preponderant influence. The ICC system offers all guarantees and in any case more than others, since the parties only propose arbitrators, who are named by the Court of Arbitration of the ICC. The Arab Republic of Egypt is wrong when it claims that it has the right to be represented on the tribunal. The arbitrator even if designated by one party, is not the agent of that party, nor his representative” (Eric A. Schwartz, Journal of International Arbitration, “Multiparty Arbitration and The ICC ” In the Wale of Dutco”).

100.A tese de prevalência da parte que teve o direito de indicar, isoladamente, um dos julgadores pode ser sustentada nas jurisdições em que se admite o juiz não-neutro (aquele que atua com predisposição), que pode, de alguma forma, inclinar-se na defesa de interesses daquela que o nomeou e, ainda, eventualmente, em casos de extrema sensibilidade entre partes de diferentes nacionalidades.

101. Arbitragens Paralelas. Deve-se dedicar atenção às relações jurídicas que se perfazem em vários instrumentos contratuais e, às vezes, envolvendo diversos participes entre interessados direitos, indiretos e garantidores.

102. Mesmo que o teor da cláusula compromissória seja idêntico em todos os distintos acordos (o eu se recomenda), por certo a existência de uma única controvérsia surgida no âmbito de um dos documentos, com freqüência, aciona os dispositivos contratuais ajustados nos demais acordos, dando origem a outras disputas envolvendo todos os participes.

103. Neste caso, não havendo estipulação expressa em contrário, deverão ser constituídos tanto os juízos arbitrais quanto o número de cláusulas compromissórias.

104. Procedimento indesejável e custoso, que pode levar a decisões dispare e, até, conflitantes, pode ser evitado pelas partes ao ajustarem a submissão de todos os conflitos, de uma só vez, ao mesmo tribunal arbitral ou solucionar a controvérsia originária e as reflexas através do mesmo painel de árbitros, consecutiva e separadamente.

105. Caso não passíveis de adoção as recomendações anteriores, a instituição de várias arbitragens poderá sofrer outras indagações que se relacionam à imparcialidade do árbitro quando chamado a decidir questões cujos aspectos atuais e legais são similares àqueles por ele analisados na arbitragem paralela, ou possam ter influência no julgamento do conflito reflexo.

106. Nesses casos, todas as atenções estariam focadas para o árbitro que tivesse sido o único a participar das várias arbitragens, pois, em principio, estaria em posição mais vantajosa frente aos demais.

107. Como esclarece Serge Gravel (in Multiparty Arbitration and Multiple Arbitration, p.49),

“his advantage derives either from information that the arbitration is unable to communicate to the other arbitrators without infringing the principle of the rules of due process, or stems from the fact that since he has already settled or considered the self-same question of fact or law in a related case he no longer has the openness of mind necessary for deciding in total impartiality”.

108. Ademais, essa vantagem pode ser argumentada como violadora, também, do princípio da igualdade de tratamento entre as partes, o que, contudo, descartamos se não violentado o conceito de independência do árbitro.

109. De fato, questão das mais sensíveis a envolver o processo das arbitragens paralelas e que as partes e as instituições arbitrais devem enfrentar de boa-fé e analisa-la sob o ângulo dos princípios do livre convencimento (open mind)e da imparcialidade (ausência de preconceitos ou tendências)

110. No plano objetivo, a 1ª Câmara da Corte de Apelação de Paris fixou parâmetros que são observados pela Corte Internacional de Arbitragem da ICC, no julgamento de 14.10.1993 (Ben Nasser et autres v. BNP and Crédit Lyonnais), verbis:

“When the same arbitrator rules in to parallel procedures, the rules of due process are not infringed, nor are the rights of the defense: this is not the case if a decision was reached in another [related] case that could constitute an unfavorable preconception on the part of the arbitrator in question, particularly if the arbitrator took part, in the first case, in an award that logically leads to certain consequences with regard to the questions to be decided in the second arbitration; however, the preconception must relate to that inseparable combination of fact and law which constitutes the case submitted to arbitration; indeed, there is neither bias nor preconception when an arbitrator is called to decide on factual circumstances that closely resemble matters examined in a previous case. Involving different parties, and even less when he has to settle a question of law on which he has previously made a ruling” (Reveue de l’Arbitrage, n°2, p.380, 1994, in Serge Gravel, ob. cit. pp. 49-50).

111. Desse modo, tem-se adotado em algumas jurisdições, como divisor de águas na questão da argüição de recusa de árbitros por imparcialidade nos termos da matéria em apreço, serem as questões de direitos e de fato idênticas àquelas objeto de outras arbitragens em que tenha participado o árbitro em foco.

