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Pedro A. Batista Martins[1]

1. Parte da doutrina e da jurisprudência apoiadas no artigo 32 do Dec. 24.150/34,[2] e, no presente, na alínea a, n. 1, do parágrafo único, do art. 1º., da Lei 8.245/91,[3] têm entendido que aos imóveis, onde figurar como locador sociedade de economia mista, não cabe a ação renovatória (impossibilidade jurídica do pedido) por serem estes bens de natureza pública.[4] Assim sendo, aos contratos de locação,[5] firmados entre estes entes da Administração Indireta e os particulares, aplicam-se as regras de direito público e não de direito privado como previstas naquelas leis locatícias.

2. Porém, como todo respeito que merecem os seus apologistas, tal entendimento deve ser revisto, haja vista a própria natureza jurídica das sociedades de economia mista e os termos legais que regulam o assunto em referência, isto porque, desde a égide do Dec. 24.150/34 até a vigente Lei 8.245/91, nada há em lei que vede a aplicação destes textos legais às relações ex locato formadas entre as sociedades de economia mista, na qualidade de locadora de imóvel não residencial / comercial, com outras pessoas jurídicas de direito privado.

3. Dito isto, urge destacar que a sociedade de economia mista[6], consoante os termos do art. 173, § 1[7]da CF de 1988, está sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas.[8]

4. No entanto, preliminarmente, impõe salientar que, a par do eu dispõe o caput do art. 173 da Constituição Federal de 1988, ressalvados os casos previstos nesta Carta Magna, a exploração direta da atividade econômica cabe à iniciativa privada. O Estado, tão somente, intervirá na ordem econômica, através das empresas paraestatais, para garantir a segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.

5. Observa-se que a atividade do Estado, na seara econômica é limitada estando o objetivo de sua ação previsto em lei.

6. Nesse sentido é oportuno citar Lucia Valle Figueiredo[9], que acerca do regime jurídico das empresas estatais manifesta: “um de seus traços característicos é que devem, necessariamente, perseguir o próprio escopo: isto é, criadas pelo Estado para determinado fim, encontram-se coartadas pela finalidade definida pela lei criadora”.

7. Sendo assim, o objeto ou fim da sociedade de economia mista deverá estar descrito na sua lei criadora como atividade a ser desempenhada por este ente, como determina o art. 237 da Lei 6.404/76.[10]

8. Nota-se, então, a título de exemplificação quanto ao tema in examem que a se a lei criadora da sociedade de economia mista não determina com atividade fim, a ser desempenhada por ela, a locação de imóveis, esta atividade será de natureza secundária para este ente. Portanto, não restando nenhuma indagação de que a atividade secundária em questão (locação dos imóveis de sua propriedade) será regida pelo direito privado comum aos particulares e não pelas regras atinentes ao direito público.[11]

9. Nesse passo, cumpre trazer à baila a lição de Hely Lopes Meirelles[12], para quem “as sociedades de economia mista revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizam a sua criação e funcionamento”[13](nossos grifos)

10. Nesse sentido, conforme manifesta Adroaldo Mesquita da Costa[14], é pacífico o entendimento doutrinário, in verbis: “Não resta a menor dúvida sobre o regime legal deste tipo de sociedades (de economia mista), que não obstante dela particular o Poder Público, se rege pelos princípios do direito privado, sujeito às normas baixadas para sociedade de capital de cunho mercantil, como aliás, ensinam consagrados tratadistas: Rafael Bielsa (Derecho Administrativo) Benjamim Vilegas Basavilbaso (Derecho Administrativo), Rippert (Droit Comercial), André de Laubadére (Traitté Élementaire de Droit Administratif), citados por Carlos Medeiros Silva em seu parecer 246-T, em Pareceres do Consultor Geral da República, 53/379)” (nossos grifos).

11. Além disso, de modo a não deixar dúvidas, o saudoso Hely Lopes Meirelles[15] afirma que “os atos e contratos das sociedades de economia mista regem-se pelas normas de direito privado, especialmente na parte das obrigações, igualando-se aos das empresas particulares”. (nossos grifos)

12. Portanto, os contratos firmados pelas sociedades de economia mista não assumem as características dos contratos de direito público, porque sujeitam-se, na forma da Constituição Federal de 1988, ao regime jurídico próprio das empresas privadas.

