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Pedro A. Batista Martins[1]

1. Eminente Presidente da mesa, Ministro Peçanha Martins, eminentes colegas também componentes da mesa, meu caro Juiz de Direito e Diretor da Escola de Magistratura do seu Estado, Professor Ives Gandra, Doutora Selma Lemes, Ministros, Desembargadores, Juízes e demais autoridades.

2. Caros colegas,

3. Sempre foi dito que o acesso à Justiça se consubstanciava em um Direito Social, Direito Natural do cidadão. Contudo, nas últimas décadas de Direito Social, transmutou-se num grande e grave problema social. Vivemos a crise da justiça, crise esta que afeta, sobremaneira, o devido Processo Legal. Não o devido Processo Legal analisado sob o ângulo processual, mas, sim, sob uma óptica mais ampla, a óptica do devido Processo Legal Substantivo, que procura tutelar os direitos e garantias dos cidadãos, onde se inclui o acesso à Justiça.

4. Agora, o problema da Justiça não é brasileiro somente, tem ele lastro universal. A crise é mundial. Tanto que nas jurisdições estrangeiras se têm elaborado estudos, analisado os melhores caminhos e instrumentos para suplantar a chamada barreira litigiosa que bloqueia tão salutar direito social.

5. A síntese desses trabalhos e análises restou condensada no Relatório internacional desenvolvido pelo Professor norte-americano Brian Garth e pelo jurista italiano Mauro Cappeletti. A conclusão desse estudo indica que uma das vias de desbloqueio desta barreira litigiosa que afeta o acesso à Justiça estaria na alternativa de se desenvolverem e se utilizarem meios extrajudiciais de soluções de conflitos. Vários são os métodos existentes, resumindo-se os clássicos na mediação, conciliação e arbitragem. Essa conclusão está de certa forma em linha com os Direitos Modernos, que repudiam a inatividade do Estado. Direitos Modernos estes que reclamam maiores prestação e efetividade e, mais ainda, a participação dos cidadãos.

6. Nós temos visto que há uma distância muito grande entre representantes e representados, uma total ausência de diálogo entre a sociedade e o governo e também temos visto um desvirtuamento das funções da República. O Poder Legislativo hoje, basicamente, não legisla, transformou-se em Órgão Fiscalizador. Estão aí em profusão as Comissões Parlamentares de Inquérito.

7. Por outro lado, temos visto um Executivo que legisla, mas atipicamente, pois através de medidas provisórias. Medidas provisórias essas que trazem uma insegurança jurídica muito grande àqueles que militam no dia-a-dia da Advocacia e também àqueles que militam no dia-a-dia dos Tribunais.

8. No campo dos fenômenos sociais, vivemos hoje o ciclo da Democratização Social ou, como preferem alguns, a Democracia das massas, onde os indivíduos procuram participar na formação de decisões políticas e administrativas e, diria também, de decisões legais.

9. O Estado, hoje, não é mais o único veículo da manifestação social; ao contrário, o Estado tornou-se um supervisor da atuação da coletividade.

10. E, quando se fala numa participação da população, do cidadão na administração da Justiça, nós temos que tocar num ponto fundamental, que é a Jurisdição. Há de se flexibilizar, sem dúvida alguma, a Jurisdição. Nas palavras de Cândido Dinamarco, precisamos acabar com o fetichismo da Jurisdição. A Jurisdição tem sido vista única e exclusivamente pelo seu escopo jurídico, quando ela deve ser vista pelos seus prismas sociológico e teleológico, que trabalham pacificamente a lide em sua real origem.

11. E, ao falarmos em Jurisdição, já adentro ao tema da arbitragem, porque a

12. Jurisdição também a afeta. Mas, para falarmos em arbitragem, antes de tudo, precisamos entender da natureza jurídica deste Instituto.

