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Introdução

1. A SRA. CARMEN TIBÚRCIO – Bom dia a todos. Antes de iniciarmos o debate, gostaria primeiramente de parabenizar o Centro de Mediação da CNC por essa iniciativa, que, tenho certeza, é um presente para todos nós a presença dos três co-autores da lei, para que possamos tirar algumas dúvidas e possamos dialogar sobre as questões que nos afligem em matéria de arbitragem.

2. Nós até combinamos um método especial do debate, mas gostaria de dar a palavra ao professor João Bosco Lee, que é o presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem e, como tal, iniciará o debate.

3. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Obrigado Carmen. Da mesma maneira gostaria de agradecer o gentil convite que me foi feito para participar desta mesa histórica. É difícil encontrar Pedro, Carmona e Selma na mesma mesa, discutindo a lei.

4. Bom, para começar o debate, existem efetivamente várias questões que podem ser colocadas; algumas questões que eu já coloquei, pessoalmente, para os membros da Comissão Relatora da Lei. Efetivamente essa lei mudou o contexto da arbitragem no Brasil; ela pode ser considerada uma lei moderna, e tem diversas qualidades; estas qualidades acho que não serão colocadas neste momento, ela dá eficácia, efetivamente, à cláusula compromissória; ela consagra a autonomia da vontade em relação à escolha das regras aplicáveis ao procedimento, em relação às regras aplicáveis ao mérito do litígio; muda completamente a questão da homologação da sentença arbitral estrangeira; dá eficácia ao procedimento arbitral. Mas, na realidade, eu não vim aqui para elogiar a lei. Eu vim muito mais para apresentar algumas questões e criticá-la em alguns pontos.

5. A primeira questão que eu colocaria, e é uma questão de atualidade, é a questão prevista no artigo 8º § único da lei, que fala sobre a questão do princípio da competência-competência. A lei não consagra, de maneira expressa, o efeito negativo do princípio da competência-competência, e essa é talvez uma das questões mais discutidas hoje, em função de um caso, que quase todos devem conhecer, que é o caso COPEL. Eu queria colocar para os membros da Comissão Relatora, que eu já escutei inclusive uma opinião diferente de um deles, sobre a questão da consagração do efeito negativo do princípio da competência-competência, ou seja, se uma cláusula compromissória for efetivamente levada perante um juiz estatal, e a discussão for sobre a validade da cláusula compromissória, como a lei não traz no seu bojo, expressamente, o efeito negativo dessa cláusula, do princípio da autonomia, ou melhor, do princípio da competência-competência, se, implicitamente, não seria o espírito da lei; efetivamente, se ao artigo 8º § único, prevendo o princípio da competência-competência, não deveria vir de ofício, ou se a outra parte eventualmente levantar esse princípio, se declarar incompetente. Acho que na ordem, para o senhor Carmona.

6. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Bom dia a todos. Nós tínhamos combinado que nós faríamos uma coisa diferente, porque a Carmen, até, antecipadamente, nos mandou as objeções que ela faria a todos nós, e lealmente falou: olha, estudem a lição porque eu vou perguntar isto aqui. E mandou para todo mundo, para que ninguém alegasse surpresa ou pedisse vista. Quer dizer, ela já foi bastante preparada para dizer “vocês virão para debater isto aqui, tratem de saber o que é que vão dizer” . Já o João Bosco usou uma reserva, não disse a que vinha e já começou o bombardeio inesperado. Quer dizer, vejam vocês a situação destes membros da Comissão. A Selma prudentemente falou “Carmona, vão preparar um bombardeio” . Eu disse “não, de jeito nenhum” . Mas eu percebi que o João Bosco veio armado. Esses paranaenses são terríveis, viu, vocês tomem cuidado com eles.

7. Eu vou responder ao João Bosco, essa objeção que ele fez, lendo um texto aqui para vocês sobre o artigo 8º. Trata-se de texto preparado por um nobre deputado do Partido dos Trabalhadores. “A redação proposta – da cláusula 8ª – prevê que a cláusula compromissória não é nula, mesmo que o contrato o seja. Ora, trata-se de disposição sem nenhuma lógica dentro da doutrina da existência, validade e eficácia dos contratos, devendo ser retirada da proposta. Os vícios de forma, de vontade e capacidade de partes, são extremamente técnicos, jurídicos, não sendo de boa técnica submetê-los a um árbitro leigo para solução de eventual controvérsia sobre eles. Só para citar um exemplo. Assim, se há nulidade no contrato, esta vicia também a cláusula compromissória, não podendo sua solução ser dada pela arbitragem, mas sim pelo juiz competente para a causa.”

8. O nobre deputado do Partido dos Trabalhadores apresentou uma emenda quando o projeto foi levado à Câmara dos Deputados exatamente sobre esse artigo 8º que o João Bosco critica, dizendo, em linhas subliminares, que talvez o projeto devesse conter uma cláusula um pouco mais rigorosa a respeito desse tema. Ora, com uma cláusula não tão rigorosa, e que pelo menos traça linha a respeito de alguma coisa que os brasileiros não compreendiam, um deputado petista apresenta – eu faço questão, porque eu cito isso com muito prazer: o PT, que hoje é governo, defende tudo isso que estávamos defendendo há dez anos atrás, e agora são obrigados a dizer que é isso e muito mais, naquela época apresentou dez emendas supressivas e foi secundado pelo Partido Comunista do Brasil, que apresentou outras duas, e através dessas emendas eles tentavam soterrar o então projeto de lei sobre arbitragem.

9. Então, João Bosco, só para você sentir um pouquinho o clima em que nós estávamos trabalhando, no ano de 1991, quando este anteprojeto foi imaginado. Ninguém falava aqui no Brasil de competence-competence, que era uma expressão, citada em alemão, e que ninguém sabia exatamente o que significava. E, na Faculdade de Direito, no curso de pós-graduação, e mestrado e doutorado, nós achávamos realmente um pouco estranho que o árbitro discutisse a competência, a respeito de sua própria competência, quando na verdade se tratasse de um contrato nulo e que, portanto, inseriria uma cláusula, em princípio, válida. Uma coisa estranhíssima para todos nós. Até que nós, mestres e doutores, absorvêssemos estes conceitos, demorou algum tempo, e nós queríamos passar para a sociedade brasileira, de um dia para outro, a idéia de que um árbitro deveria mesmo julgar sobre sua própria competência. Ora, não só não conseguimos passar – porque isso foi colocado de maneira até branda na lei, e assim deveria ser, e se eu tivesse que fazer isso de novo faria exatamente como foi feito então – como ainda o juiz, o Poder Judiciário está reagindo muito mal a esta colocação, imaginando que a possibilidade de conhecer prima facie de qualquer nulidade desta cláusula compromissória vai muito além do que nós havíamos imaginado. Notem que isso não é um problema brasileiro. Este é um problema genérico em relação à arbitragem. Os franceses nos relataram, aqui mesmo no Rio de Janeiro, em novembro do ano passado, que eles estão tendo alguma dificuldade para estabelecer qual é o limite em que um juiz togado pode, vendo uma cláusula nula, desde logo alegar esta nulidade ou reconhecer esta nulidade. Até que ponto deve ele, em vista da cláusula compromissória, encerrar o seu julgamento e mandar o processo para o árbitro? E até que ponto ele deve, percebendo a nulidade, dizer “esta cláusula não vale, eu vou continuar o meu julgamento” ? É disso que nós estamos falando. Se nós fôssemos mais precisos, haveria dois riscos. Primeiro esta cláusula ia ser simplesmente eliminada da Lei de Arbitragem. Segundo esta cláusula ser a causa ou este artigo ser a causa da não-aprovação de todo um projeto.

10. Fazer lei é uma arte, e é preciso lembrar o momento em que a lei foi feita. Porque hoje nós mesmos conseguimos, através dessa vivência que nós estamos tendo de arbitragem – já são quinze anos que nós estamos lidando com isso, mais, o Pedro já havia escrito em 1990, publicado o livro, quando começamos a trabalhar na comissão; a Selma estava estudando para fazer a dissertação dela; eu estava apresentando a minha tese de doutoramento a respeito deste mesmo tema; quer dizer, amadurecemos todos. Hoje é muito fácil fazer uma crítica à Lei de Arbitragem. Eu não quero com isso impedir críticas, nem quero com isso dizer que as críticas não são bem-vindas. São. Mas é preciso entender, antes de mais nada, por que que as coisas foram feitas dessa maneira. Depois, verificar como é que a podemos melhorar a lei da maneira como ela está escrita hoje. Eu brincava com a Tânia, quando acabei de chegar – e já termino e passo a palavra para você – dizendo que eu passei um e-mail para a professora Ada Grinover ontem, lembrando a ela uma frase de Oscar von Dilof, que “as leis são como as salsichas: é melhor não saber como é que elas são feitas” . Eu dizia isso a propósito da Lei de Mediação, porque nós tivemos que dar nó em pingo d´água para fazer um projeto consensuado da Lei de Mediação que agradasse, mais ou menos, a todos. E, portanto, é preciso ter o bom em mira, porque se não nós não conseguimos aprovar absolutamente nada. Essa busca do ótimo é a busca do Santo Graal, não sai nada. Então é preciso aprovar alguma coisa, e depois melhoramos. Agora parece que estamos na hora de melhorar. É preciso, portanto, entender o que é que foi feito, eis aí a explicação, e verificar como fazer agora para melhorar. Nisso, o João Bosco tem razão.

11. Quer dizer, seria importante que agora, que começamos a adquirir um pouco mais de cultura, tentássemos limitar os poderes dos juízes, na medida em que eles estão tentando absorver esta competência que é do árbitro. Mas eu já digo aos senhores que eu não acredito nesta possibilidade. Os franceses não conseguiram, os belgas não conseguiram e os suíços têm dificuldade. Não creio, portanto, que os brasileiros tenham maior sucesso do que europeus, que lidam com arbitragem há quase cem anos.

12. Mas fica, de qualquer maneira, a observação, e fica esta minha preocupação de que mudar a lei não resolverá o problema cultural. Os juízes têm alguma dificuldade em entender, como tinha esse deputado há quinze anos atrás de compreender o que é princípio da competência da competência. Aliás, hoje não precisamos mais usar a expressão alemã, isso já entrou para o nosso vocabulário jurídico-processual, jurídico- arbitral, e, portanto, hoje a gente já compreende como é que funciona o mecanismo da arbitragem.

13. Bem, essa era a resposta preliminar que eu queria dar ao João Bosco.

14. Vou passar a palavra para a Selma para que se siga a ordem que tínhamos inventado. Nós nem consultamos o João Bosco, ele não sabia disso, ele é inocente. Mas com o complô local, quer dizer, nós contamos com apoio da Carmen, que afinal de contas é a nossa anfitriã, e, portanto, estamos bem amparados.

15. A SRA. SELMA LEMES – Bom dia a todos, é um prazer estar aqui, fazer parte desta mesa, e com certeza este momento é um momento histórico para todos nós. Sabíamos que íamos receber muitas críticas, mas elas são bem-vindas porque sabemos que são construtivas.

16. Completando apenas o que o Carmona comentou, eu queria lembrar que na oportunidade em que nós objetamos essas impugnações na Câmara dos Deputados, realmente a questão saiu da raia técnica e foi para a área do surrealismo, porque nós respondemos essa questão inclusive invocando o que havia acontecido também na Espanha. Na Espanha foi exatamente a mesma coisa. Por ocasião da tramitação da lei espanhola de 1988, foi a mesma coisa. Os deputados também se insurgiram com referência ao princípio da competência-competência.

17. Eu queria completar o que o Carmona falou sob uma outra ótica. A ótica que não são apenas os juízes que não estão entendendo. Há ainda uma certa resistência, de certa forma até cultural, com referência ao princípio da competência-competência, o artigo 8º § único da Lei de Arbitragem, mas também os advogados, porque são estes que diante desse enunciado, dessa explicação que a doutrina está se incumbindo disso, porque por mais que a pessoa possa ler e não entender o que aquilo quer dizer, ela deve se socorrer à doutrina. E se ela for uma doutrina razoável, vai verificar o que significa esse princípio, e compete a nós, advogados, a entender e dar a aplicação correta à lei. Então quantas vezes nós vemos essas questões, esses paradigmas que estão surgindo, que estão sendo levados ao Judiciário, não deveriam ser, porque a lei é muito clara: quem deve discutir em primeira mão a questão da competência, a questão da validade da cláusula, são os árbitros, e eles têm competência para isso. Nós temos precedentes jurisprudenciais no sentido de que os árbitros, ao se depararem com cláusulas arbitrais vazias, dúbias, se dão por incompetentes e remetem as partes ao Judiciário pelo artigo 7º da lei. Então é aqui que vai a minha mensagem com referência ao artigo 8º § único.

18. E outras questões também. Por exemplo, muitas vezes nós recebemos as seguintes indagações: “mas a lei não é clara” . Ela não é clara para não ser clara mesmo, porque quanto mais dúbia ela for, melhor será na hora de interpretar. Competirá ao intérprete adequá-la e aplicá-la, e são assim que as leis são feitas. As leis são feitas abertas. Se nós formos verificar, por exemplo, as impugnações, as emendas sugeridas durante a tramitação da Lei de Arbitragem, do projeto de lei, nós vamos ver que nós avançamos muito. Por quê? Porque os deputados queriam tirar, por exemplo, a dispensa da homologação do Judiciário. Queriam tornar essa homologação do Judiciário, queriam que a arbitragem só se aplicasse para questões até 200.000 UFIRs na época, queriam que retirasse da lei a questão referente à homologação de laudo arbitral estrangeiro. Nós tivemos três anteprojetos de lei: um de iniciativa do Ministério de Desburocratização e outros dois do Ministério da Justiça. Por exemplo, o de 1986/88, foi drástico; ele sequer tratava da questão da homologação de sentença arbitral. Ele impunha a apelação para sentença arbitral. A sentença arbitral ficava sujeita à apelação para o Tribunal de Justiça. Então os senhores verifiquem que, da forma que nós conseguimos, o texto que hoje nós trabalhamos e que ele possa vir a ser revisto, foi um avanço incomensurável para a arbitragem no Brasil. Vou passar a palavra para o Pedro para podermos debater outros assuntos também.

19. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Bom dia a todos, um prazer voltar aqui a esta casa, a convite da Inez, poder participar, como bem lembrou o João Bosco – é só nesse ponto que eu vou concordar com ele (risos) – de que é difícil nos encontrarmos à mesma mesa, eu, Carmona e Selma; eu e Selma estamos sempre à mesa de trabalho, não é? Então encontrar com o Carmona fica difícil. Ele hoje é um homem rico, gosta de sentar às mesas de pagode, enfim. Você viu que ele falou pouquinho. Foi só “preliminar” , como ele disse. Isso aqui é só “preliminar”.

