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COORDENADOR

1. Senhoras e senhores, vamos prosseguir com o nosso seminário. Já começamos com um pouco de atraso e, portanto, vamos correr com o tempo. Teremos neste painel a abordagem de um tema interessante e atual, que é “A Arbitragem e a Solução de Conflitos Societários”, não apenas em função da arbitragem ter sido agora colocada expressamente dentro da Lei de S.A., mas por também a arbitragem ter sido agora colocada expressamente dentro da Lei de S.A., mas por também a arbitragem em si estar festejando cinco anos de existência, a partir da Lei 9.307 de 1996, e que tem sido objeto de muito debate e de muita discussão e que tem levado muitos de nós a aparecer e fazer exposições em seminários e congressos, versando sempre sobre a arbitragem comercial, seja ela nacional ou internacional.

2. No nosso painel, teremos, como relator, o Dr. Pedro Martins e como debatedores, o Dr. Teóphilo de Azevedo Santos, o professor Guido Soares e o Dr. Luiz Leonardo Cantidiano. O expositor, Dr. Pedro Batista Martins, é professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, da EMERJ; é o Diretor Jurídico da Embratel, e foi membro muito atuante da Comissão Relatora do Anteprojeto da Lei sobre Arbitragem, do qual decorreu a Lei 9.307. É orientador de teses e monografias relacionadas ao Direito Empresarial, Delegado Brasileiro, nomeado para integrar a Comissão Relatora do Regulamento Modelo de Arbitragem para o Mercosul, Chile e Bolívia; é autor de livros sobre Direito Comercial e sobre Arbitragem, e com vários artigos publicados sobre esses temas. É membro também do Corpo de Árbitros do Centro de Conciliación y Arbitraje para el Mercosur, da Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, do Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco-CEMAP, do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Argentino – Brasileira de São Paulo, do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio de Minas Gerais e é um profundo conhecedor do tema arbitragem e é um bom amigo meu, e ele não colocou no currículo dele – o Condorcet até me pediu para não falar sobre isso – mas na verdade ele é primo do Condorcet e é um parentesco que, até onde eu sei, ele procura ocultar…Passo a palavra para o Pedro, lembrando que o expositor terá 30 minutos e os debatedores terão, cada um, 12 a 15 minutos, em função do tempo que haverá disponível.

PEDRO BATISTA MARTINS

3. Então, os senhores já descobriram as duas razões por eu ter sido convidado para participar desta Mesa…

4. Bem, é um prazer enorme estar com vocês e o tema é interessante e sem dúvida vai surtir muita discussão e muito debate na doutrina e na jurisprudência. Por sinal, devo dizer que vou trazer uma opinião, talvez um pouco agressiva para alguns, mas acho que já devíamos iniciar o debate com relação ao instituto da arbitragem nas relações societárias, no campo das sociedades anônimas.

5. A previsão do juízo arbitral em sede social é quase tão antiga quanto o próprio instituto no direito positivo brasileiro. A primeira Constituição Política do Império, de 1824, tratava da possibilidade de se resolverem disputas entre nacionais e estrangeiros, por via da arbitragem. Já naquela época, na primeira Constituição política, existi a possibilidade de que a arbitragem estabelecesse a cláusula sem recurso, ou seja, a decisão seria irrecorrível e definitiva.

6. Surge em sede societária, com o advento do Código Comercial de 1850. O Código Comercial trouxe uma série de dispositivos, com relação ao juízo arbitral, nos casos de quebra, em alguns contratos que vinham dispostos no Código Comercial e, também, no campo das sociedades que compunham aquele Código ainda vigente até hoje. Na época, existiam duas modalidades de arbitragem: a chamada arbitragem necessária e a arbitragem facultativa ou voluntária. Por força do Artigo 294 do Código Comercial, combinado com o Artigo 302, quando da constituição de uma sociedade, os sócios fundadores já deveriam dispor sobre a forma de nomeação dos árbitros para juízes das dúvidas sociais. Era esse o dispositivo constante do Código Comercial. Então, era, pois, necessária, ou seja, obrigatória a solução dos conflitos societários existentes entre os sócios e aquelas resultantes de liquidação da sociedade e de partilha do seu acervo.

