Baixar como PDF


Pedro A. Batista Martins[1]

1. Em menos de um mês, mais precisamente no dia 11 de março, entrará em vigor a nova lei de proteção do consumidor (Lei n° 8078, de 11/09/90).

2. Após longo período de gestação, durante o qual o anteprojeto recebeu inúmeras críticas e propostas de alteração, o consumidor conquistou, afinal, uma extensa aos seus interesses.

3. Indubitavelmente, a lei em questão traz substancias inovações, capazes de revolucionar as relações de consumo até então existentes.

4. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um código vanguardista, baseado nas modernas tendências vislumbradas nas legislações norte-americana e dos países da Europa Ocidental, cujo espinha dorsal é a salvaguardas e garantia dos direitos inalienáveis do consumidor, tido como o lado economicamente mais fraco nas suas cotidianas relações com o mercado.

5. O legislador partiu da premissa de que o consumidor apresenta-se sempre, em desvantagem perante as forças do mercado.

6. O objetivo precípuo da lei é assegurar a proteção dos interesses maiores das coletividade-consumidora, cabendo aos fornecedores de produtos e serviços, e aqueles a eles equiparados pela referida lei, agir com máxima prudência e diligência na execução das suas atividades.

7. O respeito à dignidade, à saúde e à proteção de seus interesses econômicos, são imperativos da Política Nacional de Relações de Consumo, que deve, inclusive, pautar suas ações no princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

8. Denota-se, destas regras subjetivas, que o legislador teve a flagrante intenção (mens legis) de inserir no nosso ordenamento jurídico normas eficazes dirigidas, antes de tudo, ao bem-estar e satisfação do público consumidor.

9. Nesse período, podemos mencionar, no âmbito das responsabilidades, aquela de natureza objetiva (i.e. a que se verifica independentemente da existência de culpa) do fabricante, produtor, construtor e importador, pela reparação dos danos, causados aos consumidores “pelo fato do produto”. A mesma regra vale para o prestador de serviço, quando este não oferece a segurança esperada.

10. A responsabilidade dos fornecedores é solidária nos casos de vícios de qualidade ou quantidade dos produtos que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo.

11. No caso de consórcios, as empresas consorciadas serão sempre solidárias nas suas relações de consumo.

12. O fornecedor de produto ou serviço é também solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos no tocante às informações de ofertas ou quaisquer publicidades por eles apresentadas.

13. As sociedades integrantes do grupos societários, bem como as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações estabelecidas no Código de Defesa ao consumidor.

14. Vê-se que a longa manus da responsabilidade espraia-se, premeditadamente, no sentido de assegurar a efetiva reparação do prejuízo que vier a ser causado ao consumidor.

15. Mais ainda, o julgador poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, para assim, atingir os bens pessoais dos sócios, sempre que a personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento dos danos sofridos pelos consumidores.

16. No tocante às normas de caráter processual, é assegurado ao consumidor: (I) a inversão do ônus da prova, em seu favor; (II) a propositura de ação em seu domicílio; (III) legitimação extraordinária; e (IV) o sistema de execução específica, este um dos pontos mais importante para a rápida e efetiva realização de seus direitos.

17. Através deste último instituto, as obrigações de fazer ou não fazer (normalmente resolvidas em perdas e danos, de difícil caracterização), quando não efetivadas pelo fornecedor, serão supridas pela concessão judicial da tutela específica das obrigação. Assim, o juiz determina e assegura, liminarmente, a execução das providências que competiam ao fornecedor (v.g. remoção de coisas e pessoas; busca e apreensão; desfazimento de obras).

18. Se é certo eu o Código em referência colocará o Pais na vanguarda das relações de consumo, sem dúvida alguma, incorporou, de forma infeliz, uma das regras mais retrógradas que poderíamos admitir e que, provavelmente, causará transtornos às relações com a comunidade internacional.

19. Trata-se da proibição de se estabelecer a utilização compulsória da arbitragem, nos contratos de espécie.

20. Não muito utilizada no nosso comércio doméstico, a arbitragem (i.e. solução pacífica dos conflitos) é regra costumeira nos contratos internacionais que, em virtude da complexidade e diferentes peculiaridades de cada legislação, permite às partes decidir suas pendências em foro extrajudicial.

21. A sua prática deve-se aos fatores de agilidade e complexidade das relações internacionais, onde a busca de resultados suplanta os eventuais litígios, que ficam submetidas a decisão de peritos na matéria.

22. Nos dias de hoje, mais de 80% dos contratos internacionais, modo geral, submeter-se-ão, no caso de conflito, a decisão arbitral. Contudo, com a entrada em vigor da lei de proteção do consumidor, a arbitragem, já pouquíssimo utilizada entre partes nacionais, terá de ser revista no âmbito do intercâmbio com as comunidades estrangeiras.

23. Isto porque, as regras de proteção do consumidor são tidas, expressamente, como de ordem pública e abrangem as atividades de distribuição, exportação, importação e comercialização de produtos ou serviços, incluindo na definição deste último, as atividades de natureza financeira e de crédito.

24. Não se trata de questionar a inconveniência desta imposição para o desenvolvimento, entre nós, no prático, hábil e especializado meio pacífico de solução dos conflitos (desafoga, inclusive, o saturado Poder Judiciário) mas, sim, de alertar para as possíveis dificuldades que as empresas nacionais enfrentarão nas suas relações internacionais em razão da introdução, no nosso sistema legal, de regra tão rudimentar que veda a utilização compulsória da arbitragem nos contratos submetidos ao ordenamento do Código do Consumidor.

25. A par deste aspecto de suma gravidade, vale consignar, de resto, que o fiel da balança está a perder, neste momento, para o lado do consumidor (aliás, trata-se de Código de Proteção do Consumidor), razão pela qual os julgadores, mais do que nunca, terão papel fundamental na construção de uma equilibrada relação fornecedor / consumidor (muitas delas a se definir caso a caso), até porque o seu imperium alastrou-se com o poder que, em princípio, lhe foi conferido de proferir decisão com base no instituto da eqüidade.

26. Fica, inclusive, a preocupação quanto à possibilidade de virmos a assistir razoável aumento nos casos de litigância de má-fé, por parte dos consumidores, que poderão se aproveitar de benevolência com que, até certo ponto, foram tratados pelos legisladores.

27. Nesse particular, vale salientar que as associações de consumidores, quando autoras, não respondem, no caso de improcedência da ação, pelos honorários advocatícios, custas e despesas processuais.

28. Jornal do Commercio, 24 e 25 fev/1991

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.

Leave a comment