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Pedro A. Batista Martins[1]

Pedro Trengrouse L. de Souza

Jornal do Brasil, 15 de Agosto de 2005

1. Embora a arbitragem não seja novidade no Brasil, já que a Constituição Imperial, de 1824, tratava do assunto, bem como os Códigos Comercial, dos idos de 1850, o Civil de 1916 e os de Processo Civil, de 1939 e 1973, sua utilização é, de certo modo, ainda recente. Isso porque apenas com o advento da Lei n° 9.307, em 1996, e sua posterior apreciação pelo Supremo Tribunal Federal que, em 2001, confirmou sua constitucionalidade (SE 5206), a arbitragem se apresenta, efetivamente, como mecanismo irrecorrível de resolução de disputas. A jurisdição arbitral no Brasil refere-se ao julgamento de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis que, dada sua abrangência, podem alcançar, até mesmo, disputas oriundas de relações trabalhistas, uma vez que os direitos trabalhistas, após a rescisão do contrato de trabalho, tornam-se disponíveis e sujeitos à transação.

2. A arbitragem nasce com a vocação de ser um instrumento pelo qual a sociedade pode cooperar com o Estado na administração da Justiça. O Poder Judiciário, embora realize um esforço hercúleo para prestar o melhor serviço possível, enfrenta as dificuldades de integrar um Estado deficitário que, não raro, deixa de repassar os recursos suficientes para que o Judiciário disponha dos meios adequados para oferecer aos seus jurisdicionados a rapidez, a tecnologia e o material necessários e, também, muitas das vezes, a expertise requerida para o julgamento das questões oriundas dos contratos privados, cada vez mais específicos e complexos. No Brasil, com certa frequência, nos deparamos com situações onde um mau acordo se faz melhor opção que uma boa briga judicial. A quantidade excessiva de processos, recursos e a burocracia peculiar à máquina estatal podem causar mais prejuízos que uma eventual condenação. A arbitragem surge, portanto, como uma interessante opção para a resolução de conflitos, pois representa mais uma porta de acesso à Justiça e a oportunidade de as partes escolherem o local onde deve ser apreciada a controvérsia, quem deve julgá-la, a lei que deve ser considerada, o procedimento a ser observado, o idioma a ser utilizado, etc. Essa liberdade assegura às partes o julgamento da questão conflituosa por pessoas que possuem os conhecimentos necessários à compreensão das questões em disputa; que observarão os procedimentos requeridos para minorar os prejuízos da discórdia, como sigilo e rapidez; e cujos custos poderão ser previamente conhecidos pelas próprias partes ao elegerem a entidade arbitral e o árbitro responsável por dirimir suas eventuais controvérsias. É importante ressaltar que a sentença arbitral não pode ser modificada pelo Judiciário, apenas anulada, e produz os mesmos efeitos de uma sentença exarada por este Poder, constituindo-se em título executivo judicial que, amparado pela Convenção de New York de 1958, é recepcionado em diversos países, o que torna a arbitragem muito atraente para a solução de conflitos de natureza internacional.

3. Na seara desportiva são inúmeras as vantagens de se recorrer à arbitragem e há vários exemplos de tribunais arbitrais especializados em lides desportivas, merecendo menção especial a Corte Arbitral do Esporte em Lausanne, Suíça. No Brasil, todavia, é preciso ressaltar que a Justiça Desportiva é dotada de competência constitucional, o que leva o intérprete a entender que o constituinte buscou dar prevalência a essa instância desportiva, porquanto em desuso, àquela época, o instituto da arbitragem. Muito embora as questões ligadas à competição (doping, disciplina, resultado controvertido) possam, em princípio, ser resolvidas por arbitragem, como ocorre no exterior, no Brasil há uma opção pela Justiça Desportiva. Nesse sentido, faz-se necessário ressaltar as diferenças entre a Justiça Desportiva e a arbitragem. Enquanto o objeto da arbitragem são os direitos patrimoniais disponíveis, a Justiça Desportiva centraliza-se nas infrações disciplinares e competições desportivas, praticadas por pessoas físicas ou jurídicas compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto, e a este, direta ou indiretamente, filiadas ou vinculadas, conforme os artigos 1° e 24 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Enquanto a jurisdição da arbitragem advém da vontade das partes, expressa através da cláusula de arbitragem ou do compromisso arbitral, a Justiça Desportiva possui jurisdição Constitucional estabelecida pelo §1° do artigo 217 da Constituição Federal de 1988. Se na Arbitragem as partes podem escolher os procedimentos pelos quais serão julgadas suas lides, na Justiça Desportiva os procedimentos já estão previstos no CBJD e não podem ser afastados ou modificados pelas partes. Na arbitragem as partes podem escolher diretamente os árbitros e na Justiça Desportiva os julgadores são escolhidos através da indicação de entidades conforme os artigos 4° e 5° do CBJD. Na arbitragem, em regra, não há possibilidade recursal e na Justiça Desportiva encontra-se presente o duplo grau de jurisdição, havendo, inclusive, recursos voluntários e necessários, conforme os artigos 136 a 152 do CBJD. Por fim, enquanto na arbitragem as sentenças configuram título executivo judicial, que, encontrando resistência ao seu cumprimento, serão levadas ao Judiciário, na Justiça Desportiva as sentenças proferidas possuem eficácia imediata uma vez que a própria Justiça Desportiva, através da entidade de administração do desporto, dispõe dos meios necessários para fazer cumprir suas sentenças, de forma coercitiva, se necessário.

4. A arbitragem pode, destarte, dirimir as controvérsias oriundas dos mais variados contratos desportivos como de direito de imagem e arena, trabalhistas, de transmissão, de transferências, nacionais e internacionais, por exemplo. As especificidades formais e materiais dos contratos desportivos, o sigilo com o qual devem ser tratados para que as partes não sejam expostas a riscos desnecessários, a rapidez com que as dúvidas deles oriundas devem ser julgadas para evitar prejuízos indesejados e o caráter internacional, cada vez mais marcante, das relações desportivas, são motivos que levam à conclusão natural de que a arbitragem é um meio bastante eficiente e eficaz para preservar ao máximo as partes envolvidas no litígio e seu objeto, além de garantir que seja feita justiça, em tempo hábil, a respeito de matéria bastante especializada. É preciso, no entanto, para que a arbitragem possa desempenhar, em sua plenitude, o papel a ela reservado na resolução das eventuais controvérsias oriundas dos contratos desportivos, que o conhecimento específico da realidade desportiva se alie à expertise arbitral de modo a adequar seus procedimentos às necessidades do esporte.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.

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