7. Para as demais controvérsias, existia a oportunidade de os sócios, de as partes estabelecerem, de comum acordo, a arbitragem para a solução, por exemplo, das questões, das divergências, oriundas entre sócios e empresa. Então, vimos que o divisor de águas era a autonomia da vontade; por um lado, ela estava totalmente deslocada porque a arbitragem era necessária – repito – na controvérsia entre os sócios e naquela resultante de partilha do acervo social e da liquidação da sociedade. E era facultativa, ou seja, imperava o princípio da autonomia da vontade nas demais contendas.

8. Esse duplo sistema, a arbitragem necessária e a arbitragem facultativa, não demorou muito tempo no nosso sistema legal. Vocês vejam, em 1850 o Código Comercial dispõe e em 1866, uma Lei – a Lei 1.350 – retira do nosso sistema legal a possibilidade da arbitragem obrigatória. Essa Lei veio por obra e graça do Ministro da Justiça, então integrante do Gabinete de Olinda, Dr. José Tomás Nabuco de Araújo, pai do nosso Joaquim Nabuco.

9. Posteriormente, logo no ano seguinte, ele introduz também, por força de sua manifestação e esforço, o chamado Decreto 3.900. Esse Decreto veio para regular o juízo arbitral.

10. …E é o grande mal da arbitragem, é o grande culpado pela arbitragem não ter até hoje ou até a edição da Lei 9.307 se desenvolveu no Brasil, porque, com a perspectiva de regular o juízo arbitral, na realidade, ele acabou pr aniquilar esse instituto. Por quê? Porque transformou a cláusula compromissória num caput mortum, exigindo para a eficácia da arbitragem a assinatura do chamado compromisso. Então, nos tínhamos uma cláusula compromissória inserida num contrato social; surgida a controvérsia, as partes deveriam firmar o compromisso para, aí sim, produzir a eficácia negativa de afastar a jurisdição estatal. Então, criou um empecilho, empecilho esse que não foi desobstruído a não ser através da edição da Lei 9.307 de setembro de 1996.

11. Hoje, nós temos um anteprojeto, que está sendo trabalhado numa comissão de ilustres, um anteprojeto de reforma das sociedades por cotas, onde se dispõe também sobre a arbitragem e tivemos agora a recente reforma da Lei das S.A. trazendo novamente, retomando, revitalizando o instituto em sede societária. No meu modo de ver, isso advém de necessidades prementes, em razão do dinamismo empresarial, da criatividade e agilidade dos agentes desse mercado, aliada à alta competitividade que impõe à empresa uma solução rápida e especializada aos impasses sociais.

12. Além disso, a sofisticação das relações societárias reclama realmente um aprimorado grau de especialização daquele que vai tratar da matéria controversa no campo societário. A vantagem basicamente é a da especialidade do árbitro, do julgador, e também da celeridade na resposta ao conflito. Nós sabemos que um sem número de conflitos societários tem por origem o descumprimento de obrigação de fazer ou de obrigação de não fazer. Tais obrigações normalmente, não raro, são voltadas para a prestação de uma declaração de vontade, que depende, para sua efetividade, de uma sentença que assegure, após o mérito, apõe todo o procedimento ordinário, que lhe assegure uma execução específica. Essa é a sistemática do nosso Código de Processo Civil, através do Artigo 461, que se direciona às ações para cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, aliada aos Artigos 632 e 642, voltados estes à concretização das sentenças condenatórias.

13. Dado que a tutela liminar, nos casos de obrigação de fazer ou não fazer, fica sempre a depender cumulativamente da relevância do fundamento da demanda e do receio justificado de ineficácia do provimento final, é comum nesse tipo de discussão societária que a liminar não comporta muitas vezes uma tutela antecipada e a liminar acaba tendo um caráter mais instrumental. Nesse sentido, vamos ter o mesmo procedimento se instituída a arbitragem: teremos que ter um mérito, a tutela, o provimento cautelar, será possivelmente, na maioria das vezes, de caráter instrumental, colateral; será emitido pelo árbitro – essa é uma posição interessante e é importante que tenhamos em mente que é o árbitro quem analisa o pedido cautelar e é ele quem concede ou não o pedido cautelar. Caso concedido e a parte não cumpra, caberá então ao Poder Judiciário, através do seu poder de coerção, impor a decisão do árbitro.