13. A natureza jurídica foi tida por Salvatore Satta como o problema fundamental da arbitragem. Ele, no final da década de 20, dedicou um livro exclusivo para tratar do assunto da natureza jurídica da arbitragem. └quela época os juristas italianos se dividiram em duas correntes. A corrente privatista, que entendia que o árbitro não tinha jurisdição, e a corrente publicista, que, ao contrário, em posição extremamente oposta, entendia que o árbitro detinha poderes jurisdicionais, sendo verdadeira autoridade.

14. Foi interessante e curioso notar que academicamente o assunto se desenvolveu muito na Itália. Mas o país onde a querela doutrinária foi resolvida na prática do Tribunais foi a França, porque era lá, já na década de 1920, onde se processavam as questões arbitrais na Câmara da C.C.I. E já naquele tempo se começou a sentir a tendência de que a corrente Publicista seria a vencedora naquela disputa. Para os privatistas a decisão do árbitro tem caráter meramente moral, digamos, equipara-se a um parecer que, para ter eficácia jurídica, precisa da chancela estatal, porque o árbitro não teria dois dos componentes da jurisdição, quais sejam, os poderes de coerção e de execução.

15. Já os publicistas, ao contrário, afirmam a condição jurisdicional do árbitro e relegam a segundo plano a ausência desses dois componentes, pois sempre foram tidos como componentes naturais do poder de Império, que devem ser sempre exercidos pelo Estado.

16. Na realidade, ao longo do tempo, foi-se dando mais azo a essa corrente Publicista, até porque o árbitro tem o componente da jurisdição, que, para José Frederico Marques, se traduz em sua síntese, qual seja, o iudicium, o poder de aplicar o Direito ao caso concreto.

17. E eu posso afirmar aos senhores que hoje, se nós formos comparar as legislações em vigor mundo afora, inclusive a legislação brasileira, é clara a vantagem da natureza jurídica publicista da arbitragem. Nesse diapasão, recentemente, a legislação inglesa foi alterada para conferir maiores poderes ao árbitro. E a nossa Lei 9.307 não foge a esse particular.

18. Está expressa na Lei, sob várias formas, a inclinação do legislador pela corrente publicista da arbitragem. Por exemplo, a sentença arbitral produz os mesmos efeitos de uma decisão judicial, seja ela de natureza constitutiva, declaratória, seja mesmo de efeito condenatório.

19. Em caso de execução da sentença arbitral, esta deverá ser processada como título executivo judicial, isto porque a Lei de Arbitragem alterou o Código de Processo Civil para elencar dentro das hipóteses de título executivo judicial a decisão arbitral. Essa sentença, portanto, faz coisa julgada. Um outro dado claro a favor da natureza jurisdicional, expresso na nossa Lei, é a desnecessidade de homologação da decisão proferida em sede de arbitragem. O que comprova, mais uma vez, a inclinação do legislador pela natureza publicista da arbitragem. E é com esta visão que nós deveremos tratar os dispositivos constantes da nossa Lei de Arbitragem, particularmente no que tange ao cabimento de mandado de segurança contra ato de árbitro e aos poderes do árbitro para determinar medidas cautelares ou coercitivas.

20. Eu gostaria de deixar claro que, quando falo em jurisdição do árbitro, não estou querendo na prática falar em privatização da justiça. Ao contrário, o que quero demonstrar é que estamos frente a um processo de publicização da justiça. Nesse particular, estou fazendo minhas as palavras do Professor José Carlos Barbosa Moreira, quando registra a prática da cooperação dos particulares junto à atividade judicial. Os cidadãos têm sido autorizados a instaurar a lide (nos casos da ação civil pública e da ação popular) e, também, a solucioná-la (nos casos do Tribunal do Júri e dos extintos juízes classistas).

21. Ora, a tendência moderna passa pelo fenômeno da Democratização Social, passa pelo retorno do Estado às suas funções básicas e primordiais – e a desregulamentação e a privatização não me deixam mentir – bem como pela necessidade de uma cooperação maior dos indivíduos, já sentida no seio da própria sociedade, dada a inoperância e o custo da máquina burocrática. Esses fenômenos nos levam, no campo legal, a uma singela publicização da justiça, onde o Estado delega autoridade aos cidadãos para que eles possam cooperar de alguma forma na administração da Justiça.