13. Desta maneira, as locações de seus imóveis, por ela ajustada com terceiros particulares, tratam-se de simples locação comercial/não-residencialque se submetem, como acima visto, às regras do direito comum e não do direito público relativo à concessão de uso, por causa de sua natureza jurídica de direito privado.

14. Acresça-se, ainda, que deve ser refutada a argumentação de que os bens das sociedades de economia mista são de natureza pública, por serem estes bens de propriedades indireta dos entes da Administração Pública, que exercem, de forma geral, o direito de controle sobre tais entidades paraestatais.

15. A qualidade de acionistas majoritário não garante ao ente da Administração Direta ou Indireta, a propriedade sobre bens específicos da sociedade de economia mista da qual detém a participação acionária, de modo a poder afirmar a qualidade de bem público de tais ativos.

16. Isto porque o direito dos sócios espraia-se sobre a universidade dos bens e direitos que compõem ativo social e não sobre bens individuais e específicos da sociedade. Daí, dizer-se que o capital social das sociedades anônimas é “democratizado”, vez que a repartição do seu patrimônio perfaz-se, indistintamente, entre a pluralidade de seus acionistas.

17. Note-se, ainda, que as sociedades em questão (do tipo por ações, conforme art. 5º, III, do Decreto-lei 200/67 e art. 235 da Lei 6.404/76), têm personalidade jurídica própria que não se confunde com a pessoa de seus acionistas.

18. Ao integralizar em bens o capital social da sociedade de economia mista, transfere o ente da Administração Direta ou Indireta para o patrimônio daquela entidade tais propriedades com todos os direitos a elas inerentes, passando, em contrapartidas, a deter única e tão-somente, ações representativas do capital social daquela empresa.

19. Nesse momento, o bem destaca-se do patrimônio estatal para agregar-se ao da sociedade de economia mista e sustentar a atividade social, prestando-se, conseqüentemente, à garantia de eventuais débitos junto a credores.

20. No dizer de Ascarelli[16], a quantia dos terceiros está, afinal, nos bens da sociedade, ou seja, no patrimônio social”.

21. Resulta daí a consagração pela “communis opinio doctorum” de que os bens a serem transmitidos à sociedade pelos subscritores, devem, não somente ser suscetíveis de avaliação em dinheiro (ex vi do art. 7º., da Lei 6.404/76), como também ser sujeitos à penhora e execução.[17]

22. Não obstante, e com o intuito de não deixar dúvidas a respeito do tema, a própria Lei 6.404/76 prevê, expressamente, em seu art. 242, que os bens das sociedades anônimas de economia mista são penhoráveis e executáveis, o que, per se, demonstra que esses ativos têm não natureza pública, haja vista a sua não indisponibilidade que, ao contrário, é própria dos bens públicos.

23. No que tange aos direitos essenciais, a pessoa jurídica controladora da sociedade de economia mista, coloca-se em igualdade de condições com os demais sócios privados minoritários, seja qual for o percentual da participação por estes detidos no capital da empresa.

24. Dentre tais direitos desponta o de participar do acervo da sociedade, em caso de liquidação. Nessa circunstância, os bens que remanescerem após pago o passivo, tenham estes sido integralizados pelo ente da Administração ou não, deverão ser rateados, proporcional e compulsoriamente, entre todos os sócios.

25. É este um ditame de ordem pública que constitui garantia fundamental dos direito individuais dos sócios, não podendo sequer ser suprimido ou modificado pela assembléia geral.

26. Incorreto, pois, afirmar ser da Administração Direta – e, por conseguinte, sujeitos às normas de direito público – os bens que constituem o patrimônio da sociedade paraestatal em exame.

27. Por outro lado, com a máxima vênia, deve ser repelida a aplicação da analogia, como acima mencionado (nota de rodapé nº 4), para tentar enquadrar ás sociedades de economia mista às regras aplicáveis aos entes da Administração Direta, para assim, excluí-las da aplicação das normas legais atinentes às locações de imóveis urbanos, restringindo o direito do locatário de valer-se da ação renovatória de locação em face de tais entes paraestatais.