14. No campo da arbitragem, pelo visto nós teremos o mesmo procedimento, só que se espera (e se concretizará) com muito mais rapidez. Aquela sentença de mérito que devemos percorrer no Poder Judiciário, primeira, segunda e terceira instância, para, aí sim, termos a sua conclusão e ela ser passível de uma execução específica, será no juízo arbitral, sem possibilidade de recurso muito mais rápido e possivelmente se resolverá em dois ou três meses, quatro meses, dependendo da matéria e dependendo de como se institua a própria arbitragem. Então, vejam bem, uma das grandes vantagens que vejo em se determinar a arbitragem no campo societário é a celeridade da decisão. Uma indagação que fica é a seguinte: precisávamos ter um dispositivo expresso numa lei de reforma da Lei das S.A. estabelecendo ou viabilizando o juízo arbitral no campo societário para que, aí sim, pudéssemos estabelecer as cláusulas compromissórias nos Estatutos Sociais? No meu modo de ver, não. Com ou sem esses dispositivos, a partir da introdução no cenário nacional da Lei 9.307, era passível de se resolverem disputas societárias através de arbitragem, bastando que as partes introduzissem a cláusula compromissória. Eu entendo que essa inserção por parte do legislador vem a demonstrar claramente a inclinação do legislador, a indução do legislador aos sócios das empresas para que se utilizem dessa via de resolução de conflitos, uma via amigável de solução de conflitos.

15. Eu tenho claramente como uma inclinação ou mais além, trata-se de um favor legal arbitral e nós temos visto em outras jurisdições, jurisdições estrangeiras, nas quais o favor legal arbitral tem sido validado. Por exemplo, no caso dos Estados Unidos, o Poder Judiciário flagrantemente, em dezenas de decisões, inclusive na Suprema Corte, menciona o favor arbitral para decidir determinadas controvérsias em prol de arbitragem, ou seja, na dúvida, pró-arbitragem. Por exemplo, discussões quanto à extensão da cláusula compromissória, discussão sobre a arbitrabilidade de determinado litígio, os tribunais judiciais têm entendido que o legislador busca favorecer a arbitragem nessas e em várias situações e daí, então, em caso de dúvida, eles remetem as partes à solução arbitral.

16. No Brasil, nós temos visto isso, e o caso aqui, da Lei das S.A., no meu modo de ver, é uma inclinação claramente favorável à arbitragem. A própria Lei de Arbitragem já traz o favor legal arbitral, quando estabelece, no seu Artigo 8°, a chamada “autonomia” da cláusula compromissória, estabelece a competência-competência do próprio árbitro, estabelece hipóteses reduzidas de revisão do ludo arbitral – é o chamado “favor do laudo”. Se formos ver agora, recentemente, França e Suíça, para se interpretar a validade e a execução da cláusula arbitral, têm estabelecido parâmetros de ordem pública internacional para favorecer a validade da cláusula compromissória. No Brasil, as leis no campo administrativo, a Lei do Petróleo, a Lei de Telecomunicações, a Lei de Permissão e Concessão de Serviços Públicos, todas elas trazem em seu bojo um favor legal. Não se trata aqui de uma autorização, como alguns pensam, para se viabilizar arbitragem no campo dos contratos administrativos, porque essa tese já foi afastada e aplica-se hoje o conceito de jus gestione e jus imperium.

17. Então, temos, sim, o favor arbitral e talvez seja com base nessa premissa que nós devamos trabalhar um pouco as controvérsias que surgirão à frente, com relação à arbitragem no campo das sociedades anônimas.

18. Um aspecto também muito polêmico é o problema da arbitragem obrigatória. Eu sou um dos poucos, ao lado do meu querido Carlos Henrique Fróes, que entende viável no Brasil, mesmo existindo o Artigo 5°, inciso 35, da Constituição Federal, se adotar um sistema de arbitragem obrigatória.