22. Tendo em vista a exigüidade do tempo, eu vou passar agora a refletir sobre alguns aspectos relacionados à Lei de Arbitragem.

23. Já que o tema proposto se deita no leito da arbitrabilidade dos litígios, eu acho que seria conveniente relembrar que somente os Direitos patrimoniais disponíveis podem ser objeto de arbitragem. E aí tem sido o ponto nevrálgico enfrentado pela doutrina e jurisprudência quando o assunto é a arbitragem no setor público.

24. A área pública sempre foi avessa a se submeter à arbitragem, não obstante o leading case do Supremo Tribunal, marco no direito arbitral, que é o caso ” Lage “, que foi analisado pelo Pleno do Supremo, na década de 60, e por duas vezes o plenário se manifestou favoravelmente à possibilidade de a Fazenda Nacional se submeter à arbitragem.

25. Na verdade, os entes públicos sempre se esconderam um pouco na chamada imunidade absoluta. Diziam: existe imunidade absoluta, logo não podemos submeter-nos à arbitragem. Ora, o Supremo Tribunal, ainda nos momentos de instalação do Superior Tribunal de Justiça, no final da década de 80, num voto do relator Ministro Sidney Sanches, acompanhado por um outro voto do Ministro Resek , acabou por derrogar a chamada imunidade absoluta que imperava entre nós no seio do Supremo Tribunal. Passou-se, então, a admitir a imunidade relativa. Com isso, os entes públicos passaram a se esconder atrás de uma presunção de que seria necessário para eles se submeterem à arbitragem, alguma regra clara autorizadora que lhes permitisse, efetivamente, resolver as disputas oriundas de contratos administrativos pelo rito arbitral.

26. Ora, essa regra nós poderíamos já naquela época extrair sistematicamente do nosso sistema legal. A Ordem Jurídica Nacional, fundada na livre iniciativa, impunha às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorassem atividade econômica, o regime próprio das empresas privadas.

27. Por um outro lado, os entes públicos não poderiam falar em imunidade à jurisdição ou renúncia à jurisdição, porque a imunidade era relativa. E relativa, tão-somente, aos atos de Império. Logo, para os atos de gestão do Estado, não havia qualquer imunidade; não havendo imunidade, não há o que se falar em renúncia à jurisdição.

28. Mesmo assim, o tema era controvertido, e não somente no Brasil, como também mundo afora. Daí por que recentemente, de uns anos para cá, as legislações novas nesse segmento público, basicamente em função das Concessões, começaram a permitir expressamente a resolução de disputas originadas em contrato administrativo por meio de arbitragem, mediação ou conciliação.

29. Podemos mencionar a Lei de Concessão e Permissão de Serviço Público, a Lei de Telecomunicações, a Lei de Petróleo – que foi mais clara, fala em arbitragem – e a Lei de Licitações, que, nesse particular, apenas deixou claro o que a Doutrina já vinha admitindo no tocante à Supletividade do Direito Privado no campo dos contratos administrativos.

30. Aqui, gostaria de fazer uma breve observação: entendo que fugiu um pouco à técnica legislativa a forma como esses métodos alternativos foram inseridos nessas Leis, basicamente, na Lei de Concessão e na Lei de Telecomunicações.

31. Isso porque os dispositivos legais impõem às partes (aparentemente) o estabelecimento de uma Cláusula de foro e solução amigável de conflito. Logo, pode haver uma divergência, porque as duas Cláusulas em princípio são colidentes. Ou é Foro e estamos tratando de Justiça Estatal, ou é solução amigável e estamos distantes do Poder Judiciário.

32. Essa incongruência já se tem notado na prática, inclusive já foi levada às barras dos Tribunais. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo já analisou por duas vezes essa colidência entre Foro e Cláusula Compromissória. O Contrato continha Foro e Cláusula Compromissória, e a análise interpretativa tem sido feita de uma forma sistemática e já adotando aquilo que as Cortes Estrangeiras aplicam, que é o chamado Favor Arbitral. Em caso de dúvida, privilegia-se a arbitragem.

