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Pedro A. Batista Martins

 

1. Tramita no Congresso Nacional projeto de lei nº 3955, de 1989, de autoria do deputado Valdir Colatto, que propõe a extinção dos Conselhos de Administração das empresas de capital aberto e sociedades de economia mista. Este projeto, se aprovado sem emendas, alterará a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6404, de 15.12.76), que passará a vigorar com a eliminação dos seguintes dispositivos, verbis:

“Art. 138

Parágrafo Segundo – As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoriamente, Conselho de Administração.

Art. 230. As companhias de economia mista terão, obrigatoriamente, Conselho de Administração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo.”

2. Cabe ressaltar que a menção ao artigo 230 consta incorreta, pois a redação transcrita é a do caput do artigo 239 das lei das companhias.

3. No momento em que o projeto de lei em apreço foi encaminhado para exame às comissões de Constituição e Justiça e Redação, de Economia, Indústria e Comércio e de Serviço Público, algumas ponderações merecem consideração.

4. Com a incumbência de criar mecanismos de fortalecimento do mercado de capitais existente à época, aos legisladores da atual lei da S/A, de 1976, coube implementar uma nova estrutura jurídica para as grandes companhias, com perfil mais moderno e dinâmico.

5. Seguindo as tendências inovadoras consubstanciadas nas legislações societárias de alguns países europeus (Alemanha, França, Áustria, Holanda) foi estabelecida, também ente nós, a gestão social hierarquizada, onde o Conselho de administração é órgão coletivo de orientação dos negócios sociais e a Diretoria, eleita pelo Conselho e a este subordinada, é órgão executivo e de representação da sociedade.

6. Além de deliberar sobre as diretrizes da empresa, compete ao Conselho de Administração, dentre outras atribuições, fiscalizar a gestão dos diretores e, se previsto no estatuto, manifestar-se previamente sobre altos ou contratos e autorizar a alienação de bens de ativo permanente, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias.

7. Organismo utilizado pelos controladores como forma de minimizar os efeitos que a evolução natural das modernas sociedades acabou por impor aos capitalistas (isto é separação entre propriedade e poder), entre nos, a instituição do Conselho de Administração foi de salutar importância para a própria proteção dos interesses minoritários.

8. Com efeito, é através da prática do voto múltiplo que a lei das S/A assegura às minorias acionárias a intervenção na administração da companhia. Essa participação minoritária na gestão social se perfaz através da adoção desse processo múltiplo de votação com representação mínima de um décimo do capital votante. A cada ação se atribui tantos votos quantos sejam os membros do Conselho, admitindo-se cumulação de votos.

9. Esse sistema possibilita ao minoritário participar da administração da empresa com poderes mais eficazes para fiscalizar e influir nos negócios sociais. Pode ele, assim, melhor zelar pelo seu interesse na sociedade. Mormente, é fator de estímulo à pratica da transparência na administração.

10. É de se notar que, mas companhias cuja estrutura acionária é bastante equilibrada, um erro na estratégia da votação múltipla pode acarretar a inversão do poder decisório.

11. Entretanto, a utilização desse mecanismo sul generis só é valida para os casos de preenchimento de cargos do Conselho de Administração.

12. Nas companhias onde o número de conselheiros é inferior a cinco, o que, na prática, inviabiliza o fim a que se propôs o instituto do voto múltiplo, a lei garante assento no Conselho de Administração de membro indicado por acionistas que representem, pelo menos, 20% do capital com direito a voto.

13. No caso das sociedades de economia mista, onde o poder público detém a maioria, aos particulares, na qualidade de minoritários, é garantido de antemão o direito de eleger, pelo menos, um conselheiro, se maior número não for alcançado via voto múltiplo.

14. Nesses tipos de sociedade, a presença do capitalista privado na administração é de fundamental importância para o controle de seus interesses vis-à-vis os do poder público, que muitas vezes se afiguram conflitantes.

15. Contudo, como foi visto o direito das minorias de participar da gestão social somente pode ser exercitado quando a estrutura jurídica da empresa a que se associaram contempla a existência do Conselho de Administração.

16. É de salientar que, no tocante às sociedades de economia mista, o fundamento apresentado pelo autor do projeto de lei para justificar a alteração pretendida é o de que o Conselho de Administração, nesta espécie societária, se transforma “no famoso cabide de empregos, com suas notórias inconveniências”.

17. No entanto, entendemos que há outros meios e modos de se acabar com o fisiologismos que reina no País. No caso específico, seria mais singelo, pr exemplo, limitar o número de conselheiros.

18. A sensação é a de que estamos vivendo novamente aquela conhecida história: “para acabar com o carrapato, mata-se o boi”.

19. Não podemos nos esquecer, também, que a eventual extinção dos Conselhos de Administração, nos moldes do projeto de lei em questão, eliminará uma das vantagens das sociedades de capital autorizado, qual seja, a opção de o Conselho de Administração, em lugar das assembléia de acionistas, deliberar sobre a emissão das ações referentes ao aumento de capital.

20. Essa delegação de poderes permite à sociedade resultado mais ágil na obtenção de recursos no mercado de capitais, vez que desnecessário o preenchimento prévio de certas formalidades inerentes ao aumento de capital formal.

21. Neste particular, é sem sentido a alegação exposta na justificação que acompanha o mencionado projeto de lei, de que o Conselho de Administração é órgão burocratizante que reduz a velocidade das decisões (sic).

22. Por outro lado, cabe assinalar que a Constituição Federal prevê, excepcionalmente, e nos termos a ser definido em lei, a participação dos trabalhadores na gestão da empresa (cf. art 7º, XI).

23. Nesse sentido, o projeto de lei em apreço inviabiliza a eventual regulamentação deste dispositivo constitucional, já que a Diretoria é órgão de execução “que exige unidade de comando”.

24. Ademais, não bastando o antes exposto, o Conselho de Administração viabiliza a associação com vistas a empreendimentos comuns, através da constituição de joint-ventures, por recair sobre este órgão a tarefa de fiscalizar e executar os respectivos acordos de acionistas.

25. Como bem esclarece Modesto Carvalhosa em seus Comentários à Lei das S/A (vol.5), “na formação das joint ventures ou dos conglomerados, tem o Conselho de Administração a função de assegurar aos grupos minoritários nacionais e estrangeiros importantes para o desenvolvimento das companhias, em termos de capital, tecnologia, preferência de mercado ou de crédito etc., uma efetiva influência, em alguns casos até preponderante, na condução dos negócios sociais, inclusive pelo exercício do poder de veto previsto nos respectivos acordos de acionistas para determinados assuntos ou matérias. Desta forma, o Conselho de Administração será o órgão de execução dos acordos de acionistas, o qual posiciona em termos de privilégios, ou de paridade, ou de veto, determinados grupos influentes de acionistas minoritários nas joint ventures e nos conglomerados.

26. Cabe acentuar eu o projeto de lei, se aprovado, colidirá com outros preceitos introduzidos na nossa lei societária de forma a harmonizar e sistematizar os direitos e obrigações inerentes aos Conselhos de administração.

27. Essas são as razões pelas quais entendemos que esses órgãos de deliberação colegiada não devem ser extintos.

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