112. Indicação e Recusa de Árbitro. A instituição da arbitragem ficará deveras facilitada se o(s)árbitros (s)e, por precaução, seus diretos substitutos já estiverem nomeados na cláusula compromissória.

113. Basta a aceitação do julgador para que a arbitragem esteja, legalmente, instituída.

114. Contudo, a nomeação contratual prévia não implica na renúncia ao direito de argüir a recusa do árbitro, haja vista o que dispõe o § [2] do artigo 14 da Lei n° 9.307/96[4] e, tampouco, que o dever de revelar não seja imperativo antes da aceitação da função, mesmo que posteriormente à indicação.

115. Por sinal, o campo das exceções morais, éticas e profissionais dos árbitros tem sido motivo de angústia, desgostos e desilusões entre os arbitralistas e operadores desse sistema de solução de controvérsias.

116. Afinal, as decisões arbitrais são definitivas, regra geral, o que reduz a intervenção judicial às hipóteses elencadas no artigo 32 da Lei Marco Maciel.

117. De outro modo, dado o sentimento de fidúcia que embasa todo o instituto, deve ser investigada, com intensidade, a submissão dos julgadores às regras de conduta que norteiam o processo arbitral.

118. Contudo, é bom que se previna que esta rigidez na análise das potenciais violações dessas normas básicas não há de ser exagerada mas, sim, temperada pelo bom-senso e pela responsabilidade, por sinal, balizamentos naturais da atividade jurisdicional.

119. Os princípios de independência e imparcialidade dos árbitros são, com quase toda certeza, os mais questionados perante as Câmaras de Arbitragem.

120. Na Câmara Internacional de Arbitragem da CCI, todas as decisões que têm por mérito a nomeação, confirmação, destituição, objeção e substituição de julgador são, sempre, definitivas, não passíveis de recurso e, por esta razão, os fundamentos das decisões não são comunicados às partes. Conquanto essa não divulgação das razões do julgado seja questionada em sede constitucional, sob a ótica da regra sem recurso, as Cortes Francesas (Dominique Hascher, in ICC ” Practice in Relation to the Appointment, Confirmation, Challenge and Replacement of Arbitrators)têm sustentado a validade dessa previsão regulamentar, excetuando-se, apenas, a possibilidade de revisão judicial quando fundamentada na incorreta aplicação dessa regra pela própria Câmara.

121. Em que pese a ausência de farto repositório jurisprudencial a respeito dessa matéria, inclusive pela indisponibilidade voluntária de boa parte das decisões , alguns estudos doutrinários e um certo número de sentenças divulgadas são suficientes a nortear a tendência nesse campo específico do processo arbitral[5].

122. Antes de abordarmos alguns desses entendimentos, é conveniente revisitarmos certas regras éticas e morais que, compulsoriamente, devem cercar a conduta dos árbitros.

123. A primeira delas é a da revelação ou transparência. Deve, pois, o árbitro revelar às partes todo e qualquer fato que possa denotar dúvidas quanto a sua imparcialidade ou independência e, ainda, mencionar os aspectos de potencial suspeição ou impedimento profissional.

124. Essa regra obriga o árbitro e tem como destinatárias as partes envolvidas no conflito. São elas as beneficiárias desse comando legal, daí a razão por que o árbitro tem o dever de revelar tudo aquilo que, na opinião das partes, possa ser relevante.

125. Não é o árbitro quem detém o poder discricionário de analisar o que deve ou não ser divulgado, pois sua obrigação é a de total transparência (duty of full disclosure)e o benefício da dúvida é conferido aos contratantes. Em havendo qualquer possibilidade de dúvida quanto à pessoa do árbitro, imperativo que este revele.

126. Ao árbitro aplica-se o pressuposto da mulher de César: não só deve ser, como parecer imparcial.

127. A imparcialidade é princípio absoluto e, ao contrário da independência, não comporta flexibilização. E caráter de quem é justo, julga sem prevenção ou preconceitos e age liberto das amarras de propensão.

128. Segundo Adriana Noemi Pucci, “não interessa, para o fim de avaliar a imparcialidade de uma conduta, se a decisão ou resolução à qual se chegou por meio dela é justa ou exata; para avaliar a conduta como imparcial, o ato deve ter sido inspirado no desejo de obter justiça. Nesse sentido, distingue-se imparcialidade de justiça, pois a primeira refere-se à motivação do julgador, e a segunda, ao conteúdo dos atos; a primeira é um conceito negativo, exclui qualquer inclinação subjetiva do julgador, e a segunda é positiva, dá a cada um o que lhe corresponde”[6].