33. Entendo que a Cláusula de Foro pode ser estabelecida para fixar a jurisdição competente, para dirimir questões que surjam envolvendo Direitos Indisponíveis que, por força legal, devem ser solucionados pelo Poder Judiciário ou, também, para que as partes possam estabelecer o foro do juízo estatal competente, para impor a medida cautelar determinada pelo árbitro ou, então, para o caso da propositura da ação de nulidade prevista no artigo 33 da Lei 9.307/96. Somente nestes três casos.

34. Acho que vale uma breve palavra sobre Cláusula Compromissória por uma razão muito simples. A Cláusula Compromissória sempre foi o grande empecilho para o desenrolar da arbitragem dado ao malfadado Decreto de 1867. Seu artigo 9° deu início à cultura de devastação jurídica da Cláusula Compromissória; esta nada vale sem o compromisso.

35. A partir daí o Brasil passou duzentos anos sem qualquer avanço do instituto da arbitragem. Poderíamos ser hoje um país de vanguarda na Jurisprudência, no processamento das Câmaras de Arbitragem, na doutrina arbitral, enfim, no sistema da arbitragem como um todo. Mas o Brasil parou no tempo em função desse específico artigo constante do Decreto 2.900 de 1867.

36. O legislador procurou dar uma roupagem jurídica totalmente diferente e rígida aos conceitos que cercam a Cláusula Compromissória, até porque ela é fonte de 80% das arbitragens.

37. Hoje, a Cláusula Compromissória produz eficácia positiva e eficácia negativa, ou seja, existindo uma Cláusula Compromissória, caso uma das partes se negue a instituir a arbitragem, a outra pode ir ao Poder Judiciário e pedir ao juiz que institua a arbitragem, que concretize, enfim, a vontade do credor.

38. Essa é a chamada eficácia positiva, que está em linha com a recente reforma do processo civil, na busca de maior efetividade.

39. A eficácia negativa ocorre quando uma das partes, não desejando instituir a arbitragem, vai ao Judiciário e busca discutir a questão material perante o Órgão Estatal. O Juiz, neste caso, está obrigado a extinguir o processo sem julgamento do mérito.

40. Esses dois institutos – eficácias negativa e positiva – já foram levados à apreciação do Poder Judiciário, que, por seu turno, validou seus efeitos.

41. Um dado que eu já vinha defendendo há muito tempo é que o artigo 7° da Lei que trata da via do Poder Judiciário para complemento forçado da obrigação de instituir a arbitragem é uma via supletiva, tem recebido apoio do Judiciário. Normalmente, a via do artigo 7° será o último caminho a ser utilizado, e somente deverá ser acionado se a Cláusula Compromissória for do tipo vazia. É a chamada cláusula branca, e somente neste caso se faz necessária a intervenção do Poder Judiciário.

42. Caso tenhamos uma Cláusula que remete o procedimento arbitral ao regulamento de uma Câmara de Arbitragem e este regulamento tenha mecanismos próprios de Instituição da Arbitragem, mesmo à revelia da outra parte, a arbitragem será instituída. É o que impõe o artigo 5° da Lei de Arbitragem.

43. Se, de outro modo, as convenentes regulam todo o procedimento arbitral e, de antemão, indicam o árbitro no próprio contrato, este árbitro tem autoridade para instituir a arbitragem. Daí por que tenho sustentado que a rota processual do artigo 7° é o último caminho que as pessoas podem ter para instituir a arbitragem.

44. E, vejam bem, a obrigação da parte renitente não é de firmar o compromisso, a obrigação é de instituir a arbitragem. O compromisso é mero veículo secundário de se chegar à Instituição da Arbitragem, porque comprometida já estava quando as partes firmaram a Cláusula Compromissória.