20. Mas com relação à observação do João, eu acho que ela é uma observação válida, mas não procede. Eu digo válida por que poderíamos talvez dar uma nova redação a essa cláusula? Poderíamos. Mas é uma redação que vai reforçar o que já está aqui. No meu modo de ver, é clara a lei. Se nós formos interpretar, sistematicamente, nós vamos chegar à conclusão de que competência-competência existe no Brasil e está positivado na Lei de Arbitragem. Veja bem. O caput da cláusula está dizendo que a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica na nulidade da cláusula compromissória. Então, se o contrato é nulo, a cláusula compromissória não é nula, ela produz os seus efeitos jurídicos. Se ela produz os seus efeitos jurídicos, vale a convenção de arbitragem, vale o acordado pelas partes. O parágrafo único diz “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória” .Então, quer dizer, esse dispositivo veio inclusive – talvez os dois aspectos que a comissão quis enfrentar, eu acho que isso aqui foi unânime entre nós, foi atacar aqueles dois obstáculos que existiam antes, que eram um empecilho ao desenvolvimento da arbitragem, ou seja: a necessidade de homologação, que ficou claro na lei que não precisa e a ineficácia da cláusula compromissória. Quanto à ineficácia da cláusula compromissória, foi feito toda uma série de dispositivos que confere todo um contorno jurídico a essa cláusula, de modo que ela produza todos os seus efeitos direito. A única exceção, quanto à eficácia da cláusula compromissória, está lá no artigo 4º, que é no tocante aos contratos de adesão. E veja bem, a cláusula compromissória, mesmo nos contratos de adesão, é válida. A sua eficácia fica em suspenso apenas quanto ao aderente. Então é uma linha bastante tênue de exceção à regra da validade. E o artigo 8º vem a reboque reforçar esse contorno jurídico que eu mencionei. Está lá: a cláusula compromissória é autônoma, é um princípio universal, e cabe ao árbitro decidir com relação à sua própria competência. Se nós formos analisar o sistema da arbitragem, nós vamos concluir claramente que o árbitro é o primeiro juiz da sua jurisdição, porque na hora que as partes escolhem a arbitragem, eles afastaram o Poder Judiciário e querem o mínimo possível de interferência do Poder Judiciário. E necessariamente uma interferência residual, uma interferência normalmente após todo o processamento da arbitragem. Raramente nós vamos ter uma atividade jurisdicional estatal, antes ou durante o processo de arbitragem. Nesse sentido caso se tenha a participação do judiciário, ela se faz em cooperação com a arbitragem, numa medida cautelar, antes da instituição do juízo arbitral, ou num momento de impor uma decisão cautelar, um provimento cautelar determinado pelo árbitro. A sistemática da arbitragem é essa, afastar a jurisdição estatal. Obviamente está aqui a cláusula da competência-competência. Eu, particularmente, já escrevi, não tenho problema nenhum de reafirmar. Talvez o único momento que eu entenda possível de um juiz estatal entrar no mérito quanto à validade ou a existência da cláusula, é nos casos em que a parte – nós temos num contrato uma cláusula vazia, uma cláusula branca necessita ir ao Poder Judiciário para que seja instituída a arbitragem; naquele momento, como o juiz terá que analisar a cláusula compromissória para que ela produza seus efeitos, se ele detectar um caso de nulidade absoluta da cláusula, ou mesmo do contrato, aí sim o juiz poderá entrar no mérito da questão. Ele aí então afastará o princípio da competência-competência, até porque ele está obrigado, pelo Código Civil, a analisar ele tem o dever de analisar os casos de nulidade absoluta. É um momento extremo, onde o juiz togado poderá afastar o princípio da competência-competência.

21. De resto, negativo e aí eu faço eco às palavras do Carmona e da Selma, é uma questão de cultura. É difícil hoje eu sentar com um juiz e dizer para ele que o árbitro é o juiz da sua primeira jurisdição. É ele quem vai deliberar se ele é competente ou não. É algo sensível para você mencionar para um juiz. É sensível numa Escola da Magistratura, onde as pessoas vão fazer concursos para Ministério Público, para juiz; você fala que a jurisdição é do árbitro, e todo mundo torce o nariz. Você imagina um juiz togado. É algo realmente sensível. É sensível falar para processualistas, como eu já conversei com processualistas de renome; eles acham que você está errado, está equivocado, o texto não é esse, a teleologia não é essa. Agora, o conceito da arbitragem é esse, você afasta a jurisdição estatal. E na grande maioria das arbitragens não há sequer manifestação do juiz togado. O processamento se dá integralmente através dos árbitros, do juízo arbitral.

22. Eu, digamos, discordo, acho que é válido, como eu mencionei, a ponderação do João Bosco; mas eu discordo quando ele afirma que não há no texto brasileiro a competência-competência. Para mim, é claro, seja porque o parágrafo único, analisado em conjunto com o caput, seja por causa da sistemática, seja por causa do histórico, da mens legis, mens legislatoris etc., a gênese do próprio instituto, tudo isso me leva a chegam a essa conclusão.

23. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Eu só queria, primeiro, fazer umas colocações. Efetivamente, a Carmen pediu para que eu colocasse todas questões no início do debate. Mas como se trata de um debate, e não de maneira desleal, efetivamente vai ser um bombardeio. É o que a Selma falou. Eu vim aqui para criticar a lei e não os autores da lei. A crítica em nenhum momento vai ser pessoal.

24. A minha pergunta, acho que talvez tenha sido mal compreendida.

25. Efetivamente o artigo 8º § único declara e consagra o princípio da competência-competência de maneira integral. Mas a minha pergunta, e o Carmona levantou essa questão muito bem, é discutida extremamente no exterior, no Direito Comparado, a Justiça Francesa não conseguiu consagrar de maneira plena o princípio do efeito negativo da competência-competência, ou seja, a partir do momento que você alega nulidade de uma cláusula arbitral diante do juiz estatal, ele, em função do princípio da competência-competência, devia se declarar incompetente.

26. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Mas ele vai julgar.

27. O SR. JOÃO BOSCO LEE – E aí vem a questão. Hoje, pelo que nós estamos vendo, ele tem julgado. Ele julgou no famoso caso COPEL. Eu não estou criticando a redação do artigo 8º § único, porque ele corresponde à tendência do Direito Comparado. A minha única crítica, talvez fosse, se não poderia ter sido complementado que – como diz até de uma maneira contrária o artigo 3º da Convenção de Nova Iorque, ou seja, o juiz perante uma cláusula nula, a Convenção de Nova Iorque diz que ele não tem que mandar o caso para o árbitro, porque ele declara a cláusula arbitral nula. A nossa lei não diz isso, mas também não diz o contrário. É só nesse ponto que vem a minha pequena crítica.

28. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Se eu só fazer aqui uma colocação. Eu acho que o caso COPEL, para mim, não serve de exemplo para nada. Só isso.

29. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Mas lá no Paraná, é diferente. (risos).

30. A SRA. CARMEM TIBURCIO – Bom, a minha questão diz respeito à participação da administração pública em arbitragens, que é um tema bastante polêmico, no Brasil e no exterior. No Brasil, a polêmica deriva principalmente do artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece que o grande princípio da administração pública é o princípio da legalidade, ou seja, o administrador só pode agir quando autorizado pela lei, e nos limites da autorização legislativa. Adicionado a esse artigo 37, temos também, para completar o cenário legislativo aqui no Brasil, o artigo 55 § 2º da lei 8.666/93, que determina que é cláusula essencial de todo o contrato firmado pela administração aquela que estabeleça o foro da sede da administração como competente para dirimir as controvérsias decorrentes daquele contrato. Então, esse o cenário legislativo. A nossa doutrina diverge quanto à possibilidade de administração pública clausular arbitragem, obviamente na ausência de uma lei autorizativa. Temos parte da doutrina que defende essa possibilidade, e entende que mesmo na ausência de uma lei específica é possível a participação do Estado em arbitragens. Outra parte da doutrina entende que não é possível. Sem uma autorização específica, isso não é possível. A jurisprudência, aqui no Brasil, também não tem dado uma resposta muito clara a respeito. O Tribunal de Contas da União tem-se mantido coerente, sempre entendendo que não é possível a arbitragem na ausência de uma lei específica, ao passo que nós temos tido decisões contraditórias na nossa jurisdição estatal. Até que recentemente – vocês estavam falando do caso COPEL – tivemos duas decisões no Paraná – acho que mês passado, não foi, João Bosco, ou há dois meses? E a COMPAGÁS. Duas decisões antagônicas envolvendo sociedades de economia mista. Uma decisão que entendeu que a cláusula compromissória não seria válida, por força dos argumentos já apresentados (artigo 37 da Constituição e artigo 55 § 2º da 8.666). Outra decisão entendeu que a cláusula compromissória era válida, e aí aplicou o artigo 173 § 1º da Constituição. Então, esse é o cenário.

31. Agora, a minha pergunta: esse tema da participação do Estado em arbitragens foi debatido pela Comissão, e por que esta não inseriu um dispositivo para resolver essa controvérsia com relação ao princípio da legalidade, uma autorização geral para a participação do Estado em arbitragens? A segunda questão, quer dizer, decorrente desse grande cenário, é que na ausência dessa norma específica, qual a opinião de cada um de vocês? É possível a participação do Estado em arbitragens? E o artigo 173 § 1º da Constituição, qual a interpretação quanto a essa questão, ou seja, a Petrobras pode clausular arbitragem nos seus contratos? Porque a Petrobras tem feito isso, e inclusive tem participado de arbitragens, até mesmo no exterior. Então, a Selma responde e depois ouvimos os outros.

Fita 1 – Lado B

1. A SRA. SELMA LEMES – Nós teríamos uma Lei de Arbitragem aprovada da maneira que foi, ou então, se nós fôssemos entrar em especificidades, nós não teríamos lei nenhuma. Por isso que não foi tratado expressamente e deixado a interpretação posterior. Sistemática, principalmente.

2. Bom, esse tema realmente é um tema que eu tenho uma predileção especial porque é minha tese, cuja elaboração estou terminando agora, e há vários enfoques a serem tratados.

3. Do ponto de vista do direito arbitral, do direito da arbitragem, a questão é tratada sob a questão da arbitrabilidade objetiva e da arbitrabilidade subjetiva. A arbitrabilidade subjetiva, quer dizer, a pessoa que tem como referência à capacidade para se submeter à arbitragem. E a arbitrabilidade objetiva com referência a direitos patrimoniais disponíveis. Estes conceitos estão no artigo 1º da Lei de Arbitragem.

4. Bom, com referência à arbitrabilidade objetiva, nós temos aqui no Rio de Janeiro o professor de Direito Administrativo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que traçou uma questão, vamos dizer, ele realmente eliminou qualquer dúvida, no meu ponto de vista, com referência ao conceito da arbitrabilidade objetiva. Deixou muito claro que o Estado – quer dizer, algo que já sabíamos, mas ele conseguiu, de uma maneira muito feliz, explicar – o Estado age com o direito de império, ius imperium ou ius gestionis. Quando ele age na figura do ius imperium, ou seja, quando ele trata dos direitos, dos interesses administrativos originários, primários, aí é uma questão de Estado, e que o árbitro…essas questões não são arbitráveis, mas quando ele trata da questão sob a ótica do direito derivado, do interesse público derivado, do ius gestionis, e toda a questão da operacionalização do interesse público primário, pode ser submetida à arbitragem. A questão da legalidade, envolvendo a figura do Estado, com certeza, o artigo 37 da Constituição diz que o Estado só pode agir segundo a lei. Aí eu invoco uma professora paulista, já que eu invoquei um professor carioca, chamada Odete Medauarda, de Direito Administrativo da USP, em que ela trata da questão do legalismo acirrado. Ela não fala com esses termos, mas é um termo que eu passei a usar. Por quê? Porque ela diz o seguinte: se a administração, para todos os seus atos, precisar de uma autorização expressa para agir, simplesmente a administração se torna inviável. Então sob esta ótica, e também levantando a questão sobre o ponto de vista jurisprudencial, se nós formos verificar, nosso primeiro caso da jurisprudência que realmente deixou clara a participação do Estado em arbitragens foi o famoso caso Lage, um caso resolvido no Tribunal Regional de Recursos e depois no Supremo Tribunal Federal, e que ficou muito claro, no meu ponto de vista, que matéria de arbitragem é matéria de legislação civil e processual civil. Portanto, não há que se tratar dessa questão no âmbito do Direito Administrativo. Partindo da premissa de que arbitragem é matéria de Direito Civil, e aliás nós temos no nosso novo Código Civil um capítulo tratando do compromisso e se remetendo à lei especial – que no caso é a Lei de Arbitragem – e está muito claro que o Estado, como um ente público, que regula sua capacidade – um ente de direito público interno, tem competência para firmar compromissos arbitrais, firmar cláusulas de arbitragem. E aqui eu invoco então a questão da arbitrabilidade subjetiva sob dois enfoques. A arbitrabilidade subjetiva tem um enfoque que deve ser analisado sob o ponto de vista intrínseco e sob o ponto de vista extrínseco, quando nós estivermos tratando de empresas públicas e sociedades de economia mista. Porque nós sabemos que elas estão sob a égide do direito privado. A Constituição é muito clara dizendo que elas constituem pessoas jurídicas de direito privado. Então, na ótica da arbitrabilidade subjetiva, intrínseca, no caso, por exemplo: a sociedade de econômica mista está subjugada à lei da S.A. Então, no ponto de vista intrínseco, não resta dúvida de que ela tem toda a capacidade para firmar contratos e também cláusulas arbitrais. E do ponto de vista extrínseco, nós vamos levar em consideração que a sociedade de economia mista tem que obedecer aos princípios e às premissas do Direito Administrativo, que estão no caput do artigo 37. Princípio da moralidade, da legalidade etc. Agora, o mais importante, que é a questão da eficiência e outros mais. No princípio da questão envolvendo a legalidade, nós temos que verificar que ela tem duas projeções: a projeção positiva e a projeção negativa. A projeção negativa de que o Estado não pode fazer nada que esteja proibido por lei e, a positiva, de que ele só deve fazer quando está permitido por lei. E nós vamos verificar que não existe nenhuma lei proibindo o Estado de participar da arbitragem. Ao contrário, existe lei que permite que ele participe da arbitragem, que é a própria Lei de Arbitragem e o Código Civil, onde a matéria deve ser tratada. E, a título de exemplo, nós vamos lembrar que quando o Estado desejou proibir a arbitragem no setor público, assim o fez. Existe um decreto-lei, de 1938, que proibia a Fazenda de discutir créditos tributários por arbitragem.