28. Todavia, não há qualquer motivo para suscitar-se o processo de integração legislativo mencionado, pois não há qualquer lacuna legal,[18] ao contrário, o legislador regulou a matéria, porém não arrolou os entes paraestatais na exclusão da aplicação das leis locatícias relativas ao tema epigrafado (Cfr. Art. 32 do Decreto 24.150/34 e art. 1º., parágrafo único, alínea a, item n.1 da Lei 8.245/91). [19]

29. Ao que parece, o entendimento ora manifestado está fulcrado em uma presunção[20]  de omissão legal, sem qualquer respaldo, isto porque não se pode falar de lacuna do direito pelo simples fato de não haver uma regulamentação aparente, pois, como Karl English[21], “a inexistência da regulamentação em casual pode corresponder a um plano do legislador ou da lei, e então não representa uma lacuna que tenha de se apresentar sempre como uma deficiência que estamos autorizados a superar…”.

30. E mais, os que defendem a aplicação analógica para o tema in examem estão se valendo, não propriamente da analogia, mas, sim, de uma interpretação extensiva [22] onde procuram aplicar, por uma questão de razoabilidade, as regras previstas expressamente para a administração Direta a estes entes da Administração Indireta. No entanto, não é válido tal raciocínio, porque o legislador, sabendo a natureza jurídica da sociedade de economia mista, não desejou excluir (caso quisesse teria feito e teve oportunidade para isto) os entes paraestatais do âmbito da aplicação das leis que regulam a locação de imóveis urbanos.

31. Realça-se, por oportuno, que o parágrafo único do art. 1º da nova lei de locações (Lei 8.245/91) não arrolou as empresas públicas e nem as sociedades de economia mista que, consoante os termos do art. 173, § 1º., da Constituição Federal de 1988, são de natureza de direito privado, mas sim, a União os Estados, os Municípios, as Autarquias e as Fundações Públicas, todas de natureza de direito público.

32. Ora, se a mens legis da atual lei do inquilinato fosse para excluir aqueles entes da Administração Indireta, de direito privado, da aplicação das regras relativas às locações comerciais, o legislador com certeza teria mencionado no parágrafo único do art. 1º aludido, com fez com as Fundações Públicas [23] que não estavam arroladas do Decreto 24.150/34, e nem na Lei 6.649/79, e passaram a constar neste novo texto legal. Isto, por si só, demonstra que o legislador de 1991 desejou excluir das regras locatícias privadas somente as pessoas jurídicas de direito público (i.e., a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as Autarquias e as Fundações Públicas), nada referindo-se aos entes paraestatais revestidos da natureza de direito privado.

33. Frisa-se, mais uma vez, que não há nada na lei locatícia atual, vedando a sua aplicação às sociedades dede economia mistas e empresas públicas. Desta maneira, “não cabe ao intérprete distinguir aquilo que a lei não distinguiu” (urbis lex non distinguit nec nos distinguire debemus[24]

34. É curial destacar que o Tribunal de Justiça de São Paulo[25] entendeu, em situação semelhante, a sub censura que, nos casos de audiência de justificação em ações possessórias, própria para pessoas jurídicas de direito público conforme prevê o parágrafo único do art. 928 do CPC, as sociedades de economia mista não estariam ao abrigo da restrição deste dispositivo por não serem de direito público, in verbis: ” A sociedade de economia mista, ainda que constituída com capital público majoritário, não se insere entre as pessoas jurídicas de direito público, não ficando, assim, ao abrigo da restrição do parágrafo único do art. 928 do CPC”.

35. Portanto, o entendimento acima esposado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo aplica-se perfeitamente ao caso em questão, por não ser a sociedade de economia mista ente da Administração Direta, com personalidade jurídica de direto público. A restrição prevista nas leis locatícias referenciadas, para excluir do âmbito de sua aplicação, é válido somente para os entes da Administração Direta e não para os da Administração Indireta sobre as quais a norma legal nada mencionou. [26]

36. Então, por força da própria lei de locações atual, não há como se negar vigência desta quanto à possibilidade jurídica de ser proposta a ação renovatória de imóvel urbano em face de sociedade de economia mista.