19. Não é o âmbito do nosso debate, mas vale a pena mencionar e por curiosidade, nós temos hoje a Medida Provisória 2.221, que estabelece a arbitragem compulsória, a arbitragem necessária. Está lá, no seu Artigo trinta e qualquer coisa, que no outro dia, o professor Humberto Teodoro Júnior me chamou a atenção, ele espantado e eu, bastante grato, com essa introdução. Obviamente, a questão da inconstitucionalidade será abordada.

20. Arbitragem no campo das sociedades: o primeiro aspecto que se tem que analisar é a natureza jurídica da companhia, do Estatuto Social. A arbitragem tem fonte contratual e produz os seus efeitos no campo do Direito Processual. Então, ela tem uma fonte clara contratual. A sociedade anônima também, apesar de algumas discussões, tem uma natureza contratual; a sociedade anônima é de natureza pluralista, ou seja, o estatuto é tido como contrato plurilateral. Logo, nós já podemos admitir viável a inserção de um dispositivo relativo à arbitragem num estatuto social: quando da fundação de uma sociedade, todos os sócios estão de acordo, não existirá problema algum com relação à existência da cláusula compromissória e a sua própria eficácia. Quando se introduz por maioria de votos, aí, sim, é que nós teremos algumas discussões a respeito desse tema.

21. Primeiramente, eu só queria mencionar que se for introduzida majoritariamente para resolver disputas entre os sócios, eu entendo que ela não será aplicável, caso a discussão entre os sócios diga respeito exclusivamente aos sócios, ou seja, afete unicamente o patrimônio dos sócios, sem qualquer reflexo ou impacto negativo na sociedade anônima.

22. Nesse caso, entendo eu, que precisará da manifestação da vontade do outro sócio, porque diz respeito a um aspecto direto e exclusivo do próprio sócio, sem qualquer efeito na sociedade. Caso aquela controvérsia tenha impacto negativo na sociedade, quero crer que ela se aplicará ao sócio, mesmo que ele não tenha manifestado formalmente a sua aceitação.

23. Diferentemente, no caso das relações sócio-empresa, eu quero crer que a introdução da cláusula compromissória no estatuto social por maioria de votos tenderá a ser válida e eficaz e produzirá todos os seus efeitos de direito, porque a repercussão nesse caso é de outra natureza. A repercussão jurídica trafega, no meu modo de ver, em outro ambiente, no ambiente de interesses superiores, mais abrangentes, permeia o campo dos interesses sociais. Aqui, o bem jurídico a proteger é a coletividade. Como diz Vivante, o contrato de sociedade transforma interesses individuais e divididos dos sócios em interesse coletivo. Aqui, é importante que tenhamos essa repercussão da transformação dos interesses dos sócios, interesses divididos e individuais, em interesses sociais, em interesses coletivos.

24. Eu entendo então que a introdução por maioria afetará os sócios minoritários que deverão com ela finalmente acatar. Por quê? Porque a deliberação espelha um consenso, um escopo comum. O fim desejado é o fim social e aí a indagação que eu faço – e não vejo problema algum: qual seria o dano compromissória, em se estabelecer um rito de solução pacífica dos litígios através de uma outra jurisdição onde se tenha a independência do árbitro, a imparcialidade, o direito à ampla defesa, ao contraditório, enfim, onde o due process of law está assegurado, sem falar nas hipóteses de revisão pelo Poder Judiciário, que constam do Artigo 32 da Lei.

25. Essa deliberação, à primeira vista, se alinha sob os ângulos intrínsecos e extrínsecos com os elementos essenciais do ato jurídico, quais sejam: é uma prestação lícita, é passível de realização, o objeto da arbitragem é determinado ou determinável, não viola bons costumes, segue a forma contratual e os agentes são capazes. A questão se torna um pouco mais complexa quando nós defrontamos essa deliberação com o Artigo 4°, parágrafo 2°, da lei das S.A., e o artigo 5°, inciso 35, da Constituição Federal, porque, de acordo com o artigo 145 do Código Civil, “será nulo o ato jurídico, quando a lei taxativamente o declarar ou lhe negar efeitos”. O Artigo 4, Parágrafo 2°, trata dos contatos de adesão. Diz a Lei de Arbitragem que, nos contratos de adesão, a Cláusula Compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição, desde que por escrito, em documento anexo ou negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