129. Genericamente os termos imparcialidade e neutralidade (distanciamento das partes e abstração de efeitos externos da controvérsia)têm sido veiculados sem as nuances que os distinguem, quando, na realidade técnica, a precisa distinção conceitual é fundamental. O árbitro não-neutro ou partisan arbitrator, embora aceito em outras jurisdições, especificamente a norte-americana, não é admissível em nosso sistema legal, quando visto como o julgador que atue como advogado da parte que o nomeou.

130. Contudo, se a não-neutralidade redunda da mesma nacionalidade existente entre o árbitro e a parte, ou de uma aparente (não evidente)dependência do julgador privado, podemos admitir como válido o julgamento proferido por esse árbitro, desde que a decisão tenha sido proferida com a mais absoluta e cristalina imparcialidade.

131. A questão da independência é analisada com base na declaração a ser fornecida pelos árbitros aos compromitentes, e em favor destes. Devem os julgadores privados mencionar, expressamente, as ligações profissionais, pessoas, financeiras e todas as demais, passadas ou presentes, que tenham tido, direta ou indiretamente, com as partes ou seus advogados.

132. A revelação dos vínculos ou relacionamentos existentes entre os próprios árbitros não tem sido exigida pelas Câmaras de Arbitragem. Sem embargo, alguns árbitros, espontaneamente, declaram, no Statement of Independece, as relações que possam ser consideradas como perturbadores da sua independência intelectual, dado aos contatos ou aos laços que os unem aos demais árbitros membros do painel.

133. Normalmente refletidas em vínculos profissionais ou acadêmicos, tais relações não têm sido albergadas com empecilhos ao exercício d função de julgador arbitral.

134. Por certo, o conceito de independência termina por variar segundo à cultura e os princípios que norteiam cada sociedade.

135. Ao contrário da imparcialidade, que, por seu conteúdo subjetivo de integridade moral e ética, acaba por ser verificada no curso da arbitragem (v.g., forma de condução da audiência; controle crítico da sentença), a independência averigua-se preliminarmente ao curso do processo, com base em informações particulares divulgadas pelos árbitros.

136. Basicamente, os dados a serem revelados pelos julgadores indicados referem-se a vínculos de qualquer natureza com as partes ou com os advogados que as representarão.

137. No plano das relações árbitros/partes, normalmente vêm à tona as questões da existência de vínculo profissional ou pessoal e da reiterada nomeação do mesmo árbitro para diferentes arbitragens.

138. Relações de negócios concluídas diretamente pelo árbitro, ou sociedade da qual participe, junto a uma das partes, ou o exercício de administração de associação à qual a parte pertença, são fatos comumente abordados nas declarações de independência.

139. Da mesma forma, o prévio, e muitas vezes longo, conhecimento pessoal do árbitro com a convenente insere-se no rol de ligações reveladas nas competentes declarações.

140. Ao contrário das situações acima onde as partes sequer têm contestado a independência do árbitro, o prévio vínculo empregatício com alguém que tenha interesse no resultado da controvérsia e a exposição de opinião quanto ao negócio ou a questão posta não têm recebido guarida das cortes pelo elevado grau de impressão de parcialidade.

141. De outro modo, a sucessiva indicação do mesmo árbitro por uma das partes para atuar em várias arbitragens, apenas dos questionamentos que naturalmente se impõem, não tem sido considerada como mancha a macular a independência do julgador, haja visto que a integridade desse princípio em muito se atrela à própria personalidade do árbitro.

142. Sem embargo, a situação passa a ser delicada se a constância na indicação se torna o meio de vidas do profissional. Sensíveis questões poderão advir dessa prática, dada a fragilidade em que se inscreverá a independência do julgador.

143. No que toca aos prévios contactos profissionais, o critério que tem sido aceito para delimitar o conflito de interesse do árbitro cuja banca de advocacia presta aconselhamento jurídico a uma das partes é o do grau de conhecimento que seus sócios detêm do negócio ou da atividade do convenente.

144. É hábito das corporações estáveis indicarem funcionários do seu governo para comporem o painel de árbitros do tribunal constituído para solucionar a controvérsia em que se vêem envolvidas. Essa é uma tendência natural, difundida e bastante aceita pelos arbitralistas, ainda que o indicado tenha participado das rodadas de negociação do contrato na qualidade de consultor.

145. Nesses casos, objeções têm sido acatadas quando o co-árbitro nomeado pela empresa nacional é funcionário público em exercício de função de representação ou de defesa de interesses do Estado.

146. Questão extremamente sensível é a condução do contacto prévio da parte com o potencial árbitro a ser apontado.

147. Naturalmente, o ser humano tende a extrair desse encontro inicial a posição do interlocutor sobre a questão controversa.