5. Bom, então a minha opinião é totalmente no sentido de que não há nenhum empecilho para o Estado participar. O artigo 52 da lei de licitação trata da eleição de foro, por quê? Porque nós sabemos que, em contratos administrativos, temos aquelas cláusulas exorbitantes; aquelas cláusulas nas quais o Estado – que aí é ius imperium – não pode se submeter à arbitragem. Então para essas questões, só resta a dirimência judicial, por meio da justiça estatal. É por isso que a lei estabelece que seria então o Judiciário. Mas, deste dispositivo legal não se tira a ilação de que existe a exclusão ou a proibição do Estado se submeter à arbitragem, mesmo porque o artigo 54 complementa dizendo que se aplicam os princípios do direito privado.

6. Eu não vou me estender mais, deixar os colegas também tratarem do assunto, mas, para mim, a questão está de certa forma bem esclarecida.

7. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu acho que a Selma tratou amplamente do tema. Eu teria só algumas observações a fazer. Repito, esse caso COPEL, para mim, não serve como paradigma, para praticamente nada, dada às circunstâncias subjacentes que cercam essa matéria.

8. Com relação à participação do Estado, eu dividiria entre Estado scricto sensu e empresas públicas e sociedades de economia mista. Estado scricto sensu, eu teria um pouquinho mais de ponderação no tocante à análise desse caso, mas não com o fim de entender que não seria passível de submissão a arbitragem aos conflitos ligados ao Estado stricto sensu, porém apenas para dar uma fundamentação, talvez mais forte, mais extensiva neste particular.

9. Com relação à autorização legislativa, a Lei de Arbitragem para mim é clara. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Eu acho que essa autorização existe. Se essa autorização não serve, nós vamos cair na lei do petróleo, na lei das telecomunicações, lei de concessão e permissão de serviços públicos, a própria lei de licitação – queira ou não queira, reforçou a aplicabilidade do direito privado, supletivamente, – e temos a lei das concessões de regime aquaviários. Cada vez mais o Legislativo demonstra que quer o Estado participando de arbitragem.

10. A argumentação que se tinha era imunidade de jurisdição; “nós temos imunidade de jurisdição” . Em 1989 o Supremo pôs por terra a imunidade absoluta de jurisdição. Restou a imunidade relativa, que é relativa aos atos de império. O que for ato de império, existe imunidade de jurisdição; o que não for ato de império, ou seja, atos de gestão, não há problema nenhum. Aí os remitentes reforçaram o caráter da autorização legislativa.

11. Quanto à sociedade de economia mista a empresa pública acho que não há o que se discutir com relação a possibilidade delas se submeterem a arbitragem. Elas se equiparam aos demais entes privados, até por força da Constituição, porque a elas se aplica o regime privado do direito. Se elas estão intervindo na economia… a Constituição repudia tudo que não seja isonômico. Não pode o Estado, através de uma empresa pública ou sociedade de economia mista, participar no segmento econômico, competindo com as empresas privadas, e ter qualquer tipo de privilégio ou benefício. Tanto é que a elas, repito, se aplica o regime privado. E tanto é fato que se nós formos ver o artigo 100 da Constituição, que veda a constrição patrimonial em execução às autarquias e aos entes estatais stricto sensu, essa restrição não se aplica às sociedades de economia mista e as empresas públicas. Não se aplica às empresas públicas e às sociedades de economia mista. Quer dizer, mais uma vez o constituinte reforça a condição isonômica desses entes enquanto atuando no regime econômico, enfim, no sistema econômico. Quando a Carmen menciona que o TCU tem sido coerente, não tem sido coerente, não no meu modo de ver. Nós tivemos o caso da Ponte Rio-Niterói, que foi vedado; o TCU buscou o contrato de concessão da Ponte Rio-Niterói, invalidando a cláusula compromissória. Ato contínuo, a Lei 9.307 é publicada, entra em vigor, e o consórcio volta ao TCU pedindo que ele reconsiderasse a decisão. E o TCU reconsiderou a decisão naquele momento. No caso em que o TCU, posteriormente, negou a validade à cláusula compromissória num contrato com uma empresa de saneamento de água e esgoto de Brasília – quer dizer, um ente estatal contratou uma outra empresa privada para atuar nesse segmento, prestar esse serviço – o TCU cancelou, invalidou a cláusula compromissória. O consórcio (ou é a empresa, não me recordo) foi ao judiciário do Distrito Federal, através de um mandado de segurança e, por unanimidade, no Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, deu ganho de causa à empresa, validando a cláusula compromissória. Num caso onde hoje a ministra, Nancy Andrighi foi à relatora. Então, veja bem. O Poder Judiciário está dando todo o resguardo possível à validade dessas cláusulas no tocante ao Estado.

12. Eu não vou me estender mais, porque eu acho que nós temos uma série de outros temas. O Carmona também ainda tem que se manifestar, mas, basicamente, acho que é isso. Nós temos aqui o doutor Ricardo Perin, que está cuidando lá na Procuradoria do Município do caso do Guggenheim, e eu tenho certeza que ele vai conseguir sucesso, ganho de causa, não só nos outros temas que estão lá sendo debatidos, mas, especificamente, é para esse do Museu o que eu torço mais, por compreender questões com a validade da cláusula compromissória e do problema do sigilo, da publicidade. E também apenas fazer aqui um comercial porque na quinta e sexta-feira agora se realizará aqui nesta casa, neste auditório, um seminário internacional, e vamos ter a presença do professor Diogo de Figueiredo, que a Selma Lemes já mencionou, juntamente advogados, juristas internacionais, tratando de temas ligados à arbitragem, como nas sociedades anônimas, o problema da confidencialidade, o problema da Convenção de Nova Iorque, Convenção do Panamá. Vamos ter questões constitucionais da arbitragem, e então quem não tiver sido avisado, quinta e sexta agora realizaremos na casa esse seminário de dia inteiro, e até para mostrarmos aos paulistas que carioca trabalha também sexta-feira na parte da tarde.

13. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Só uma observação. Concordo com tudo o que foi dito. Eu apenas quero aproveitar o gancho que a Selma levantou, a questão da eleição de foro. É um coisa que eu percebo, pelo menos em São Paulo, tenho visto muita confusão a respeito disso. Eleição de foro e cláusula compromissória não são coisas que se opõem. Quer dizer, é perfeitamente possível eu ter um contrato administrativo ou não, tanto faz, que tenha as duas coisas: que tenha a eleição de foro e que tenha a cláusula compromissória. Porque tem gente que lê isso e acha “ah, mas aqui então está superada a questão da arbitragem, porque tem eleição de foro” . Não, não está não. Na verdade, o que as partes estão dizendo é que vão resolver por arbitragem, mas que se precisar do concurso judicial, vão usar o juízo eleito naquele contrato. É isso que deve ser entendido.

14. Então, quando a própria lei trata, administrativamente, da necessidade de eleição de foro, não está com isso querendo dizer que tem que haver acesso ao Poder Judiciário. Está dizendo, apenas, que esta é mais uma das cláusulas do contrato e que as partes devem dizer que se tiverem que ir ao Poder Judiciário, onde é que querem litigar. É só isso.

15. Portanto, não há, na minha visão, qualquer oposição entre essas duas cláusulas, que podem conviver harmonicamente dentro de um contrato. Só isso.

16. A SRA. SELMA LEMES – Queria apenas fazer um adendo a esse esclarecimento do Carmona. Mas se nós estivermos tratando de contratos da área privada, seria interessante que as partes deixassem bem claro por que elas estão fazendo essa eleição, porque uma coisa não está excluindo a outra, porque, senão, nós vamos estar diante de uma cláusula contraditória, e aí pode surgir, na confusão, na hora que surge a controvérsia, as partes quererem objetar a ida à arbitragem ou vice-versa.

17. Então, quando se coloca cláusula de eleição de foro junto com cláusula de arbitragem, que especifique que é para execução da sentença, que seja para medidas cautelares, ou até mesmo para determinados tópicos do contrato, porque até pode você dizer “isso eu quero para arbitragem” e “isso eu quero para resolver no Judiciário” . Só isso.

18. SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Na verdade, aqui nós temos um pequeno dissenso. Eu não vejo nenhuma contrariedade, mas eu acho que há uma dificuldade, que nós precisamos aprender a superar. Vocês já ouviram falar daquele brocardo iuria noviat curia? O que quer dizer isso? O juiz conhece o Direito. O que hoje é uma piada. Evidentemente, todo mundo sabe que o juiz não conhece o Direito. Então quando eu estiver militando, por exemplo, a respeito de uma portaria DECAN do MNI (Manual de Normas Internas do Banco Central), os senhores sabem onde é que acha isso? Os advogados que lidam com o Banco Central e com essas normas, sabem. O juiz sabe? Não tem nem idéia. Então, o que é que o advogado, generoso, fará? Na sua petiçãozinha, ele junto vai “excelência, está aqui a portaria, está aqui a lei” . É isso que a Selma está dizendo. Como há uma certa ignorância entre nós – agora não é só dos juízes não, é geral na sociedade – estas cláusulas têm que ser um pouco mais explicativas. Mas ninguém está obrigado a sanar ou suprir a ignorância alheia. Portanto, uma cláusula como esta – cláusula de eleição de foro e cláusula compromissória – não tem nada de contraditório, e aqui continuamos a discordar.

19. Quer dizer, é claro que seria bom esclarecer tudo para evitar, eventualmente, que os juízes ou que o intérprete dessa cláusula, menos esclarecido, possa incidir em erro. É a mesma coisa, eu coloco no mesmo plano: eu, generosamente, estou dando ao juiz uma lei que ele tem dificuldade de achar. Mas, se eu não der essa lei, azar o dele, ele que procure. Quer dizer, a obrigação dele é procurar a lei e interpretá-la de maneira correta. É isso.

20. Só para nós entendermos então no que é que estamos dissentindo. Na minha visão, estas duas cláusulas não são minimamente contraditórias, já a Selma receia que elas possam ser. Então aí está o âmbito, que é um pouco cinzento, do nosso dissídio com relação à interpretação desse fenômeno. Eu até levantei esse problema porque isso já não é de hoje, quer dizer, eu já tinha mantido esse debate, e é bom, conheçam opiniões diferentes para poderem julgar o que é melhor.

21. A SRA. CARMEM TIBURCIO – Só complementando, e até respondendo um pouquinho ao Pedro. Quando eu disse, Pedro, que o Tribunal de Contas da União tem se mantido coerente, a minha afirmação partiu do pressuposto que, havendo autorização legislativa, o Tribunal de Contas admite a cláusula de arbitragem. Então nos exemplos, esse inclusive que você deu da Ponte, o Tribunal de Contas aplicou a lei de concessões, cujo artigo 23 tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência como admitindo a arbitragem. Então o Tribunal de Contas, eu repito o que eu disse, tem-se mantido coerente nesse sentido: havendo autorização legislativa, é possível a celebração da cláusula. Não havendo a autorização legislativa, não é possível.

22. E também com relação à decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no caso não se aplicou a Lei 8.666, porque se tratava de uma questão que se constituiu na vigência do Decreto-Lei 2.300, que tinha uma redação no artigo 45 diferente da lei atual (da Lei 8.666). Então, à época, o que acontecia? A lei determinava que não era possível a cláusula de arbitragem, ainda que os contratos fossem celebrados com pessoas jurídicas domiciliadas no exterior. Então a desembargadora interpretou a contrario sensu, interpretou “a lei só vedava a celebração de contratos com cláusula compromissória com pessoa jurídica domiciliada no exterior, com pessoa jurídica domiciliada no Brasil não tem problema”.

23. Então, é só para dizer que o contexto é um pouco diferente. Eu não sei qual seria a situação se fosse examinado um contrato celebrado sob a égide da 8.666. Por isso que eu acho que esse precedente não é bom para responder a essa questão.

24. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu só tenho dois adendos. Com relação ao Tribunal de Contas, eles reconsideraram em função da Lei de Arbitragem. E com relação à decisão da hoje ministra Nancy Andrighi, ela trabalhou exatamente o conceito que foi manifestado aqui amplamente pela Selma. Ela trabalhou o conceito geral, genérico, da possibilidade sim, da validade da arbitragem etc. Se ela se utilizou desse detalhe, que eu não me recordo, foi um mero detalhe. Mas toda a fundamentação dela foi no sentido da viabilização, sim, por toda a sua razão de ser, da possibilidade, de adoção da arbitragem, etc.

25. A SRA. SELMA LEMES – Eu gostaria de lembrar que esse precedente que nós temos agora de fevereiro passado, do Paraná, da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Alçada do Paraná, que confirmou uma sentença da Fazenda Pública, da mesma juíza que exarou uma sentença agora no caso da COPEL, a sentença e o Tribunal de Justiça entenderam que uma sociedade de economia mista, que se submeteu à arbitragem, por uma questão com referência a direito disponível, que era equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não havia essa disposição no edital da licitação; surgiu a controvérsia posteriormente, as partes firmaram um compromisso, a solução foi dada – a sentença arbitral – e o Tribunal de Justiça confirmou o entendimento da juíza de primeira instância no sentido de que não havia nenhuma necessidade de estar no edital. Surgiu a controvérsia posteriormente, a empresa de sociedade de economia mista podia firmar o compromisso, e assim foi feito.

26. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Deixa eu só para terminar…(risos).

27. Para mim, é algo inadmissível que o Estado assine um contrato, assuma a obrigação de submeter o conflito a uma arbitragem, induz a outra parte de boa-fé a acreditar que aquilo vai ser eficaz; quando surge a controvérsia, o Estado – no mínimo, um ente que deve dar o exemplo para todos nós – foge daquela obrigação assumida e vai bater à porta do Poder Judiciário dizendo que ele era hiposuficiente, que não tinha condição de contratar a cláusula, que não tinha uma lei etc. Ora, empresas, com corpo jurídico amplo, com advogados externos etc., você vai alegar isso? Isso para mim é um furto jurídico que o estado pratica contra a outra parte, no mínimo, para não ser deselegante.

28. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Esse caso da COPAG, o árbitro não disse que não ia participar mais da arbitragem? Ele disse que como o ente, que o havia indicado, considerava que a arbitragem não deveria ocorrer, ele falou “então, não participo mais” . Foi nesse caso?

29. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Foi, foi nesse caso.

30. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Vamos voltar àquele exemplo do caso Lage, que é clássico. O Henrique Lage, que era um sujeito milionário, na época da Segunda Guerra Mundial, a União expropria os bens dele todo para fazer frente à Segunda Guerra Mundial. Tira os navios, tira tudo dele. O que é que acontece? Obviamente, em contrapartida – o Estado é muito bonzinho – dá “isso assim” de indenização para o Henrique Lage, que da noite para o dia fica pobre. Quem é que vai para a Justiça? Não é o Henrique Lage, porque ele já morreu, não é? É o que o Carreira Alvim menciona: “o problema não é de acesso à Justiça, o problema é de saída da Justiça” . Ninguém sai da Justiça. Entrar, todo mundo entra. (risos). Aí morre o Henrique Lage, e os herdeiros dizem “olha, vocês me devem uma indenização” . O Estado, a União Federal diz “então vamos nos submeter a uma arbitragem” . Submete-se a uma arbitragem, o árbitro determina o pagamento de uma quantia x; não satisfeita, a União vai ao Poder Judiciário dizer que a arbitragem é inconstitucional, que o ato assinado pela união é ilegal e vai até o Supremo Tribunal Federal, já com os herdeiros do Henrique Lage – quiçá que geração de herdeiros. Quer dizer, você tem que brigar com a União Federal para que o Supremo diga “não, você tinha sim a obrigação; você assumiu a obrigação, você tem que cumprir sua obrigação” . Porque nada mais foi a decisão do que isso: “você assumiu a obrigação, você cumpra” . Então, para mim, o princípio da boa-fé, da ética, está acima de todos esses princípios. Então o Estado diga “Eu não me submeto à arbitragem. Eu não posso”.

31. Agora, submeter-se e depois fugir; isso é um furto jurídico, no mínimo, que se pratica contra a outra parte.

32. A SRA. SELMA LEMES – Eu acho, Pedro, que você tem toda razão, e nós temos que invocar aqui esse preceito que hoje está na Constituição, que é o da moralidade. O princípio da moralidade está ligado diretamente com o princípio da boa-fé, e que, aliás, com o novo Código Civil, eu acho que nós temos nos ater ao seguinte: o novo Código Civil traz a figura da boa-fé – evidentemente que já existia antes – , mas expressa de uma maneira que hoje, violar a lealdade contratual – e aí é cláusula compromissória também incluída – representa dano moral e dano material. Antigamente, se falava “não, mas isso aqui é um dano muito difícil de reparação” . Hoje, com o novo Código Civil, é diferente. Hoje, isso pode dar também a dano moral. Então a coisa muda de figura.

33. A SRA. CARMEM TIBURCIO – Antes da pergunta do João Bosco, que eu acho que esse tema é muito interessante, até concordando com você, Pedro. É raro, às vezes, brigamos um pouco. Como eu disse, o tema é polêmico não só no Brasil. Na França, a lei francesa proíbe que o Estado participe de arbitragens internas. Mas aí a doutrina e a jurisprudência construíram essa proibição para que ela seja aplicada só para as arbitragens domésticas, os contratos domésticos. Quando alguma entidade do governo francês celebra um contrato internacional, então prevalece o princípio da boa-fé, na linha do que o Pedro comentou.

34. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Eu vou colocar minha pergunta. Vai ser menos polêmica, talvez, que a anterior. (risos) e não vai ser uma crítica à lei. A minha pergunta é relativamente simples. O artigo 1º da lei traz um duplo critério em relação à arbitrabilidade, ou seja, livre disponibilidade do direito e patrimonialidade. No Código Civil, quando fala no capítulo sobre compromisso, ele fala expressamente no artigo 853, que a questão da cláusula compromissória é regida por lei especial. Efetivamente, a cláusula compromissória, então, regida pela lei 9.307. Mas o artigo 852 traz uma disposição diferente em relação à arbitrabilidade, e aí eu queria a opinião dos meus colegas. Fala o artigo 852: “É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial” .

35. Ora, o artigo 852 do novo Código Civil traz um critério um pouco diferente. Primeiro diz o que não pode ser arbitrado – questões de Estado e de direito pessoal de família – e fala que não podem ser arbitradas questões que não sejam estritamente patrimoniais. Mas não traz a questão da livre disponibilidade do direito. E aí a minha pergunta: teria o novo Código Civil estabelecido um regime de arbitrabilidade específico para o compromisso? E um regime específico para cláusula compromissória fazendo referência ao artigo 853? Dou um exemplo. Questão de direito de família, obrigação alimentícia. A priori, é indisponível, mas nada obsta, senão o artigo 852, porque ele não proíbe que seja firmado um compromisso se a questão for patrimonial. Pouca gente se manifestou sobre a questão. Eu lembro que no Comitê Brasileiro de Arbitragem discutiu essa questão; alguns falaram que não, prevalece a lei especial e o artigo 852 implicitamente deveria também abarcar a questão da livre disponibilidade, mas não é o que está previsto no artigo 852.

36. Eu acho que é para o Pedro a pergunta. (risos).

37. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Ai meu Deus do céu. Olha, se nós fôssemos contar como esse dispositivo do Código Civil lá ficou, eu acho que essa discussão aqui não teria nenhum sentido, bastaria dizer “vale a Lei de Arbitragem”.

38. Os senhores não imaginam como foi duro; porque existe, eu não sei, há coisas que acontecem contra a arbitragem que a gente vem lutando, como esse agora da reforma do Poder Judiciário. O mesmo aconteceu no Código Civil. O relator no Senado quis fazer uma homenagem ao Marco Maciel e encaminhou para ele o dispositivo lá inserido no Código Civil; e quando o Marco Maciel nos encaminhou, nós ligamos para ele e dissemos: querido vice-presidente da República, essa homenagem acaba com a Lei de Arbitragem” . Aí nós fomos conversar com o ilustre senador, já falecido, e ele dizia que não, que não e que não. Chegamos à conclusão de que ele não estava muito por dentro do tema afinal, o projeto do código civil é uma imensidão de institutos. No final, depois de muito tato, nós tentamos fazer com que ele modificasse ou eliminasse tudo que fosse relativo ao compromisso do Código Civil porque era desnecessário. Ele, no final também já cansado da nossa insistência, diz “Olha, acho que eu estou certo, vocês estão errados, porque eu me consultei com o ministro Moreira Alves” . Quando ele assim falou, vimos que não tínhamos como prosperar dado que o Ministro Moreira Alves é uma assumidade mas é refratário (ao menos era) à arbitragem. e o que tinha no Código Civil ali, no projeto da emenda que foi feita era novamente aquela dicotomia – cláusula compromissória não vale nada, só vale o compromisso. Era o mesmo sistema que se tinha antigamente. Bom, isso acabou com um acordo de liderança, no último minuto, na votação no Senado, conseguiu-se suprimir, essa dicotomia, e ficou o que está lá; não dava para tirar mais nada. Então, quer dizer, não se consegue analisar sob esse ângulo dos fatos de quem pôde vivenciar isso. Agora, eu vou interpretar, obviamente, sempre no sentido de afastar qualquer eficácia desse dispositivo, porque ele é desnecessário. E para mim vai-se aplicar a Lei de Arbitragem, a lei especial. Se lá fala só em direito patrimonial, a Lei de Arbitragem é mais ampla. Ela fala em direito patrimonial disponível e não se confunde direito patrimonial com disponibilidade de direito. O direito patrimonial tem o seu campo (o escopo jurídico), enquanto que a disponibilidade também tem. O que nós temos que ver, a contrario sensu, o quê é indisponibilidade dos direitos. Essa indisponibilidade, no meu modo de ver, é exceção. Esse dispositivo do artigo 1º da Lei de Arbitragem é amplíssimo. A exceção, que é restritiva, é a indisponibilidade. As questões de Estado, concordo, isso já está no âmbito da….

Fita 2 – Lado A

1. A SRA. SELMA LEMES – Eu tenho pouco a acrescentar, fico na linha do Pedro e confirmo tudo o que ele falou, e passo direto para o Carmona.

2. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Eu, na verdade, acho esses artigos completamente fora de propósito. É inodoro, é uma coisa completamente incolor. Sabemos por que isso entrou aqui. Mas, de qualquer maneira, eu não vejo como esta redação possa de qualquer maneira restringir a Lei de Arbitragem. Nós estamos dizendo que solução de questão de Estado e direito pessoal de família. Bom, isso tudo está fora do direito patrimonial disponível, portanto não mudou nada. E essa colocação, que não tem caráter estritamente patrimonial, outras que não tenham caráter…outras o quê ? Direito patrimonial de área de família e de outras questões de Estado que não tenham estritamente direito patrimonial. Parece que a ligação desse dispositivo está voltada às questões de Estado, tanto que ele fala de “outras” , outras questões de Estado que não tenham caráter estritamente patrimonial. Ora, a Lei de Arbitragem também diz a mesma coisa. Quer dizer, se essas questões são de Estado, não são de direito disponível, portanto está fora da Lei de Arbitragem. Esse dispositivo, se for lido da maneira como se quiser ler, ele realmente continuará sendo – como deve – inodoro, incolor e insosso. Na verdade… é isso, não é? As três? Ele não vale nada. (risos) É só uma questão de querer ler e dar a tônica para o dispositivo. Na verdade, ele absolutamente não restringe o artigo 1º da Lei de Arbitragem. É da maneira como você leu, eu também fiquei um pouco preocupado.

3. O SR. JOÂO BOSCO LEE – Acho que a questão não é nem restringir; ele amplia o campo da arbitrabilidade, na relação compromisso. Amplia?

4. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Não, não, não amplia nada. Também não. Ele está falando aqui é de solução de questões de Estado e outras questões de Estado ou de família que não tenham caráter estritamente patrimonial. Está vedado. Você deu como exemplo a questão de alimentos. Isso você está dando como exemplo para permitir a fixação de alimentos por arbitragem, ou para negar? Mas a Lei de Arbitragem já permitia isso.

5. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Não. Seria indisponível.

6. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Não, não, não, não. Esse direito é totalmente disponível. Cuidado. A questão de direito de fixação, se deve, continua a ser indisponível, tanto pelo Código Civil como pela Lei de Arbitragem. Não mudou nada. O quantum devido já era disponível, e continuou sendo disponível. Não mudou nada. Então não, eu não vejo como isso possa causar uma interpretação diferente, a não ser que os civilistas queiram realmente uma interpretação que foge ao literal. E aqui quando o dispositivo é mal escrito, é melhor interpretá-lo literalmente, para que ele não signifique nada. Quer dizer, Carlos Maximiliano cometeu um erro brutal ao dizer que a lei não contém palavra inútil. Claro que contém. Contém palavras inúteis, incompreensíveis, absurdas e ignoráveis, como esses três dispositivos. Quer dizer, é só não ler, que eles farão um bem à nação. Mas se quisermos ler, vamos ler pelo o que está escrito, quer dizer, vamos lê-los pelo que eles valem. Como não valem nada, não dizem nada, não devem ser interpretados. Mas esta interpretação, que eu percebi: não é sua, você está apenas narrando que já houve discussão a esse respeito. Não me parece razoável. Quer dizer, as letras aqui juntas não dizem, não expressam essa idéia que se está querendo imaginar. Eu já vi realmente alguns civilistas, até em comentários, escreverem isso. Mas quando nós lemos, criticamos, e lá na faculdade, na sala dos professores, a crítica é bem livre e bem dura. E nas edições seguintes essas coisas vão desaparecendo. Isso é muito bom. Quer dizer, civilistas que tentaram comentar esse dispositivo…vocês vão perceber com muita facilidade; as novas edições desses comentários que estão aparecendo do Código Civil já vão aparecendo só com duas ou três linhas sobre esses dispositivos, se remetendo à Lei de Arbitragem. Quem comentou já desceu do cavalo e já percebeu que disto aqui é melhor não tratar, porque, na verdade, isso se reporta mesmo à lei especial. Desde que os civilistas se conformem com isso, estamos todos bem. Eu acho que assim deve ser.

7. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Bom, não vou discutir porque na realidade eu acho que se poderia discutir de maneira muito mais…dizer que não vale nada é fácil, na minha opinião. Mas a questão do artigo 853, se nós pegarmos de maneira clara, fala que a cláusula compromissória se reporta à lei especial, e a priorio compromisso seria regulamentado pelo novo Código Civil. Mas acho que não vamos entrar num debate que se vai chegar numa conclusão… Eu concordo que, efetivamente, o novo Código Civil, em relação ao compromisso, está de maneira errônea. Agora, dizer simplesmente que o artigo 852 trata de maneira “não, não trata de arbitrabilidade” e aí vamos esquecer o assunto, não concordo de maneira absoluta. Mas, bom. Vamos fazer o seguinte. Existe uma pequena pausa – o coffee break – , e como este seria às 11:30, está um pouquinho avançado; se faria uma pausa de dez minutos para o coffee break e se voltaria então para o debate em seguida. Obrigado.

Coffee Break

1. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Antes de iniciarmos os trabalhos, me solicitaram para que eu contasse, mais ou menos, o que aconteceu no caso COPEL, porque talvez alguns não o conheçam de maneira mais aprofundada.