26. Eu gosto muito particularmente desse rabicho que ficou “desde que, etc.”, porque, na realidade, isso foi introduzido pela Comissão dita de Proteção da Minoria e de Defesa do Consumidor e veio apenas para causar um tumulto na interpretação desse dispositivo. Mas, enfim, essa cláusula, a cláusula compromissória, resumidamente, quando inserida em contrato de adesão, só produz os efeitos de direito se o aderente quiser, depois de surgida controvérsia. Esse é o significado desse dispositivo. Nós temos que entender que esse dispositivo é extremamente excepcional. Por quê? Porque a Lei de Arbitragem, quando veio, veio justa para viabilizar, tornar possível, aquilo que tinha um obstáculo, que era o problema da ineficácia da Cláusula Compromissória que eu mencionei, em virtude do Decreto 3.900. Então, o legislador deu um contorno todo jurídico à Cláusula Compromissória, que passou com a edição da Lei 3.907 a produzir as eficácias positiva e negativa, tal qual existe em qualquer jurisdição estrangeira.

27. Então, vejam bem, essa regra de exceção veio por uma razão muito simples: na época da elaboração do anteprojeto e da tramitação do projeto, havia-se revogado um dispositivo do Código do Consumidor, que traria uma certa dúvida com relação à aplicabilidade da arbitragem. Então, subtraiu-se do Código do Consumidor o Inciso 7 do artigo 51; tirou-se com uma das mãos e colocou-se com a outra, através dessa exceção à regra de validade plena da Cláusula Compromissória.

28. Quis o legislador proteger basicamente o hipossuficiente. Essa cláusula se volta para aqueles contratos que são formatados para contratação em massa, são contratos onde existem as cláusulas uniformes, enfim, onde existe o hipossuficiente, a parte fraca e é para ele, para esse tipo de situação que essa cláusula se volta, basicamente para os contratos típicos de adesão. Esses contratos de prestação de serviços, fornecimento de produtos ligados às relações consumeristas divergem conceitual e instrumentalmente dos contratos de sociedade. Naqueles, nós temos um individualismo, nós temos um interesse egoísta, como eu mencionei, a predeterminação das cláusulas, do conteúdo do contrato, as chamadas cláusulas padrão.

29. No contrato de sociedade, a situação é diferente. Ele foge aos tradicionais escopos do Direito Contratual. Não há no contrato de sociedade antagonismo, não há repartição de bens, o contrato de sociedade não é sinalagmático, não há reciprocidade de obrigações. Ao contrário, a parte tem obrigação para com todas as outras partes. Neste caso, sobreleva-se a cooperação, o interesse comum. É um contrato plurilateral, nas palavras, na tese clássica que todos conhecem de Tullio Ascarelli. Nesse sentido, parece-me que esse dispositivo da Lei de Arbitragem não irá se aplicar aos contratos de sociedade, porque, a se considerar que o estatuto social seria do tipo de adesão, nos moldes em eu estamos tratando, deveríamos ter uma manifestação para cada alteração estatutária.

30. O outro aspecto que nós vamos enfrentar – esse talvez com mais vigor – é o problema do Artigo 5° da Constituição. Estabelece o Inciso 35 que a Lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a Direito. Eu acho que esse Artigo 5° da Constituição deve ser enfrentado à luz das particularidades que norteiam o Direito Societário. O Direito Societário é eminentemente majoritário. As deliberações são todas adotadas por maioria, salvo aquelas que determinem quórum qualificado e salvo uma ou outra, que eu me recordo, de unanimidade, aquela de transformação do tipo societário. Então, vige o pressuposto majoritário. Eu entendo que existem diversas deliberações, inclusive do dividendo mínimo obrigatório, que afetam diretamente o patrimônio dos sócios, e os sócios não têm como não acata-las: ou se retiram da sociedade ou as acatam. Outras deliberações, nem direito de retirada eles têm.

