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Pedro A. Batista Martins[1]

1. Sempre gerou muita polêmica, aqui e no estrangeiro, a submissão do Estado e de seus entes direto e indireto ao rito arbitral.

2. A questão é enfocada sob dois ângulos, quais sejam, o da arbitrabilidade objetiva e subjetiva.

3. A arbitrabilidade subjetiva corresponde a capacidade do Estado em contratar a convenção de arbitragem e, assim, afastar a jurisdição estatal. Para alguns o estado e, por vezes, seus entes beneficiam-se de imunidade jurisdicional e se sujeitam ao princípio estrito da legalidade. Quer isso dizer que, ou não poderiam deixar de resolver seus conflitos na jurisdição estatal e/ou para optarem pela via arbitral, é necessária prévia autorização legislativa.

4. A arbitrabilidade objetiva atinge o mérito da demanda para indagar se sua natureza é de caráter disponível ou não. Alguns conservadores, poucos a bem da verdade, enxergam na atuação estatal componente relevante e primordial de interesse público. Não importa se o Estado age ius gestionis ou, mais ainda, se as sociedades de economia mista e as empresas públicas sujeitam-se, por força constitucional, ao regime de direito privado. Todos atuam nas suas relações jurídicas sob o império do interesse público primário, daí a indisponibilidade de seus direitos e, consequentemente, a possibilidade de se submeterem à arbitragem.

5. Em linha com esses pressupostos, radicais com certeza, não é de se estranhar que segmentos ainda mais contundentes queiram suprimir, de todo, qualquer debate a respeito do tema inserindo na Constituição Federal proibição de submissão das “entidades de direito público” ao processo arbitral.

6. A par dos insensatos argumentos que fundamentam tal pretensão legislativa, fato é que o sucesso dessa iniciativa restará por retroceder o país em anos luz.

7. Mais, gerará um ambiente jurídico extremamente tumultuado e um grave desconforto ao discurso do atual governo. Tudo o que a agenda governamental não vislumbra e gostaria de evitar.

8. Primeiro, em hipótese alguma o debate sobre a participação estatal em arbitragem merecia ser aplacado por manus militaris de efeito constitucional. É preciso dar um basta na equivocada ideologia de que tudo no Brasil deve ser batizado em nossa robusta Constituição.

9. A Carta de Estado deve conter os princípios relevantes, éticos e morais que norteiam as relações de um povo através dos tempos independentemente da ideologia que o dirige. Seus dispositivos devem projetar-se de forma holística e futurista.

10. Aos governos eleitos, deixemos que as leis ordinárias materializem seu desiderato político, seu conteúdo programático e ideológico. A Constituição deve se manter a um só tempo impermeável e aderente aos matizes partidários. O momento político deve instruir, de forma mais flexível, a dinâmica social.

11. Segundo, a proposta almejada acarretará uma grave afronta aos investidores que o país, declaradamente, busca cooptar em auxílio ao pretendido desenvolvimento nacional. É sabido nos quadrantes das relações internacionais que a arbitragem é foro sério, justo e contemporâneo para a resolução dos conflitos. Ademais, é jurisdição neutra, flexível e amigável, enfim, propícia à solução de temas de natureza negocial.

12. Terceiro, a inserção de tal dispositivo em sede constitucional abrirá indesejável campo de especulação quanto aos diversos contratos já firmados pelo Estado brasileiro, direta ou indiretamente, ou como garantidor, onde se convencionou a cláusula de arbitragem. Não será de se estranhar o surgimento de questões de direito quanto a capacidade de o Estado ou seus entes submeterem-se à arbitragem, ao abrigo da pretendida regra constitucional. Por certo mentes extravagantes confrontarão o direito adquirido à vista de uma pseuda nova ordem constitucional.

13. Quarto, causa repulsa a inclusão de tal proibição em proposta de emenda constitucional (PEC) sobre a Reforma de Poder Judiciário, em parágrafo de artigo que dispõe sobre juizados especiais (§ 4º art 98). Pior ainda quando se sabe que o próprio Legislativo, horrorizado com a falta de critério e sistemática na elaboração de leis, inclusive medidas provisórias aprovou a Lei Complementar nº 95, de 1998, justamente para proibir que lei contemple matéria estranha ao seu objeto.

14. Por tudo isso, mas não só por isso, deve ser evitado malfadado dispositivo que ora se encontra inserido na PEC da Reforma do Judiciário, em tramitação no Senado Federal.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.

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