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Pedro A. Batista Martins[1]

A possibilidade de se reter parcela do lucro líquido do exercício admitida pela lei de sociedades anônimas (Lei 6.404/76 – art. 196) foi uma das alternativas por esta adotada objetivando prover as companhias de instrumental adequado ao seu autofinanciamento e, em certos casos, garantir a sobrevivência da própria empresa.

Contudo, se é certo que a formação de lucros acumulados aumenta consideravelmente a capacidade de desenvolvimento da entidade mercantil, de outro lado, diminui substancialmente a participação dos acionistas na distribuição dos dividendos do exercício.

Cabe ressaltar que a participação dos lucros da sociedade é norma de caráter cogente já previsto na antiga lei de sociedades anônimas (Decreto lei 2.627/40) e reproduzida na atual lei societária na seção de direitos essenciais dos acionistas e que a retenção de lucros é exceção ao princípio da distribuição, aos acionistas, da maior parcela dos lucros auferidos pela sociedade no período.

Assim, a retenção da parcela do lucro líquido do exercício devido aos acionistas da companhia, quando decidida de forma discricionária, acarreta prejuízo aos titulares de ações que não detêm o poder de influir nas decisões assembleares e que foram a tônica preocupante dos autores da lei 6.404/76.

No entanto, a referida retenção está efetivamente condicionada à existência de um orçamento de capital elaborado pelo órgão de administração da empresa e deve ser acompanhado de um sem número de esclarecimentos e justificativas necessárias ao pleno convencimento dos acionistas votantes.

Infere-se, portanto, que os autores de nossa lei societária, ao estabelecerem a apresentação prévia à Assembléia Geral da previsão de gastos e receitas impostas ao empreendimento almejado pela administração da empresa, visaram proteger os acionistas minoritários contra possíveis arbitrariedades a um de seus direitos essenciais.

Esta afirmação deduz-se não somente da interpretação do texto da lei, como também, do teor da exposição justificativa das principais inovações do projeto de lei, na qual se conclui que “a proteção do direito dos acionistas minoritários de participar, através de dividendos, nos lucros da Companhia, exige a definição de regime legal sobre formação de reservas, que limite a discricionariedade da maioria nas deliberações sobre a destinação dos lucros”.

Por ser o único documento no qual os acionistas se baseiam para discernir a viabilidade da proposta da administração, torna-se este o fiel da balança numa eventual discussão sobre a necessidade de se capitalizar a companhia em detrimento do direito dos acionistas aos dividendos ou vice-versa.

Por tal razão, é mister que o orçamento a ser apresentado à Assembléia Geral, como condição para a efetivação da retenção de parte dos lucros líquidos devidos aos acionistas, seja elaborado pelo órgão competente da forma mais transparente possível, dele constando, dentre outros, cronograma detalhado das diversas etapas do investimento, discriminação minuciosa das origens e custo dos recursos, bem como suas diversas aplicações, estimativa dos recursos a serem empregados na execução do negócio e eventuais comprometimentos de lucros futuros.

Porém, a prática societária tem comprovado que uma pane das companhias que optam por recorrer à retenção de lucros apresentam aos acionistas como documento (sic!) adequado ao cumprimento do preceito legal, simples orçamento de capital no qual estão relacionados de forma sucinta, quando muito, as fontes de recursos e aplicações de capital, em abusivo desrespeito aos acionistas minoritários.

Contudo, se não é certo que a prática da transparência do orçamento de capital irá alterar a decisão final da Assembléia Geral de reter a parcela do lucro líquido em prol do autofinanciamento da empresa, de outro modo viabilizará aos demais acionistas o exercício do direito de exigir, ao final do exercício inequívoca prestação de contras por parte dos administradores, meros “longa manus” dos acionistas controladores, e, quiçá, o direito de haver o pagamento do montante que lhes era devido.

Talvez assim se reduza o raio de conflito existente entre o controlador e os demais acionistas, bem como se faça menos presente nas Assembléias Gerais o comentário atribuído ao banqueiro Futstenberg, para o qual “o acionista é um tolo e um arrogante; tolo, porque os dá seu dinheiro; arrogante, porque deseja ainda receber dividendos”.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.

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