45. Mudando de tópico, gostaria de trazer alguns rápidos questionamentos para reflexão dos senhores. Podemos ter árbitro Pessoa Jurídica ou o árbitro tem que ser Pessoa Física? A Dra. Selma Lemes adota o entendimento de que tem que ser Pessoa Física. Entretanto, no meu modo de ver, pode o árbitro ser Pessoa Jurídica. Tem uma certa complexidade a mais, mas por que não?

46. Ora, possivelmente, numa Pessoa Jurídica, nós vamos encontrar um patrimônio maior do que numa Pessoa Física, e o árbitro tem uma série de responsabilidades, inclusive responsabilidade de cumprir com aquilo que foi estabelecido.

47. Por exemplo, o prazo para prolação da decisão é de 6 meses, sob pena de perdas e danos. Parece fazer mais sentido termos uma Pessoa Jurídica como árbitro, pois, presumivelmente, tenha patrimônio maior para responsabilizar-se por eventual descumprimento dessa obrigação. Ao que sei, no Direito Alemão e no Direito Grego, essa possibilidade é viável, e também acho que devemos romper um pouco com certo formalismo. Nós temos nas sociedades por quotas a possibilidade de o gerente ser Pessoa Jurídica. A Pessoa Jurídica hoje é passível de dano moral e, até mesmo, de responsabilização criminal !

48. Outro aspecto a mencionar é aquele da regra constante do artigo 18 da Lei e que tem gerado um certo debate. Esse dispositivo estabelece que o árbitro é juiz de Fato e de Direito e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário.

49. Eu já li e vi estudiosos dizendo que houve um erro de datilografia, porque não é Juiz de Fato e de Direito, mas, sim, Juiz do Fato e do Direito. No entanto, eu posso garantir que não houve erro de datilografia algum e que não se trata de novidade desta Lei. Esse conteúdo terminológico foi importado do Código do Processo Civil de 73, onde já constava dito que o árbitro é Juiz de Fato e de Direito. Quanto ao pseudoproblema da Cláusula sem recurso, contestada por alguns, já temos manifestação do eminente Ministro Octávio Galottie, em que confirma que a questão da dupla instância é matéria infraconstitucional. O Professor Nestor Souza Lespro afirma com muita precisão que a dupla instância não está inserida no conceito do devido Processo Legal, mas, sim, e somente, o controle Judicial da decisão; e o controle Judicial da decisão do árbitro é permitido pela Lei de Arbitragem.

50. Outro aspecto que vale a pena mencionar é o tocante às Medidas Cautelares e Coercitivas. A opinião doutrinária majoritária confirma o entendimento de que cabe ao árbitro determinar tais Medidas, nos termos do artigo 22.

51. Caso a parte não cumpra espontaneamente o provimento exarado pelo árbitro, aí sim, a execução desta decisão será levada ao Poder Judiciário.

52. Aqui há divergência quanto às formalidades e ao processamento do requerimento junto ao Poder Judiciário. Alguns entendem que se deve requerer o império estatal através de um ofício do árbitro. Eu, particularmente, prefiro ser um pouco mais prático. Acho que quem deve levar o provimento cautelar arbitral ao Poder Judiciário é a própria parte munida dos documentos probatórios, até porque o juiz poderá efetuar uma análise de Ordem Pública ou de Vício de Nulidade que venha a afetar aquela determinação. Assim sendo, não cabe ao árbitro discutir num processo judicial com a outra parte determinados aspectos de direito. No meu modo de ver, pode a parte, sim, requerer diretamente em juízo a imposição da medida deferida em sede arbitral.

53. Por fim queria trazer aos senhores uma discussão muito grande e acirrada na Doutrina com relação ao prazo para Propositora da Ação de Nulidade. Determina o artigo 33 que a parte interessada poderá pleitear ao Órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral no prazo de 90 dias. Existe, pois, prazo de 90 dias para se propor ação de nulidade. Já ouvi comentaristas dizendo que este prazo é de prescrição, entretanto, no meu modo de ver, é de natureza decadencial, até porque estamos lidando com uma ação que visa desconstituir uma decisão do árbitro.