37. Conclui-se, assim, pela possibilidade jurídica da ação renovatória em face das sociedades de economia mista (i) pela natureza jurídica de direito privado destes entes e (ii) por vão haver nada em lei que impeça tal pretensão.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.
  2. O art. 32 do Dec. 24.150/34, ab-rogado pela Lei 8.245/91, previa o seguinte, in verbis: “As regras da presente lei não se aplicam às locações em que a União, os Estados, os Municípios e as Autarquias forem parte”.
  3. O parágrafo único do art. 1º da Lei 8.245/91 prevê, in verbis:”art. 1°(…)Parágrafo Único: Continuam reguladas pelo Código Civil e pelas leis especiais:a) as locações;1. de imóveis de propriedades da União, dos Estados e dos Municípios, de suas Autarquias e Fundações Públicas;(…)”
  4. Tal entendimento está fulcrado na analogia, conforme lição de J. Nascimento Franco e Nisske Gondo (in Ação Renovatória e Revisional de Aluguel, 5ª ed., Aão Paulo Ed. RT., p.72): (sic) “Admitindo-se, pois, que a sociedade de economia mista, as empresas públicas e órgãos congêneres integram, pelo menos quanto aos seus fins, a administração pública, porque executam tarefas que lhes são cometidas por ela, nada mais razoável do que analogicamente aplicar, para regular as locações que outorgam, as regras vigentes para a administração direta” (nossos grifos).
  5. Para os defensores desta tese não se trata de contrato de locação, mas de concessão remunerada de uso.
  6. O art. 5º., III, do Decreto-lei 200/67 define sociedade de economia mista como “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para exploração de atividade econômica, cujas ações com direito de voto pertencem em sua maioria à União ou entidades da Administração Indireta”.
  7. O caput do art. 173 e seu parágrafo 1º da C.F./88 dispõe o seguinte, in verbis:”Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei“. (nossos grifos)§ 1º. A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividades econômicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.(…)
  8. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (in Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1992, p.282) comentando acerca deste dispositivo constitucional assevera que “uma primeira ilação que se tira do art. 173, parágrafo único, é a de que, quando o Estado, por intermédio dessas empresas, exerce atividade econômica, reservada preferencialmente ao particular pelo caput do dispositivo, ele obedece, no silêncio da lei, a normas de direito privado. Estas normas são a regra; o direito público é exceção e, como tal, deve ser interpretado restritivamente.Outra conclusão é a de que, se a própria Constituição estabelece o regime jurídico de direito privado, as derrogações a esse regime somente são admissíveis quando delas decorrem implícita ou explicitamente. A lei ordinária não pode derrogar o direito comum se não admitida essa possibilidade pela Constituição”. (nossos grifos)
  9. In Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1994, p.70.
  10. caput do art. 237 da Lei n. 6.404/76 prevê o seguinte, in verbis:”Art. 237. A companhia de economia mista somente poderá explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou a sua constituição.” (nossos grifos).
  11. Francisco Amaral (in Direito Civil Brasileiro, Introdução, 1ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1991, p.90) comentando os critérios distintivos entre as normas de direito privado, a dos particulares.Esse critério é, também, insuficiente, pois nem sempre o Estado atua como titular do poder público. Coloca-se muitas vezes, em plano de igualdade com os particulares, principalmente nos atos de gestão patrimonial, isto é, nos atos normais de administração, quando se submete às normas de direito privado. Basear-se nesse critério seria conferir à vontade estatal valor jurídico superior à dos demais sujeitos, o que, em um Estado de Direito, é inadmissível ”. (nossos grifos.)É oportuna a lição do ilustre mestre, para demonstrar que a Administração, quando pratica atos de gestão, tais como locação de seus imóveis, os está praticando despida de seu poder de imperium, agindo como particular. Devendo, deste modo, submeter-se às regras de direito privado, como os demais particulares, em total respeito, inclusive, ao princípio constitucional da isonomia.Estes atos de gestão, praticados pela Administração, seja a Direta ou a Indireta, no que concerne o seu conteúdo e os seus efeitos, serão regulados pelo direito privado (cfr. Celso Antônio Bandeira de Mello, in Elementos de Direito Administrativo, 2ª ed.., São Paulo, Ed RT, 1991, p.113-114).