2. A UEG, que é Usina Termoelétrica de Araucária, é composta por três sócios. Um majoritário que é a El Paso, uma empresa americana; a COPEL, que tem 20%, e a Petrobras, que tem 20%. A UEG firmou um contrato de fornecimento de energia elétrica com a COPEL, onde previa-se que se aplicaria o direito brasileiro ao contrato e que tinha uma cláusula compromissória CCI. Local da arbitragem, Paris; três árbitros. Houve uma rescisão unilateral feita pelo governo do estado, que começou a pagar por essa energia elétrica em setembro de 2002; em começo de 2003 o novo governador mandou parar de pagar. O que fez a UEG? A UEG entrou com uma demanda de arbitragem na CCI e nomeando o árbitro. Logo em seguida, a COPEL entrou com uma ação ordinária de anulação de cláusula compromissória, pedindo uma antecipação de tutela para suspender o procedimento arbitral, pedido este que foi concedido pela juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública, Jusseli. Ela é conhecida inclusive mundialmente. (risos). O engraçado é que um mês antes, essa mesma 3ª da Vara da Fazenda Pública não tinha concedido o mesmo pedido ao caso COMPAGAS, porque o caso COMPAGAS, que é o caso exatamente contrário – foi comentado aqui – , foi também originado na 3ª Vara de Fazenda Pública, mas pela outra juíza. Ora, agravo de instrumento, contra decisão da juíza, pedindo efeito suspensivo. Foi para o Tribunal e este negou o efeito suspensivo, praticamente julgando o mérito. A arbitragem foi instalada. Houve na decisão liminar da juíza, suspendendo o procedimento arbitral, mandou-se oficiar a CCI e multa de R$50.000,00, por dia, contra a UEG. A UEG decidiu continuar com a arbitragem, a CCI obviamente não suspendeu o procedimento. A arbitragem se encontra hoje… Eu não faço parte da arbitragem, não conheço o detalhe da arbitragem, mas eu sei que cada parte nomeou o seu árbitro; a COPEL nomeou o seu árbitro, foi nomeado o presidente do Tribunal Arbitral, que é um árbitro extremamente experiente alemão e o termo de arbitragem foi assinado pelas partes no começo de abril de 2004. A decisão final saiu em menos de um ano; 3ª Vara de Fazenda Pública, decisão definitiva saiu em nove, dez meses, efetivamente anulando a cláusula compromissória e, principalmente, a juíza desconsiderou completamente o princípio da competência-competência, que foi alegado pela parte ré e que foi completamente ignorado. Ela nem menciona na decisão, e nem trata da questão. É uma decisão que, como todos sabem, é eminentemente política, tem trazido efetivamente frutos políticos para o governo do estado. Para os senhores terem uma idéia, logo em seguida que foi assinado o termo de referência na CCI, saiu uma notícia no jornal, no Paraná, dizendo que a COPEL tinha ganho o primeiro passo da arbitragem em Paris, no seguinte sentido: que eles tinham decidido pela aplicação da lei brasileira. Não era nem matéria controversa. A lei brasileira era aplicável efetivamente no caso, só que bom para trazer frutos políticos se trouxe essa notícia no jornal. Então eu acredito que agora em segunda instância deve ser mantida a decisão, provavelmente, mas espero que no STJ mude-se e que, efetivamente, a arbitragem possa continuar normalmente.

3. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu só faço aqui um adendo, no sentido de que esse contrato foi firmado no âmbito de um acordo, segundo o qual o consórcio iria construir a usina, porque possivelmente o estado não tinha os recursos suficientes e a COPEL seria a adquirente do produto em 100% da sua totalidade. Então a usina foi construída com base na presunção de que seria todo o seu gás etc. entregue à COPEL, que pagou durante um período e depois deixou de pagar.

4. O SR. JOÃO BOSCO LEE – E tem outro detalhe. Tem vários pequenos detalhes que fazem o caso mais emocionante ainda. A turbina que foi instalada aparentemente não funcionou. A COPEL pagou por aquilo que não recebeu, e esse que era o principal argumento do governo do estado. Primeira questão. Segunda questão. O preço do kilowatt, quando foi estabelecido o contrato, era muito superior ao preço do kilowatt atual, porque foi exatamente no tempo do apagão. Mas isso são questões que pouco importam, são questões de mérito, que não são decididas pelo tribunal estatal, mas sim pela justiça arbitral, que foi elegida pelas partes através de uma cláusula compromissória.

5. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Mas parou a arbitragem ou continua?

6. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Não, a arbitragem continua, pelo que eu sei. Eu não sei se a COPEL pagou ou não a sua parte na arbitram, porque uma arbitragem CCI cada parte tem que pagar 50% dos 50% iniciais antes que seja remetido o processo para o Tribunal Arbitral. A priori, se a COPEL não pagou, a UEG deve ter pago a parte, porque a arbitragem prossegue. E tem uma outra cláusula nesse contrato que, se a COPEL inadimpliu o contrato, ela tem que comprar a participação societária das outras partes. Então, é uma arbitragem que hoje está estimada em 2 bilhões de dólares. É realmente uma das maiores arbitragens na CCI atualmente. É um caso que tem uma relevância interessante.

7. A SRA. SELMA LEMES – Bosco, eu queria só colocar uma pimentinha, para lembrar o seguinte: essa questão é uma questão que está sob a égide da lei de concessão de serviço público, na qual a COPEL se submete à arbitragem duplamente. Submete-se na relação com o poder concedente e também – porque há um dispositivo na lei de concessão de serviço público que diz que a concessionária, quando mantiver relações com terceiros, aplicam-se as regras de direito privado. Então, nesse caso, tem mais esse ingrediente ainda. Ela está sob a égide da lei de concessão e que permite, que deve ser utilizada a arbitragem.

8. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Nós vamos ter aí uma situação bastante interessante, porque a CCI não está obrigada a cumprir uma decisão de um juiz brasileiro que nem está dirigida e ela; está dirigida à parte contratante. Portanto, há uma multa diária afixada, e que foi confirmada na sentença, contra a parte; a parte não pode impedir que a arbitragem prossiga. Pelo contrário. Como ela assinou oterms of reference, ela está obrigada a fazer com que arbitragem prossiga. O que a sentença diz é que é nula a cláusula compromissória, o que a esta altura é completamente irrelevante, porque já foi firmado oterms of reference, que não depende da validade da cláusula compromissória. Por outro lado, enquanto no Paraná vai-se discutir a questão no Tribunal, e o Paraná é um estado até rápido para julgar – nós vamos ter provavelmente em seis meses (como o caso é político, talvez antes) um julgamento que vai confirmar esta expectativa política local, que vai confirmar essa decisão. Enquanto isso, a arbitragem vai continuar, por hipótese. Vamos imaginar que haja uma sentença arbitral. Essa sentença arbitral, enquanto há recurso especial para o Superior Tribunal, esta sentença vai para o Supremo Tribunal Federal. Portanto, pouco importa o que diz a juíza local, o que vai dizer o Tribunal de Justiça do Paraná ou o que vai dizer o Superior Tribunal de Justiça, porque essa questão vai parar no Supremo, para saber se homologa ou não homologa essa sentença arbitral, que vai estar calcada em terms of reference, na nomeação de árbitro através de consenso, a escolha das partes dos árbitros perante a CCI.

9. Agora, estão analisando a questão do ponto de vista processual. Vai haver um curto-circuito interessantíssimo, tornando todo o investimento das partes no processo judicial brasileiro, inconseqüente. desde que a CCI tenha coragem de levar o processo judicial adiante.

10. Então, se eu fosse hoje um membro do Conselho da CCI – a CCI tem um conselho de consultores para resolver questões que envolvem a corte, mas que não têm nada a ver com o caso concreto – eu diria aos árbitros que continuassem e investissem toda a força, até para enfrentar a justiça brasileira e dizer “vamos julgar esta causa” . Se eventualmente essa sentença tiver que ser cumprida no Brasil, e vai ter que ser cumprida no Brasil seja a favor de quem for, homologa no Supremo Tribunal Federal, e deixa os tribunais inferiores discutindo o que quiserem. Tudo isso vai ser irrelevante a meu ver. Mas, enfim, é uma visão…

11. O SR. JOÂO BOSCO LEE – Agora que o Carmona levantou duas questões, me vieram duas questões desse caso específico. A primeira trata-se da nulidade da cláusula compromissória. Provavelmente o tribunal arbitral vai proferir uma sentença parcial. É muito comum, ainda mais que o local da arbitragem é Paris, que ele profira uma sentença parcial, analisando a validade da cláusula compromissória ou não. Dessa sentença parcial é possível que exista uma ação de anulação na França contra a sentença. Primeira questão.

12. Segunda questão: se a COPEL, no termo de referência, e já temos precedente da CCI nesse sentido, não alegou a nulidade da cláusula arbitral, deve ter alegado, ou seja, a sua resistência a ir à arbitragem; ela assinou um termo de referência, e este termo, neste caso específico, pode substituir, dependendo da jurisprudência, a cláusula compromissória. Tem jurisprudência na França, que diz que o termo de referência não é um compromisso arbitral, desde que a parte não tenha resistido à arbitragem. Então você tem um caso, o Pyramid, tem vários casos nesse sentido. Agora, se a COPEL alegou “não, não vou parar a arbitragem” ; agora, se ela assinou, de maneira voluntária, e não contestou no termo de referência a sua resistência contra a arbitragem – eu acredito que deva ter feito – , se for eventualmente depois para a Corte de Apelação de Paris, ele pode considerar que é um compromisso arbitral. Aí a questão da nulidade da cláusula arbitral pouco importa. E aí, se assinou, ou não assinou, é uma questão superada.

13. É uma questão que ainda vai efetivamente gerar uma jurisprudência no Brasil, na França, em outros países. E tem uma questão que o Carmona levantou bem: se na hora que tiver sentença definitiva for o Supremo, talvez este não homologue; mas ele pode homologar em outros países, onde a COPEL tenha…

14. A SRA. SELMA LEMES – …ações na Bolsa de Nova Iorque.

15. O SR. JOÂO BOSCO LEE – Por exemplo.

16. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Perdeu efetividade.

17. O SR. JOÂO BOSCO LEE – E daí o que adiantou toda essa brincadeira no Brasil?

18. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Aí, tudo isso faz parte de um querer político. Ao que está se assistindo é um jogo político muito interessante. As partes estão querendo manter a disputa dentro de um certo ringue. É isso que estamos percebendo, porque se quisessem extrapolar, poderiam realmente levar essa arbitragem mais longe e evitar o foro brasileiro, o que nesta circunstância poderia ser bastante interessante. Mas eles não querem fazer isso. Na verdade, percebe-se que elas querem manter a disputa dentro de alguma limitação. Vamos assistir, não é? Porque na verdade estamos todos esperando de camarote. O importante é que esses precedentes começam a mostrar como é que os tribunais vêm entendendo a arbitragem. Este entendimento no Paraná é bastante complicado. Não há aí a possibilidade de um juiz, uma causa tão complexa como essa, entender, prima facie, como parece que a juíza fundamentou na sua sentença, que haveria uma nulidade dessa cláusula compromissória. Isso dependeria de uma investigação, produção de provas, e isto só o árbitro poderia fazer. Então, o importante, pelo menos agora na discussão que nós estamos programando aqui para essa questão da COPEL, não é discutir o mérito não; é discutir apenas isto: poderia o juiz paranaense ter detectado, num caso tão complicado como este, uma nulidade prima facie, a ponto de arrogar-se a competência que seria do árbitro? E a resposta é não. Todos os arbitraristas têm esta mesma opinião. Não haveria possibilidade de a juíza proferir uma sentença como o fez. Ela deveria ter relegado a questão aos árbitros. Aí está, a meu ver, o erro. O resto é mérito.

19. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu só queria acrescer que, na realidade, eu acho que a justiça de primeiro grau está usurpando uma competência que é do Supremo. Se nós formos ver no artigo 38 da Lei de Arbitragem, quando se vier homologar a sentença arbitral estrangeira, vai caber ao Supremo analisar se as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; se a convenção de arbitragem não era válida, e, se nós formos ver no artigo 39, também será denegada a homologação se o Supremo Tribunal Federal constatar que, segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem. Essa competência é do Supremo quando a arbitragem tem sede fora do Brasil. Eu acho que essa usurpação preliminar não é nem só da jurisdição do árbitro, é de uma competência do Supremo Tribunal Federal.

20. A SRA. CARMEM TIBÚRCIO – Antes de darmos a palavra para a audiência, eu gostaria de fazer uma última pergunta, que diz respeito à aplicação da Lei de Arbitragem no tempo, que também é um assunto que tem despertado muita polêmica na nossa jurisprudência. A Lei de Arbitragem trouxe muitas inovações aqui para nós. Algumas, no contexto da arbitragem doméstica, outras no contexto da arbitragem estrangeira ou internacional. A principal novidade no contexto da arbitragem doméstica seria o tratamento conferido à cláusula compromissória, que passou a ter efeito vinculante, determinando a instauração da arbitragem. Ou seja, uma vez firmada a cláusula compromissória, mesmo que mais tarde uma das partes mude de idéia, a arbitragem será instaurada. Então essa foi uma importante alteração da Lei de Arbitragem, porque não era assim. Em matéria de arbitragem estrangeira ou internacional, a lei trouxe duas, há outras, mas duas muito importantes; a primeira foi dispensar a exigência da citação da parte brasileira pela via da carta rogatória. Antes da promulgação da lei, o Supremo Tribunal Federal só homologava o laudo arbitral proferido no exterior mediante duas condições: tivesse sido homologado pelo Judiciário estrangeiro, que era o sistema da dupla homologação e a parte domiciliada no Brasil deveria ter sido citada pela via da rogatória. Então esse era o sistema anterior à lei. A lei extinguiu tanto o sistema da dupla homologação – no artigo 35 determinou que o laudo pode ser apresentado diretamente ao Supremo Tribunal Federal para homologação e, no artigo 39 § único, admitiu a citação da parte brasileira pela via postal.

21. Então, a minha pergunta diz respeito à aplicação dessa lei a situações ocorridas antes da sua promulgação. É uma questão de direito intertemporal. E aí a questão é se, no entendimento de vocês, a Lei de Arbitragem é uma lei que tem natureza somente processual, e se assim é ela tem aplicação imediata (até por analogia ao artigo 1211 do Código de Processo Civil – a lei processual se aplica aos processos em curso) ou se a Lei de Arbitragem tem dispositivos de direito material – no caso, compromisso, cláusula compromissória – e aí, quanto a essa questão, aplicar-se-ia a lei em vigor à época da celebração do contrato e quanto às questões processuais – a citação da parte brasileira, a exigência ou não da homologação pelo Judiciário estrangeiro -, estas questões seriam regidas pela Lei de Arbitragem. Então Carmona, para você.

22. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Ainda que você não dissesse que era para mim, eu ia pegar o microfone. (risos).