54. Logo, o prazo para mim é decadencial, pois trata-se de Direito Potestativo.

55. Mas a questão que além desta se põe é com relação aos embargos, porque o parágrafo 3° desta Lei diz o seguinte: ” A Decretação de nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante a ação de embargos de devedor “. Ora, temos uma sentença condenatória, o devedor queda-se silente, passa-se o prazo dos 90 dias, indaga-se: poderá o devedor, após decaído o direito pelo transcurso do prazo de 90 dias, exceptuar a nulidade nos embargos à execução? Essa é a questão que vem sendo discutida, e eu entendo que não. Parece-me, em princípio, ser necessário que o devedor tenha proposto a ação de nulidade para que ele possa, aí sim, alegar em embargos a exceção de nulidade.

56. Outro aspecto que tem que ser discutido e a Doutrina não tem falado muito é a possibilidade de Ação Rescisória contra a decisão do árbitro. A tendência doutrinária é no sentido de que a ação de nulidade supre a ação rescisória.

57. Na Itália, por exemplo, nas arbitragens internacionais, não cabe ação rescisória, somente nas arbitragens internas, mesmo assim se não tiver sido proposta a ação de nulidade.

58. Essa questão não está pacificada, muito pelo contrário, não está sendo nem muito debatida. No meu modo de ver, entendo que não cabe ação rescisória, contudo, se vier a prevalecer o entendimento contrário, a rescisória será, necessariamente, discutida em arbitragem também.

59. Passados quatro anos da Lei de Arbitragem, eu tive um prazer muito grande de colher uma série de decisões judiciais de primeira e segunda instâncias para fazer alguns comentários e sentir como o Poder Judiciário tem interpretado os Institutos que compõem a Lei 9.307. A surpresa foi a melhor possível !

60. Ao longo desses últimos anos, foram dezenas de livros editados, de conferências e palestras divulgadas, além da constituição de muitas Câmaras de Arbitragem. Consegui recolher alguns dados que, confesso, não posso garantir aos senhores que sejam dados, digamos, precisos, porque nós sabemos que o Brasil tem um certo problema com relação ao levantamento estatístico. Contudo, podemos dizer que são dados preliminares que possibilitam pensar a respeito da prática arbitral no Brasil.

61. De 99 até março de 2001, foram levados à arbitragem 885 casos no campo comercial e, no campo trabalhista, onde pensei que fosse o mais difícil, foram 13.463 casos. Basicamente, estes dados de arbitragem trabalhista estão muito centrados em algumas Câmaras de São Paulo, e o interessante é que as arbitragens ocorrem e por várias vezes os empregados vão à Justiça tentando reabrir o mérito da questão.

62. E o Poder Judiciário tem barrado, tem extinto o processo sem julgamento do mérito dizendo ser caso de ação de nulidade. “Não cabe mais reabrir a discussão havida na arbitragem…o senhor foi representado por advogado…o senhor firmou o termo, então não há que se falar em reabrir o mérito da questão trabalhista”. Do mesmo modo, quando o árbitro determina o levantamento do fundo de garantia por tempo de serviço do empregado, este se dirige à Caixa Econômica, onde esbarra em uma Portaria, que não sei bem se é da Caixa Econômica ou do Ministério do Trabalho, que veda o levantamento do fundo quando imposto por decisão arbitral. Nesses casos, com a impetração de Mandado de Segurança e a expedição de liminar, os ex-empregados têm obtido na justiça comum, freqüentemente, a liberação do fundo de garantia.

63. Apesar de ainda estarmos no início do processo de revitalização do instituto, e não obstante a discussão da constitucionalidade que ainda campeia no seio do Supremo Tribunal, parece-me que, pelo número de casos que já se tem, eu poderia dizer que felizmente a Lei da Arbitragem pegou. Era o que tinha a dizer. Muito obrigado e, uma vez mais, agradeço o honroso convite.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.

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