  12. In Direito Administrativo Brasileiro, 16ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1991, p.325.
  13. José Cretella Jr. (in Manual de Direito Administrativo, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, p.1989, p.103 e 106-107) ensina que “Tanto as empresas públicas como as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado regidas pelo direito comercial.(…)A sociedade de economia mista é sempre pessoa jurídica de direito privado. É sociedade anônima por ações. Seu modelo é traçado pelo direito comercial”.A propósito, vale citar também a lição de Themistocles Brandão Cavalcanti (in Princípios Gerais de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1945, p.356) acerca dos elementos constitutivos das sociedades de economia mista, que são para o saudoso publicista:a participação da pessoa jurídica e dos particulares na constituição do capital, i.e., como sócia da empresa;a participação também de ambos na administração;estrutura de direito privado , quase sempre sob a forma de sociedade anônima;a adaptação dessa estrutura ás exigências de direito público peculiares à generalidade dessas empresas, visando conciliar os interesses públicos, com as disposições gerais que presidem a organização da generalidade das sociedades de fins civis ou comerciais”. (nossos grifos)
  14. RDA 86/304.
  15. Ibid. p.330.
  16. Apud, Jorge Lobo, Fraude e Realidade e Integralidade do Capital Social das Sociedades Anônimas, RDM 70, p.56.
  17. Para Modesto Carvalhosa, “não basta que os bens compreendidos no capital sejam suscetíveis de avaliação em dinheiro. Muito mais importante do que isto é que os bens sejam perfeitamente executíveis e penhoráveis, sob pena de não terem os credores garantia efetiva nas suas relações com a companhia. Esse princípio é de observância absoluta na formação do capital social. Se os bens são impenhoráveis o se, pr ato voluntário, são declarados não-passíveis de execução, não podem ser eles conferidos ao capital social. Se isso ocorrer, haverá a possibilidade de se argüir a nulidade da conferência” (in Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 1º volume, São Paulo, Saraiva, p.385).Segundo Mentorell (in Sociedade de Responsabilidad Limitada, Edições Palma, 1989, p.116) ” cabe recordar, nuevamente, que em las sociedades de respnsabilidad, el aporte de sus sociosólo puede consistir em bienes determinados susceptibles de ejucución forzada…”Como preleciona Philomeno J. da Costa (in Anotação às Companhias, Ed. RT, 1980, p.150) ” procurando-se encontrar um critério abstrato de bem suscetível de avaliação em dinheiro para a sua contribuição em capital de sociedade por ações, parece que ela reside na sua penhorabilidade útil”. Por fim, para Denis Borges Barbosa (in Da Conferência de Bens Inatingíveis ao Capital das Sociedades Anônimas, RDM, 37. págs. 34/50), “decorre, daí (das três principais funções do capital social), que na formação do capital só possam entrar bens que sejam capazes de satisfazer os credores in extremis, ou seja, que sejam executíveis e penhoráveis (…) Deverão, além do valor de uso a empresa, ter valor de mercado, para serem alienáveis em benefício dos credores (…). Em geral, desta forma, os bens sem valor de troca, ou cujo valor de mercado seja dificilmente avaliado, não serão suscetíveis de capitalização”.
  18. Caio Mário da Silva Pereira (in Instituições de Direito Civil, vol. I, 1ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 1961, p.64) tratando acerca da aplicação da analogia, ensina que “o ordenamento jurídico deve conter a normação completa da vida social. Não podendo ter falhas nem é compatível coma a presunção da sabedoria do legislador, aliada ao caráter genérico da norma que esta deixa de conter, na sua abrangência, alguma situação não prevista. Quando vota a lei, o legislador tem os olhos voltados para o presente e para o futuro, enxergando os problemas a solver e o comportamento a disciplinar, de forma a envolver o que venha a ocorrer.Mas, isto não obstante, pode faltar uma disposição que regule especialmente determinada matéria, ou depois de lei em vigor é possível que a complexidade do comércio social sugira situações não previstas.E, se de um lado pode admitir-se o ordenamento jurídico perfurado e deficiente, e se de outro