23. O Supremo Tribunal Federal e eu não temos dúvida a respeito da resposta. Modestamente, nós, os doze, entendemos que trata-se de uma lei processual e que, evidentemente, a aplicação dela é imediata. Há situações, que já se estavam consolidando durante o tempo em que a lei não vigorava, mas que produziram efeitos depois de novembro de 1996. Tanto isso é verdade, que o Supremo Tribunal Federal aceitou homologar diretamente laudos arbitrais que já haviam sido proferidos antes da vigência da lei, e que foram trazidos ao Supremo Tribunal Federal apenas depois da lei. Portanto, o Supremo Tribunal Federal já dá mostras de ter entendido, corretamente, que a lei é processual, e aplica-se, portanto, o critério – que é também do Código de Processo Civil – no sentido de que a lei processual nova passa a vigorar imediatamente. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, ainda tem alguma dúvida a esse respeito, e vai precisar de um estudo um pouco mais profundo, exceção feita ao ministro Carlos Alberto Direito, que compreende perfeitamente a questão, ou quase; a sua turma julgadora parece não ter apreendido corretamente o tema e, reformando ou mantendo uma infeliz decisão do meu estado, São Paulo, acabou entendendo que a lei tinha conteúdo material. Coisa curiosa. Em 1994, o Código de Processo Civil foi reformado, e no artigo 585 foi instituído um novo título executivo extrajudicial, as debêntures. Até então, quem tinha debênture tinha que promover uma ação de cobrança de verbas, enfim, características da debênture. Era uma ação de cobrança, um processo de conhecimento condenatório. Mas a partir de 1994, o Código diz que para estes, cabe agora ação de execução. Pergunta: quem tinha uma debênture de 1993, vencida em 1994, poderia executar, ou deveria cobrar? Nenhuns dos meus colegas processualistas ousaram dizer que reservavam-se ao infeliz debenturista anterior à lei a ação de cobrança, uma verdadeira antevisão da eternidade. Diziam não, na verdade cabe ação de execução porque a lei processual agora diz que aquilo que não era título antes passou a ser título depois. Essa, a mesma visão que deve ser aplicada à questão ligada, por exemplo, à cláusula compromissória. Ora, a cláusula compromissória é antes da lei, não tinha eficácia de retirar competência do juiz togado. A partir de 1996, de novembro, quando a lei entrou em vigor, o Código de Processo Civil diz que trata-se de objeção processual – está no artigo 301 do Código de Processo Civil. Portanto, quem tiver cláusula inserida em seu contrato, automaticamente renunciou à competência do juiz togado. E esse juiz pode até de ofício – essa já é a minha visão – reconhecer a existência de cláusula compromissória. Portanto, nós temos agora uma eficácia nova e um contrato velho; eficácia de natureza tipicamente processual. Não importa a época em que este contrato foi celebrado; importa o momento em que a parte vai invocar o seu efeito processual em juízo, tanto que a cláusula compromissória é corretamente vista como um negócio jurídico processual e não como um mero contrato. Logo, as partes podem querer alguns efeitos, mas outros efeitos são dados pela lei, independentemente da vontade delas, por isso o negócio jurídico processual e não simplesmente um contrato.

24. Então, errada a postura adotada, por exemplo, no Tribunal de Justiça de São Paulo e confirmada pelo Superior, e errada até de uma maneira muito engraçada. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou a seguinte causa: a S.A. White Martins e a sua companhia controladora no exterior invocaram aqui no Brasil a validade da cláusula compromissória num certo litígio. Esse contrato firmado entre eles, em 1971, havia inserido cláusula compromissória. Surgiu o conflito em 1997 e uma das partes dizia que tinha que ser resolvido o conflito por arbitragem. A outra dizia que não. Uma dizia que tinha quer ser resolvido por arbitragem porque a lei nova dava uma eficácia diferente àquela cláusula. A outra dizia que não, que o efeito deveria ser o da lei da época. O juiz de primeiro grau disse que se aplicava, efetivamente, o Código de Processo Civil, a lei nova, a Lei Arbitragem era lei processual, vão as partes à arbitragem. Sentença correta. Extinguiu o processo. O Tribunal de Justiça de São Paulo reforma a decisão sob o argumento de que se aplicava a eficácia, que a cláusula compromissória tinha, no Código de Processo Civil vigente à época da edição da Lei de Arbitragem. O que o Tribunal de Justiça não percebeu, em São Paulo, é que em 1971 vigorava o Código de 1939, e o Tribunal de Justiça represtinou, portanto, de maneira alegória, o Código de Processo Civil que já estava morto e enterrado desde 1º de janeiro de 1974, quando passou a vigorar a nova lei processual. O Superior Tribunal de Justiça, por quatro votos a um, encampou esta idéia. O voto vencido, entretando, acaba não levando em consideração essa natureza processual, e invoca outros argumentos, ligados à Convenção de Nova Iorque e à Convenção de Genebra, que na verdade não vem ao caso neste instante. Portanto, o Superior Tribunal encampou uma decisão de São Paulo que, a meu ver, estava errada. Há um precedente em Minas Gerais, no Tribunal de Alçada, muito correto, e a juíza tem o curioso nome de Jurema Brasil, e portanto ela colocou claramente esta questão da validade da cláusula compromissória, ela é relatora, da validade da cláusula compromissória mesmo tendo sido firmado e inserido num contrato anterior à vigência da lei. São Paulo tem um precedente negativo, Rio de Janeiro tem um precedente negativo, o Superior Tribunal tem esse precedente negativo; tudo faz temer, portanto, que a ciência não vá ter grande efeito perante a Corte Superior e vão considerar, mesmo por vias transversas, que a cláusula compromissória tem eficácia material. Coisa estranha, porque pacta sunt servanda, se em 1975 a parte disse “não levarei a causa ao Poder Judiciário, levarei à arbitragem” , este pacto tem que ser cumprido. Na época, cumpria-se com execução de obrigação fazer. Hoje, cumpre-se através de uma forma muito mais eficaz, de obrigação de fazer. Portanto, pacta sunt servanda, qual é o problema? Parece-me que não mudou nada em relação à obrigação contratada. Mudou a forma de fazer cumprir a obrigação. Isto é processo. Então, com a devida vênia do Superior Tribunal de Justiça, esse precedente é infeliz; diria o professor Barbosa Moreira, faço homenagem a ele, na sua própria terra: esta é aquela espécie de jurisprudência que devia ficar no fundo do lago de Brasília. (risos)

25. A SRA. SELMA LEMES – Eu endosso as palavras do Carmona e passo para o Pedro para seguir o debate.

26. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu acho que essa discussão nos leva à natureza jurídica da arbitragem, que aliás o Carmona defendeu muito bem no livro dele. Nós tínhamos os privatistas, que entendiam que a natureza era estritamente contratual e assim atingia seus efeitos até no plano privado, no plano do direito material; enquanto que os publicistas, ou os jurisdicionalistas, entendiam que ela era consensual mas produzia seus efeitos de direito no campo público, no campo processual. Eu acho que a lei brasileira, como o Carmona mencionou bem, adotou a tese publicista, a tese jurisdicionalista. Por aí, já dá para nós chegarmos à conclusão de que se aplica a Lei de Arbitragem imediatamente, como até o próprio Código de Processo Civil adotou a teoria, o princípio do isolamento dos atos, já para facilitar esse tipo de situação. E aqueles que vão à Justiça alegar que vale a legislação anterior, o que que eles estão querendo? Estão querendo alegar sua própria torpeza; estamos novamente a frente do problema da boa-fé. Eles querem alegar que vale a lei anterior; a lei anterior não valia nada. Ou seja, vai-se aplicar algo que não vale nada, então eu não preciso mais cumprir essa obrigação. Quer dizer, se nós formos olhar por essa ótica também da ética, da boa-fé, eu acho que não dá para o Tribunal de Justiça chancelar esse tipo de interesse, esse tipo de oportunidade.

27. De resto, enfim, eu concordo aqui com o Carmona.

Fita 2 – Lado B – Parte 4

1. A SRA. CARMEM TIBÚRCIO – Essa concordância do Supremo, acho que deve ser lida com alguma cautela, porque o Supremo, nas decisões que entendeu que a Lei de Arbitragem tem aplicação imediata, as questões eram relativas à dispensa da homologação e à dispensa da citação pela via da rogatória. Então, as decisões, a meu ver, devem ser entendidas no contexto em que foram proferidas, que as decisões não foram gerais.

2. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Sim, é só um endereço. É só um endereçamento, quer dizer, já se percebe que o Supremo tem maior simpatia por essa idéia de aplicação da Lei de Arbitragem imediatamente, enquanto o Superior Tribunal já claramente definiu-se em sentido contrário.

3. O SR. JOÂO BOSCO LEE – Acho que inclusive você pode levantar uma outra questão. O antigo Código Civil não previa cláusula compromissória. Onde existe conflito? Não existe conflito. Ou seja, a nova lei veio suprir uma lacuna que existia no antigo sistema. Então, por mais que essa cláusula compromissória tenha sido firmada anteriormente, aplica-se a lei, porque não existia previsão legal no momento.

4. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Não, mas aí, sim, havia. O artigo 301 do CPC falava apenas em compromisso arbitral como elemento de abstenção do juiz com relação a sua competência. A cláusula compromissória não era prevista, e, portanto, o que o Superior entendeu foi exatamente assim: a cláusula não geraria o efeito por si só de retirar a causa do Poder Judiciário…

5. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Mas é uma questão processual …

6. A SRA. CARMEM TIBÚRCIO – Bom, agora abrimos a oportunidade também para a platéia formular as suas questões. Com a palavra – Dra. Daniela Bessone Barbosa Moreira.

7. A SRA. DANIELA BESSONE BARBOSA MOREIRA – Boa tarde a todos. Eu gostaria de fazer uma pergunta ao professor Carmona. Já há gente sustentando que o elenco do artigo 32, as hipóteses de nulidade da sentença arbitral, não é exaustivo, que haveria outras hipóteses nas quais a parte interessada em obter a declaração de nulidade da sentença arbitral poderia veicular judicialmente esse pleito. Eu pergunto qual é a opinião dos autores da lei a esse respeito…

8. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Você vai provocar uma briga aqui agora.

9. A SRA. DANIELA BESSONE BARBOSA MOREIRA – …especialmente diante de algumas circunstâncias; se fazendo um paralelo com as hipóteses de rescisória, por exemplo. Um dos casos de cabimento de rescisória é quando a sentença estiver fundada em erro de fato resultante de ato de documentos da causa, ou se fundada em prova falsa, por exemplo. O que acontece se a sentença arbitral estiver fundada em prova falsa? É nula, ou não é nula ?

10. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Olha, antes de mais nada, eu aí me penitencio, porque não é um caso de nulidade. Bom, então, o professor Barbosa Moreira, logo depois que a lei foi publicada, ele disse “olha, aqui eu estou vendo um erro, e que deve ser seu, porque como você é o processualista, se você escreveu, escreveu mal; se não viu, agiu negligentemente; portanto, de qualquer maneira, eu imputo a você este erro. O art.32 diz que a sentença era nula; nula, só na sua cabeça.” Na verdade, ele disse isso com muito mais gentileza, mas com muito mais ferocidade. E aquele “nula” na minha cabeça. Na verdade é anulável, e ele tem toda a razão. Quer dizer, é uma questão de anulabilidade, e aí nós temos que dar o braço a torcer; técnica foi deficiente, e quando reformarmos a lei, certamente vamos levar isso em consideração.

11. Agora, esse problema que você está levantando, é problema sério. A Selma, outro dia, me mandou um e-mail bastante brava, sem que ela soubesse que eu tinha já dado um parecer a respeito do tema, e já me recriminando por antecipação. O artigo 32 foi idealizado para evitar que nós levássemos ao Poder Judiciário todas as questões da arbitragem, porque se isso não fosse limitado, certamente o perdedor ia voltar ao Poder Judiciário para tentar reabrir a causa, e o dispositivo, portanto, foi imaginado de forma a evitar e substituir a ação rescisória. Quer dizer, o artigo 32 mostra que não cabe ação rescisória – que, aliás, seria uma das suas colocações – em matéria arbitral. Porém, esta relação é exauriente… Olha, eu fui procurar no direito italiano e lá encontrei um precedente interessante. Ordem pública. Onde é que está a questão de ordem pública, e aí a Selma – vou fazer a defesa antes, porque ela não vai gostar do que ela vai ouvir. O artigo 32 não fala em ordem pública. Se houver violação de ordem pública em sede de arbitragem, eu poderia também promover essa demanda de anulação de laudo? E a minha resposta é sim.

12. Então todas essas questões que você pode imaginar, entre elas a da prova falsa, eu deixo a abertura, como fizeram os italianos e como entende a Corte di Cassazione. A Corte Constitucional não chegou a julgar isso, mas a Corte di Cassazione, pelo menos, diz que em casos excepcionais, onde se fere o devido processo legal – que é regra de ordem pública e que a arbitragem adota – é possível, sim, uma expansão – mas cuidadosa – das causas de impugnação ao laudo. Apesar de a Selma ter dito, e disse bem – eu concordo com o medo que ela tem, e ela está certa, quer dizer, nós não devemos ampliar as hipóteses de impugnação. Eu também vejo uma dificuldade muito grande de fechar todas as portas e as janelas. Eu acho que é preciso deixar uma válvula de escape, e esta é através da ordem pública, que não está no artigo 32, e esta é a única exceção que eu imagino. Se você conseguir reduzir a sua hipótese e o seu exemplo a uma questão de ordem pública, eu vou concordar com você: a porta continua aberta. É possível, sim, usar o artigo 32 para uma questão de ordem pública, e note que a ordem pública não está relacionada nos casos do artigo 32, como não está relacionada no Código de Processo Civil italiano, e os italianos aceitam perfeitamente como caso de anulação da sentença arbitral.

13. A SRA. SELMA LEMES – Eu queria apenas completar. É o seguinte: quando o Carmona começou, nós estávamos numa palestra e fizeram comentários a respeito, eu fiquei realmente preocupada, porque o artigo 32 foi configurado, foi redigido no sentido de ser numerus clausus, ou seja, só nestas questões. A questão da ordem pública não foi tratada. Mas depois que eu comecei a puxar pela memória, lembrei que quando nós estávamos discutindo, nós verificamos que na lei espanhola, que foi um paradigma para nós, tratava da questão. No entanto, começou a haver muitos abusos na Espanha a respeito da ordem pública, porque tudo caía na vala comum da ordem pública. Então, na época, nós chegamos à conclusão de que era melhor não colocar. Mas não quer dizer que a ordem pública não esteja prevista de uma maneira, vamos dizer assim, indireta, porque a partir do momento que se aplica a questão do devido processo legal no inciso VIII, que trata do artigo 21 § 2º, estaria prevista aí dentro a questão da ordem pública. Mas, deixando muito claro que ordem pública que deve ser levantada, que deve ser argumentada, não é a ordem pública in decidendo, mas a ordem pública in procedendo. Essa, aliás, é uma posição que foi adotada pelas cortes espanholas, no sentido para dirimir esse problema, porque não é o erro – quer dizer, invocar a ordem pública em como o árbitro se fundamentou, decidiu, mas no procedimento. Então, estaria aí prevista.

14. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Mas no fundo, no fundo, você vai chegar indiretamente ao mérito. Imagine a questão da inarbitrabilidade da controvérsia. Bom, inarbitrabilidade você vai poder até encaixar num dos elementos. Acho que a questão mais importante seria deixar a parte de aplicar uma lei cogente. Imagine que eu tenha uma arbitragem trabalhista, e ninguém nega a possibilidade de arbitragem trabalhista. Entretanto, arbitragem trabalhista nós sabemos que, em algumas hipóteses, vai esbarrar em normas cogentes, apesar de a causa ser arbitrável. Aí nós vamos entrar numa zona cinzenta que é difícil de resolver. E se os árbitros, apesar de estarem autorizados a julgar direito disponível, desprezarem uma norma cogente, será que estarão atingindo a ordem pública? Será que não poderia atacar o laudo arbitral? Essa é a questão com que se depararam os italianos, que prudentemente agiram como nós fizemos na lei – não pusemos a ordem pública. Eu também, aí, acho que nós fizemos bem, porque sem colocar, já deixamos uma hipótese excepcionalíssima; mas ela continua aberta. Você precisa provar que você está dentro da ordem pública, que nem é um caso admissível de impugnação do laudo. Portanto a hipótese fica para o além do excepcional. Acho que foi bom sim. Não vi, ainda, jurisprudência sobre isso. Quer dizer, não tive oportunidade ainda, não sei se não existe. Eu não vi, não conheço nenhum acórdão que tenha tratado da possibilidade ou da impossibilidade de tratar de questão de ordem pública.

15. Eu concordo com a Selma que em princípio a idéia é esta, é do devido processo legal. Então, é ordem pública em matéria processual, mas eu não descarto que também no direito material, indiretamente, se chegue lá.

16. Eu acho que a sua preocupação, talvez, da pergunta, foi mais além do processo.

17. A SRA. DANIELA BESSONE BARBOSA MOREIRA – A hipótese da falsidade documental, por exemplo, revelada, descoberta…

18. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Essa é processual. Essa você fica dentro do devido processo legal. É matéria de convencimento.

19. A SRA. DANIELA BESSONE BARBOSA MOREIRA – Não necessariamente, talvez porque ainda que se abra às partes todas as possibilidades de ampla defesa, é possível descobrir após o encerramento do procedimento uma falsidade documental de que não sabia.

20. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Então, mas se você tratar de falsidade documental, você está dizendo que o juiz, que o árbitro teria decidido com base inaceitável. Então, neste caso, você está impugnando um elo do processo, que é de decisão, e não o mérito da questão. Você não está querendo dizer que o árbitro errou porque disse que se aplica o artigo tal ou que aplica-se o artigo y. Você disse “o árbitro foi enganado” , então ele não foi validamente convencido – livre-convencimento do árbitro. Pois eu acho que sim – devido processo legal, livre convencimento do árbitro. Você conseguiu entrar na porta que estava meio aberta.

21. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Posso falar ? (risos). Esse é um tema realmente angustiante. Quando eu escrevi a respeito da possibilidade de ação rescisória ou não, eu conversei com o Carmona, com a Selma, conversei com o Carreira Alvim, conversei com várias pessoas pois era um sentimento realmente angustiante. Acabou que eu inclusive coloquei teses a favor da possibilidade da ação rescisória e teses contrárias. Na realidade, acabei que caí mais para o lado da impossibilidade, até porque essas ações de nulidade, anulabilidade…porque tem caso inclusive de inexistência, nesse elenco aqui, não seria nem de nulidade ou anulabilidade. Na realidade, essa ação de nulidade e a ação rescisória têm uma similaridade bastante grande.

22. Por exemplo, na Itália, eles admitem a ação rescisória nas arbitragens internas se você não se utilizar da ação de nulidade. O que me angustiava era o surgimento de um documento novo que pudesse mudar o rumo daquela decisão. Enfim… mas eu acho que quem busca a arbitragem busca a celeridade também e corre seus riscos.

23. E com relação a esse art. 32 ser numerus clausus. Se nós formos ver, existe mais um caso de nulidade que não está elencado especificamente aqui nesses itens. Seria o item IX, por exemplo, que está lá no artigo 20 da lei, que nos casos em que o árbitro decide pela sua competência que aquela cláusula ou o contrato não é nulo, aí é válido etc., a parte poderá buscar a nulidade posteriormente junto ao Poder Judiciário. Isso está separado no artigo 20, não está aqui enumerado no artigo 32. O problema da ordem pública, realmente, eu acho difícil ele escapar dessa possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário, mas é como falou a Selma – a lei de arbitragem espanhola, num primeiro momento, não continha também essa possibilidade da hipótese nulidade por infringência à ordem pública e foi inserida posteriormente na modificação que teve nos anos 90. Agora o que aconteceu? Está havendo um enxame de ações de nulidade com alegações de violação à ordem pública, quando na realidade se busca reabrir todo o mérito da questão. Eu acho que foi, digamos, sábia a não-inserção, porque nós vamos ter que limitar, porque não é qualquer caso de ordem pública. Aqui no Brasil, quase tudo é de ordem pública. Tudo aqui é ordem pública. Então, você vai ter que, realmente, olhar cum grano salis se aquele tema é efetivamente relevante no campo da ordem pública ou não. E aí eu acho que dá para você construir, e eventualmente construir até, se quiser, com o “emanou de quem não podia ser árbitro” , talvez dê até para se construir algum caminho por aqui, por esse item II do artigo 32. O compromisso é nulo, nulo compromisso etc. Eu busco sempre esse caminho da ordem pública por aqui, mas com uma regra de exceção como uma excepcionalidade.

24. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Posso fazer uma pequena observação? Não sei se os autores permitem ou não. O artigo 33, no final, fala em decretação da nulidade da sentença arbitral nos casos previstos nesta lei. Esse dispositivo já não limitaria? Eu concordo na questão da ordem pública procedimental, em função ao artigo 32 inciso VIII. Concordo também com o Carmona, que, efetivamente, se um árbitro não aplica uma norma imperativa, uma norma cogente, a priori ele está violando a ordem pública. Mas será que com o dispositivo do artigo 33 você não está limitando a eventual aplicação, ou a eventual nulidade da sentença arbitral por ordem pública em relação ao mérito do litígio?

25. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu, inclusive, ainda faço um outro gancho, que é no caso das decisões arbitrais estrangeiras. O Supremo pode não reconhecer e não homologar essa decisão se ela infringir a odem pública. Então, nós estamos no campo – e aí nós temos a Convenção de Nova Iorque, que determina que você não pode estabelecer uma condição mais onerosa para a decisão estrangeira do que você estabelece para a decisão nacional – ; então até no campo da isonomia nós teríamos que aplicar também a ordem pública nos casos das decisões internas. Sempre em caráter excepcional dependendo da relevância da violação.

26. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Seria absurdo, Pedro, você ter essa restrição para uma sentença que vem de fora mas permitir aqui dentro um absurdo qualquer de reconhecer a validade de alguma coisa que fira a ordem pública interna. Não tem sentido.

27. A SRA. SELMA LEMES – Eu gostaria apenas de lembrar que há um precedente jurisprudencial que tratou da questão. Era um precedente com referência à lei de representação comercial. Uma sentença arbitral ditada e a parte levou ao Judiciário invocando, primeiramente, que, na acepção da ordem pública no sentido de direito disponível, é indisponível, que como a lei de representação comercial era uma lei especial etc., não poderia ter sido arbitrável aquela questão. E foi perfeitamente afastada pelo Judiciário de São Paulo, e confirmada pelo Tribunal de Justiça, no sentido de que era perfeitamente viável se discutir aquela questão por arbitragem e que não feria a ordem pública. É o caso.

28. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Mais ainda. Há uma decisão em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, e neste a lei aplicável ao contrato de representação é lei de Ontario, e ele ainda alegava a impossibilidade de ser a lei de Ontário, que teria que ser a lei de representação comercial do Brasil, que é uma lei de ordem pública. O juiz aqui, o desembargador, disse “não; primeiro, você não confunde ordem pública com direito indisponível; segundo, você vai, se submete à arbitragem, o que o árbitro não vai poder fazer é infringir as normas de ordem pública, e se infringir, você tem como anular” . E permitiu que fosse tratado do tema numa arbitragem com uma lei de Ontário.

29. A SRA. CARMEM TIBÚRCIO – Alguém gostaria de fazer alguma intervenção?

30. O SR. PEDRO PAULO CRISTÓFARO – Eu quero saber se os integrantes da mesa já cogitaram da seguinte questão. Existem duas correntes a respeito da possibilidade do controle judicial sobre as decisões arbitrais. A primeira diz que é admissível o controle prévio. Isso teria a seu favor o argumento de que se uma arbitragem vai-se fazer, por exemplo, com uma cláusula compromissória nula, vai se perder tempo, dinheiro, e é melhor decidir isso desde logo. Aqueles que entendem, quer dizer, o que eu tenho visto do argumento a favor de que o controle seja sempre a posteriori é que o controle prévio abre a possibilidade de medidas procrastinatórias e de chicana, como nós temos visto nessas que foram mostradas aí. De descumprimento de obrigação de arbitragem e tudo. Não lhes parece que a lei brasileira, estabelecendo especificamente os casos em que o Judiciário pode se manifestar sobre a legalidade das decisões adotadas por tribunais arbitrais, no artigo 32, e que esse controle é sempre a posteriori, que no sistema da lei brasileira nós teríamos optado pelo controle sempre a posteriori? Não é só uma questão de competência do árbitro para julgar da sua competência. Mas seria uma questão de dizer que antes de se ultimar a arbitragem, o Judiciário não pode se pronunciar. Esse seria, a meu ver, o sistema que foi adotado pela lei brasileira. Eu gostaria de saber se vocês já pensaram nisso.

31. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Olha, a minha resposta é negativa. A lei de arbitragem permite que o Poder Judiciário, por exemplo, institua arbitragem. Então, é manifestação prévia em relação à arbitragem. Permite que, no cumprimento das medidas cautelares, o Poder Judiciário dê ao árbitro a força que ele não tem – execução de uma decisão cautelar incidental durante a arbitragem. Faz a mesma coisa com relação às medidas instrutórias – condução de uma testemunha, por exemplo. Veja que é tudo durante a arbitragem. Eu não tenho ainda nenhuma espécie de decisão. Pois é. Parece-me que a intenção do legislador efetivamente foi de que não houvesse intervenção do juiz, a não ser quando fosse absolutamente necessário, e que o pedido partisse do árbitro. O Código de Processo Civil tinha, realmente, a idéia de que a questão da independência do árbitro. Se a parte alegasse, por exemplo, suspeição do árbitro, tinha que parar a arbitragem, ir ao Poder Judiciário, depois voltar à arbitragem. Isso foi extirpado. Mas o artigo 25 da Lei de Arbitragem continua mantendo um critério de colaboração. Quer dizer, se houver a alegação de uma questão de direito indisponível, o árbitro deve suspender a arbitragem, remeter ao Poder Judiciário, e depois de resolver essa questão, volta à arbitragem. É difícil imaginar que o legislador tivesse pensado em todas as hipóteses de fechamento do sistema. Na verdade, há um regime de coordenação entre árbitro e Poder Judiciário. É verdade, porém, que a idéia é de um controle a posteriori, sem prejuízo, porém, de intervenções esporádicas. O que está acontecendo hoje é uma intervenção esperável. É natural que se eu for ao Poder Judiciário, inadvertidamente, tentando superar uma cláusula compromissória, que o juiz aproveite para fazer, agora, um trabalho que ele terá que fazer mais adiante. Se o juiz considerar que aquela cláusula é absolutamente nula, ele já sabe que, mais adiante, quando houver sentença arbitral, as partes voltam ao Poder Judiciário e aí ele vai dizer “artigo 32, a cláusula é nula, e eu perdi três anos de trabalho” . Essa é a idéia que levou os juristas europeus a imaginarem uma certa abertura para o critério da competência da competência. Acredito que no Brasil não vá ser muito diferente. Então, o que eu diria? Esta abertura para o Poder Judiciário existe. O legislador não imaginou um fechamento absoluto. Imaginou um regime de coordenação. Imaginou o pior cenário – que as pessoas tivessem bom senso. Aí, realmente, há um erro, e é erro de partida de todo e qualquer legislador, porque o bom senso meu não é o bom senso do José, não é o bom senso do Mané. Essas coisas são assim mesmo. Agora, não é possível um sistema arbitral hermético. A tal ponto, que nós, no Brasil, temos dúvida – a Selma não tem, mas eu tenho – sobre sentenças parciais. Eu nego veementemente a possibilidade de uma sentença parcial no Brasil, enquanto alguns estão defendendo esta possibilidade de sentenças parciais. Se nós tivermos uma sentença parcial, todo esse esquema de não-intervenção vai por água abaixo, porque eu vou ter o início de uma intervenção judicial enquanto a arbitragem ainda está continuando. Eu concordo com a sua visão em termos e princípios lógicos – a idéia era afastar o juiz da arbitragem. Quem quer arbitragem, não quer Poder Judiciário. Essa é uma verdade. Só que também temos que pôr o pé no chão e dizer “isto é impossível” .

32. A SRA. SELMA LEMES – Eu queria apenas completar. Eu acho que o nosso sistema pressupõe a participação do Judiciário de duas maneiras: uma de apoio, e a outra de revisão. Apoio durante toda a fase pré-arbitral, ou durante a arbitragem com questões de testemunhas…mesmo artigo 7º da lei. E a de revisão, ou seja, depois da sentença ditada, então, a participação de analisar a questão de fundo é só no momento da revisão. Esse é o meu ponto de vista.

33. E é interessante que esse conceito foi se firmando na França, principalmente, porque houve uma série de manifestações. No caso, por exemplo, da CCI, da Corte Internacional de Arbitragem, na qual há um sistema muito peculiar de indicação de árbitros, e a CCI aceita, acata ou afasta o árbitro sem justificativa. E isso foi levado às cortes francesas no sentido de querer discutir a viabilidade ou não da manutenção daquele árbitro, daquela decisão administrativa da CCI. O que se firmou foi o seguinte: que decisão em âmbito de Câmaras de Arbitragem é uma decisão administrativa e em arbitragens internacionais o judiciário francês se recusou a tomar ciência, porque disse: “eu analiso e verifico – tenho competência para analisar – sentenças arbitrais ditadas, e não provimentos no curso da arbitragem” .

34. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu concordo com a Selma, discordo um pouco do Carmona, nesse particular, porque no meu modo de ver, na hora que você firma uma cláusula compromissória, você quis claramente excluir a jurisdição estatal. E a lei dá o caminho para isso, tanto é que alegações de nulidade, inexistência, invalidade, quem vai analisar, é o árbitro. E aí, é aquele sistema do artigo 20: se o árbitro entender que não, que tem que prosseguir com a arbitragem, a parte poderá, sim, reabrir o caso – pelo menos com relação a essa questão – lá no Poder Judiciário. Por quê? Parece até incoerente esse dispositivo. Se ele vai alegar, e o árbitro entender que não é nulo ele prossegue, mas a parte vai poder ir ao Poder Judiciário para tratar do tema posteriormente. Vai perder tempo? Não, não vai perder tempo, porque a atuação do Poder Judiciário é residual, é controle a posteriori, como mencionou a Selma. E tem mais: a parte que hoje alega nulidade, pode se conformar com a decisão. A decisão pode ser boa para ela. A decisão pode ser boa, na sua integralidade ou parcialmente, e pode abrir mão, posteriormente, de discutir o problema da nulidade. Conforma-se com aquela decisão. Agora, as questões prévias a constituição do tribunal arbitral etc., medida cautelar e tudo, isso são medidas, obviamente, cooperativas que o Poder Judiciário tem que ter e a arbitragem necessita, para você poder valer o direito das partes.