148. Grave equívoco!

149. A distância deve ser a tônica desses encontros preliminares. Á parte, no exercício do seu direito de investigar a qualidade pessoal de potencial árbitro para apreciar e julgar a controvérsia, deve restringir-se a prestar as informações sobre a matéria, as pessoas envolvidas e os demais árbitros se for o caso.

150. De seu lado, impõe-se ao profissional contactado eximir-se de emitir declaração capaz de antecipar ao interessado o futuro julgamento, ou sua linha de convencimento.

151. A considerar, também, que o prolongado contacto pessoal da parte com o árbitro por nomear (v.g., 60 horas)poderá levar a outra parte a crer na indução indevida do profissional sobre a verdade do conflito e objeta-la sob o fundamento da falta de independência, como já acatado pela Corte de Arbitragem da ICC.

152. No campo das relações árbitros / advogados das partes, objeções têm ocorrido quando vínculos de amizade por longuíssimos anos se apresentam ou o árbitro é vinculado a escritório de advocacia onde seu associado atua em outra arbitragem para a mesma parte ou parentesco se projetam. As argüições levantadas, contudo, não necessariamente têm sido acatadas pelas Cortes de arbitragem.

153. Meros vínculos sociais ou de subordinação profissional (v.g., o árbitro tenha sido chefe do advogado da parte), ou mesmo as ligações entre árbitro / advogado como ex-colegas de escritório, são fatos tão corriqueiros na comunidade que sequer são frutos de qualquer objeção.

154. Já as relações árbitros/árbitro, apesar de, regra geral, sua revelação não ser exigida pelos regulamentos de arbitragem, alguns árbitros tendem a divulga-las, pois preferem afastar qualquer possibilidade de questionamento futuro quanto à independência intelectual que os cerca.

155. De todo modo, a prática tem demonstrado que a confiança nas indicações dos árbitros é a tônica[7] e que motivos implícitos ou por detrás das objeções feitas pelos interessados devem ser levados em consideração pelas Cortes de arbitragem.

156. Não raro, os questionamentos são apresentados como forma de obstaculizar o andamento do processo, por receio do resultado que advirá do julgamento ou mesmo como tática de guerrilha para inibir a atuação do tribunal.

157. Daí por que algumas Câmaras Arbitrais aplicam pesos e medidas diferentes na apreciação das objeções, dependendo do momento processual em que são formuladas: início, meio ou fim da atividade jurisdicional.

158. Por certo é de suma relevância a Declaração de Independência apresentada pelo árbitro, pois delimita o campo de responsabilidade do profissional, confere transparência imediata e serve como escudo aos questionamentos futuros.

159. Esse documento permite o controle crítico dos princípios que se impõem ao árbitro no exercício do munus publicum e assegura confiabilidade ao instituto, extremamente calcado na boa-fé e na fidúcia.

160. De outro lado, as argüições formuladas em desfavor dos árbitros não devem servir de escudo a pleitos emulativos e ultrapassar os limites do razoável e da ponderação, para atingir qualquer evento ou sintoma de mera aparência de dependência ou parcialidade do julgador.

161. Hão que ser densas e objetivas as razões expostas e, para acatamento, deverão ser as provas flagrantes e relevantes, de modo a caracterizar, de forma clara, pontual e precisa, a evidente falta de imparcialidade ou independência do árbitro.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.
  2. Estabelecia o artigo 9º do referido Decreto que “a cláusula de compromisso sem a nomeação dos árbitros ou relativa a questões eventuais não vale senão como promessa e fica dependente para a perfeição e execução de novo e especial acordo das partes, não só sobre os requisitos do artigo 8º, senão também sobre as declarações do artigo 10”.
  3. Apud Roque Caivano, in El Compromiso Arbitral: uma Institución Inconveniente La Ley, 1997.
  4. “Art. 14, § 2° O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior a sua nomeação, quando: a)não for nomeado, diretamente, pela parte; ou b)o motivo para a recusa do árbitro foi conhecido posteriormente a sua nomeação”.
  5. Dominique Hascher, em seu citado artigo, esmiuça as várias facetas dos princípios da imparcialidade e de independência dos árbitros, nos termos em que foram decididos pela Câmara de Arbitragem da ICC. Alguns desses entendimentos, em caráter genérico, serão mencionados no presente escrito.
  6. “O Árbitro na Arbitragem Internacional ” Princípios Éticos”, in Arbitragem Comercial Internacional, São Paulo, Ed. LTr, 1998, p.120.
  7. Segundo Dominique Hascher, op. cit., p.II, uma medida de 11 árbitros por ano sofrem contestações (challenge), num total de 1.000 árbitros que atuam nos tribunais da ICC.

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