lado o juiz não se pode eximir de uma decisão sob pretexto de omissão da lei, a par de outras fontes de direito alinha-se a analogia, com caráter secundário, é verdade, mas como subsídio certo, preenchendo o que na norma faltou para resolver o problema não diretamente referido. Concilia-se, assim, a integralidade do ordenamento legal com a verificação de lacunas do direito positivo, lacunas, que são, portanto, meramente aparentes, já que todas as relações humanas se contêm na disciplina jurídica.Nota-se, assim, que a analogia como processo de integração das normas legais, está voltada aos casos não imaginados ou referidos pelo legislador. Só que, no caso em questão, o legislador dispôs acerca do tema, o que ele não desejou foi estender a aplicação de tal lei aos entes paraestatais.
  19. Pois, como cita Francisco Amaral (ibid., p.76), “há limites para o resumo à analogia não podendo aplicar-se analogicamente normas criadas para determinada hipótese excepcional aos casos que não apresentam tal característica (singularia non sunt extendenda)”.Para ilustrar o seu entendimento o aludido professor cita julgado onde entende-se que “as leis restritivas de direito e garantias não podem receber ampliação da parte dos intérpretes” (RT 152/666).Nota-se, então, que a aplicação analógica em referência está restringindo a aplicação da lei de locação, especialmente o direito à renovatória da locação de imóveis de propriedade de sociedade de economia mista, impondo, conforme lição de Vicente Ráo (in Direito e a Vida dos Direitos, v. 1, 3ª ed, São Paulo, Ed. RT, 1991, p.179/180), “uma oposição anormal ao preceito comum”. Cfr. também Alípio Silveira (in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol III, Rio de Janeiro, Borsói, p.251 e seg.) acerca da não-aplicação da analogia às leis restritivas de direito.
  20. É oportuna a lição de Karl English (in Introdução ao Pensamento Jurídico, 6ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, tradução de J. Baptista Machado, p.281) que assevera que “não podemos falar duma lacuna no Direito (positivo) logo que neste não exista uma regulamentação cuja existência nós representamos. Não nos é ilícito presumir pura é simplesmente uma determinada regulamentação, antes, temos que sentir a sua falta, se queremos apresentar a sua não existência como uma lacuna (…)”. (Nossos grifos.)
  21. Ibid., p.281.
  22. Paulo Nader (in Introdução ao Estudo do Direito, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, p.235/136) explica que “apesar de procedimentos distintos, a interpretação extensiva e a aplicação analógica da lei muitas são confundidas. Na interpretação extensiva o caso é previsto pela lei diretamente, apenas com insuficiência verbal, já que a “mens legis’ revela um alcance maior para a disposição”. (Nossos grifos.)
  23. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 restou sepultada qualquer discussão acerca da natureza jurídica de direito público das funções. Nesse sentido, inclusive, a jurisprudência já tinha se posicionado (RDA 156/226 e 160/85).É importante registrar, como cita Lúcia Valle Figueiredo (ibid, p.85) que autores como Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Antonio Bandeira de Mello e ela própria, entendiam que as fundações são pura e simplesmente autarquias. Assim revestida sua natureza de direito público.
  24. Como ensina Carlos Maximiliano (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 4ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1947, p.299) ao intérprete cabe cumprir a norma tal como ela é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressões.
  25. RT 694/97.
  26. Destaca-se, ainda, por oportuno, que o STF, através de suas súmulas 517 e 556, e o STJ, através de suas súmulas 42 e 150, valem-se deste mesmo entendimento para não estender às sociedades de economia mista a jurisdição da Jurisdição da Justiça Federal, conforme o aresto a seguir que está em linha com tal entendimento pretoriano, in verbis: ” I Á Justiça Federal não compete processa e julgar Ação Popular, qualificando entre os réus sociedade de economia mista (pessoa jurídica de direito privado), não mencionada entre as entidades públicas albergadas nas disposições do art. 109, I, da Constituição Federal …” (1ª Seção do STJ, rel. Min. Milton Luiz Pereira, Conflito de Competência 15.721 – RS – DJU de 15.04.96, seção 1, p.11.481).,. (nossos grifos).

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