35. Eu entendo que é residual a atuação do Poder Judiciário. Ressalvo, apenas, aqueles casos de nulidade absoluta quando a parte está, através do artigo 7º, pedindo a intervenção do Estado, da Justiça togada, para instituir a arbitragem. Aí, obviamente, o juiz vai ter que analisar a cláusula compromissória, e ele vai ter que enfrentar os casos de nulidade absoluta. Esse é o meu ponto de vista.

36. Com relação à sentença parcial, para mim isso é um fetichismo dos processualistas. Eu tenho analisado um pouco esse caso, estou querendo analisar um pouco mais; isso nós vamos ver até aqueles estudos dos capítulos da sentença etc. Isso já nos dá algum gancho para admitir a sentença parcial. Tem agora uma lei, que eu esqueço o número dela, que admite a tutela antecipada parcial. Por que que nós não vamos admitir uma sentença parcial? Isso está em linha com a efetividade do processo. Eu acho que nós temos que ser um pouco criativos. É a mesma coisa jurisdição; árbitro tem jurisdição, não tem jurisdição. Candido Dinamarco e Ada Grinover, todo mundo já mencionando, jurisdição tem que ser vista por outro ângulo. Nós temos que ser um pouco mais criativos, e nós estamos tratando de arbitragem, não estamos tratando de processo civil. E se nós formos ver regulamento de câmaras, vários destes admitem a sentença parcial. E não só regulamento, como legislações – a belga, que me vem à cabeça agora, e pelo menos mais umas três ou quatro, que admitem a sentença parcial. Então nós temos que caminhar um pouco para isso. Se você pode resolver aquela parte do processo imediatamente, por que você vai se alongar e aguardar uma outra questão, que é a questão de perícia, que vai delongar mais a concessão do direito à parte…

37. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Mas você está errado, de qualquer maneira. Aliás, o exemplo da lei belga é o pior possível. O belga usou muito um marketing europeu de que o belga é um sujeito insosso, é um francês que não deu certo, é aquele sujeito sem graça, quer dizer, esse é o belga. Então, ele usou isso…Mas é verdade. O belga usou isso para fazer a melhor lei de arbitragem européia. A Bélgica hoje é o melhor centro de arbitragem internacional por um único motivo: as sentenças lá não podem ser impugnadas. Então, o seu exemplo é ruim na medida em que as sentenças parciais na Bélgica são bem-vindas porque não podem ser impugnadas, e, como tal, não causam exatamente o que o legislador brasileiro quis evitar – que durante a arbitragem se estivesse trabalhando no tribunal para impugnar a sentença arbitral. A sentença parcial é um mal. Como é um mal a sentença parcial processual, que não existe. O Código de Processo Civil não trata de sentenças parciais. Elas não existem. Capítulo da sentença é uma coisa e sentença parcial é coisa diferente.

38. Então, nós não temos no nosso ordenamento jurídico nada parecido com sentenças parciais. Por isso mesmo, o legislador teve uma idéia: já que ele estabelecia um sistema, tão fechado quanto possível, de impugnação das sentenças arbitrais, sistema limitado e restritivo, eu vou permitir um único lance de impugnação, no momento em que os árbitros terminarem o seu trabalho. Então, árbitro, termine o seu trabalho e livre-se dele. A partir dali, deixe as partes fazerem o que quiserem. Mas a arbitragem está encerrada. O legislador, portanto, trabalhou com ciclos, ao contrário do que aconteceu na lei belga, na lei francesa, que admite – até o regulamento da CCI é muito claro nesse sentido – as sentenças parciais, coisa que para nós é um pouco insustentável, porque arbitragem termina com a sentença arbitral. Eu não posso terminar metade do meu trabalho. Ou termino o trabalho, ou não terminei o meu trabalho. Então, esse é um desafio que nós vamos tentar resolver da melhor maneira possível. Eu não digo que a sentença arbitral parcial seja violadora da nossa ordem pública, mas eu digo que a lei brasileira não permite a sentença arbitral parcial.

39. Agora, só para deixar clara a nossa divergência. Parece-me que nós temos aqui no Brasil alguns sistemas balizadores. O nosso sistema é: a arbitragem forma um bloco, a interferência do Poder Judiciário forma outro, e nisso nós estamos de acordo. Quer dizer, houve sim a intenção de separar bem as funções. Eu acho que é coerente com esta idéia do legislador não permitir sentenças parciais. Determinar que o árbitro termine o seu trabalho, e a partir do término deste, se houver impugnação, que venha ao Poder Judiciário. Essa é a minha opinião.

40. A SRA. SELMA LEMES – Por favor, eu queria apenas completar o seguinte. Eu entendo que um pouco é uma questão de nomenclatura, porque a partir do momento que num tribunal arbitral o árbitro decide sobre sua competência, ela não exara uma sentença parcial, mas ele…

Fita Nº. 3 – Lado A

1. …é uma questão de nomenclatura. Na CCI, por exemplo, você dá o sistema de sentença parcial, mas nós adotamos aqui no Brasil um simples provimento do próprio tribunal arbitral. Será que também não daria para nós pensarmos e refletirmos um pouco sobre isso?

2. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Não. (risos). Eu quero deixar claro que…o João Bosco deu um exemplo – vamos envolver o João Bosco na briga também, por que não ? O João Bosco até colocou como exemplo, neste caso que está ainda em curso na CCI, que vai haver uma sentença tratando da competência. De fato, os franceses chamam de sentence alguma coisa que para nós não tem a natureza de sentença. Eu não estou usando este exemplo não, eu estou dando um exemplo, que, aliás, você conhece muito bem, em que o tribunal declara que a parte é responsável pelo pagamento de uma indenização. Agora vamos prosseguir para apurar essa indenização. O objeto da arbitragem era “tribunal, verifique se fulano tem que pagar e quanto” . O tribunal vai resolver em pedaços. “Olha, eu resolvi que ele é responsável pelo pagamento de uma indenização. Agora vamos prosseguir. Então já dei minha sentença, você é culpado. Agora vamos prosseguir para apurar o quantum” . Este tipo de colocação é que me parece inadequada no Brasil. Numa arbitragem internacional, vou me reportar, por acaso apenas, ao argumento da CCI, ao regulamento da CCI. No âmbito da CCI, isso é perfeitamente possível. Está, aliás, previsto no regulamento da CCI a possibilidade de uma sentença – esta é uma sentença verdadeira – , de uma senteça parcial. Sentença é ato que dirime o litígio, e não que resolve questões processuais. Essas não são verdadeiras sentenças. Mas a questão é saber se no Brasil um árbitro poderia agir desta maneira. Imagine que eu receba a incumbência de resolver uma questão de dano moral. Então eu digo: primeiro, acho que você é realmente responsável pelo pagamento do dano moral. Agora vamos liquidá-lo. Eu não posso proferir duas sentenças. Eu não posso decidir aos trancos e barrancos, eu tenho que decidir de uma vez só. Você é responsável e vai pagar mil, vai pagar dois mil. Porque eu não tenho duas decisões, duas sentenças arbitrais a impugnar. Porque são sentenças sucessivas, e essa sucessividade vai gerar dependência. Anulada uma, eu vou anular a outra? Vai ficar um pouco estranho. Parece-me que o nosso sistema é incompatível com isso. Essa a visão que eu estou querendo dar. Não a decisões interlocutórias chamadas de sentença.

3. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Eu concordo com o Carmona em relação a sentença parcial, porque se pegar o artigo 32, ele fala, no inciso V, que se a sentença é nula ou anulável, se não decidir, todo o litígio é submetido à arbitragem.

4. Todavia, se você tiver uma questão, e aí eu penso uma questão específica, na questão da determinação do direito aplicável, numa arbitragem internacional com sede no Brasil aplicando a lei brasileira. Aí você vai ter que efetivamente dar uma sentença parcial.

5. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Não, isso é processo. Essa é uma questão processual. Não é. É uma questão prévia.

6. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Não, tudo bem, eu até concordo que seja uma questão prévia, mas não concordo que seja uma questão procedimental. É uma questão de mérito, determinar qual é o direito para que as partes então determinem e fundamentem as suas alegações…

7. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Mas é impugnável…

8. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Concordo, você pode até impugnar a sentença, mas em relação à determinação do direito aplicado ao mérito do litígio quando as partes não exercem essa escolha, o árbitro tem que determinar qual é o direito; nesse caso, na minha opinião, ele vai ter que dar a sentença parcial para que as partes possam fundamentar, depois, todas as suas alegações naquele direito determinado pelo tribunal arbitral.

9. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – É muito comum que os árbitros tenham que resolver a seguinte questão. Esta troca de correspondências forma relação contratual? Se formar relação contratual, eu quero isto, aquilo e outro. Bom, a questão prévia que se decide é: aquilo é um contrato. Isto é uma sentença? Não, isto é uma decisão interlocutória. As decisões interlocutórias podem estar ligadas ao mérito. É só olhar o artigo 515 do Código de Processo Civil, artigo 516. Quer dizer, o juiz, durante o processo, resolve questões de mérito, mas é a sentença que é impugnável, mesmo que essa questão de mérito tenha sido resolvida antes. Mesmo o sistema dos artigos 515, 516 – sistema da devolutividade. Aplica-se, de maneira analógica, também à impugnação do laudo arbitral.

10. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Bom, o que eu tenho a dizer é o seguinte. Discordo quando o Carmona afirma que a nossa Lei de Arbitragem veda a sentença parcial. Não há nada na lei que vede. O que há, no meu modo de ver, é uma cultura já arraigada, através de princípios etc., que vêm dos processualistas, e estes, nós sabemos, que acabaram transformando o processo civil, que é simples meio, simples instrumento, transformaram numa ciência absoluta. (risos). Nós temos que olhar com outros olhos.

11. A SRA. CARMEM TIBÚRCIO – Tem direito de resposta para o Carmona. Ele já está ficando nervoso aqui. (risos).

12. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Eu só deixei ele falar porque ele está no Rio de Janeiro. Lá em São Paulo ele não me deixa falar não.

13. O SR. CARLOS ALBERTO CARMONA – Nós somos mais rigorosos cientificamente. Esse tipo de crítica é inaceitável, nós não queremos ouvir.

14. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Nós temos que olhar um pouco sem tanto mesoneísmo determinadas tendências. Eu não vejo qualquer problema, em nós termos uma decisão parcial de mérito. Por exemplo, casos de construção civil, que a doutora Carmen Tiburcio bem conhece. Construção civil, não, construção pesada mesmo. Você tem discussões que são trinta, quarenta itens de discussão. Cada item ligado a uma situação específica. Alguns destes itens, cinco itens vão para perícia. Outros trinta, quarenta, não vão. Se você pode, numa arbitragem que, eventualmente, vai durar dois anos, se você pode, em três meses, quatro meses, resolver dez itens, através de uma sentença onde você tem relatório, tem fundamentação e tem uma decisão, por que não fazer? Por quê? E aí é que eu digo que há um fetichismo ao redor da unicidade da sentença. Nós temos que nos abrir um pouco mais. Isso está em linha com a efetividade do processo, com a ligeireza que as partes procuram quando vão para a arbitragem. O meu entendimento é que não há vedação alguma; o que falta é, talvez, sensibilizar os processualistas. Essa é a minha visão. Você pode, eu repito, em determinadas situações, é extremamente saudável e recomendável que você decida parcialmente. Isso não está contemplado naquele dispositivo mencionado pelo João Bosco, porque naquela hipótese o juiz proferiu a decisão sobre todo o caso, resolveu em princípio o caso, mas deixou uma parte de fora. Nesse meu caso, ele está decidindo aos pedaços, está decidindo parcialmente naquilo que é possível decidir. Eu já falei, hoje você tem antecipação da tutela parcial. Nada mais é, de alguma forma, o início da possibilidade de se ter à sentença parcial. E eu acho que se o Poder Judiciário vier a adotar essa prática, ela será bastante bem-vinda pela própria população.

15. O SR. JOÃO BOSCO LEE – Vou dar um exemplo. Eu conheço um caso CCI, onde houve um caso bem famoso, onde houve uma sentença arbitral parcial, e no momento em que foi proferida a sentença definitiva, a questão do tribunal arbitral era: repito a parcial ou não; ou deixo a sentença arbitral parcial e profiro a sentença definitiva. Por quê? Porque o medo do tribunal arbitral é que no momento em que chegasse a sentença definitiva para homologação no Supremo, ele não homologasse, porque houve uma sentença parcial. Então eles repetiram a sentença parcial na sentença definitiva, para que não houvesse contestação. Vão dizer “não, tudo bem, não faça isso, faça uma sentença parcial e uma sentença definitiva, homologue as duas” , e o risco para as partes? Aí vem aquela questão da efetividade da sentença, e como não existe, ainda – e daí vem a riqueza da discussão – , uma consolidação da possibilidade ou não da sentença parcial no Brasil, a recomendação, também na sentença definitiva, se houve sentença parcial anterior, que repita a sentença…

16. O SR. PEDRO BATISTA MARTINS – Sim, mas nós podemos ver caso de que você emite uma sentença parcial e a parte cumpre a decisão. Está todo mundo olhando com receio, porque não sabe como o Supremo vai julgar, e obviamente vai ter toda aquela carga do processo em cima da análise pelos ministros, pelos julgadores; porque o advogado é formado e deformado pelo processo, essa é que é a verdade, já falava o desembargador Cláudio Vianna de Lima. Agora, você tem decisão que a outra parte vai cumprir. E qual é a dificuldade?

17. A SRA. SELMA LEMES – Eu queria ressaltar que a questão da sentença parcial não é novidade no nosso ordenamento jurídico, porque a Convenção de Buenos Aires, no âmbito do Mercosul de arbitragem, prevê a figura do laudo parcial já.

18. A SRA. CARMEM TIBÚRCIO – Bom, o debate está muito interessante, acalorado, mas devido ao adiantado da hora, nós então encerramos aqui o debate de hoje.

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