31. Esse é o sistema societário e é o sistema da sociedade anônima. Como é que ficaria o problema da manifestação da vontade do sócio minoritário? Introduz-se a cláusula compromissória por deliberação majoritária e como fica a manifestação versus o artigo 5°, inciso 35, da Constituição Federal? No meu modo de ver, essa manifestação advirá do próprio comportamento, da externalização do comportamento do minoritário. Nós poderemos ter uma manifestação tácita. Ora, existe a Ordem do Dia, a deliberação, a aprovação, arquivamento no Registro de comercio e queda-se silente o minoritário. De preferência, informa-se nas Certificado de Ações, informa-se a Bolsa, a CVM, a existência de Cláusula Compromissória, ou seja, dá-se publicidade ao fato e o minoritário queda-se silente. Esse fato, esse comportamento do minoritário assume no mundo jurídico, no meu modo de ver, efeitos práticos tutelados pelo Direito.

32. Na realidade, essa é a opinião, inclusive, de Vicente Rao, para quem, ao tratar das várias formas de manifestação da vontade, entende como sendo uma delas, um dos seus tipos, a declaração implícita, digamos, pela inércia da outra parte. Parece-me que seria natural, justo, que se gere uma expectativa na sociedade, nos sócios, da validade dessa Clausula Compromissória, frente a uma conduta do minoritário. E veja bem, até onde eu posso avaliar, a inserção de uma Cláusula Compromissória no Estatuto Social, mesmo por maioria, não causa dano, não fere interesse social e não causa dano patrimonial ou político a qualquer dos seus componentes. Parece-me que para a segurança e confiança das relações jurídicas, notadamente aquelas de cunho societário, deverá prevalecer essa deliberação, pois, no meu modo de ver, em linha com a própria sistemática e dinâmica do Direito Societário, em linha também com o favor legal que vem hoje acoplado à reforma da Lei das S.A.

33. Um tema que eu não trouxe a debate, mas que talvez os demais expositores possam analisar, seria que tipos de controvérsias seriam passíveis de solução pela arbitragem. Esse é um tema extremamente debatido fora do Brasil. Na França, por exemplo, expulsão de sócio – aí, já estou tratando de sociedade por cotas basicamente – não era passível de solução por juízo arbitral; hoje já é. A liquidação da sociedade, a extinção da sociedade, em algumas jurisdições, não é passível de solução pelo juízo arbitral, porque dizem que afeta interesse de terceiros, credores, empregados, etc., enfim, também é um tema bastante vasto, que vai gerar uma série de interpretações e o meu tempo já se esgotou e fico por aqui e agradeço novamente o convite. Vocês já sabem a razão, primo do Condorcet e ….Ana Paula Arósio, foi uma pena para os senhores e seria melhor do que a minha presença.

34. Agradeço aos participantes da Mesa e retorno a palavra ao meu caro amigo Teixeira Pinto, Obrigado.

COORDENADOR

35. Obrigado Pedro. A sua exposição foi bem clara, com certeza, vai gerar alguma polêmica. O Pedro omitiu uma grande qualidade dele e que eu me insiro nessa qualidade, é que somos ambos botafoguenses e tinhosos, aqueles que acompanham o time…

36. Continuando com o nosso painel, eu tenho a satisfação de passar a palavra ao professor Teóphilo de Azevedo Santos e fico particularmente satisfeito porque é a primeira vez que eu componho uma Mesa com ele, e dessa vez eu na Presidência e ele como palestrante. Portanto, eu acho que vou poder me vingar dele de certa forma, em controlar o tempo em que ele irá falar, porque ele já o fez em várias ocasiões em que estive como expositor, e ele foi professor de todos nós, é Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estácio de Sá e Professor do seu curso de Mestrado e da UERJ. É também professor da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, EMERJ, Conselheiro da OAB-RJ e Membro do seu Conselho de Ética e Disciplina, Presidente da Comissão de Arbitragem da Associação Comercial do Rio de Janeiro e também, last but not least, das Câmara do Comércio Internacional do Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional.

37. Professor, o senhor terá 12 minutos e será vigiado…

TEÓPHILO DE AZEVEDO SANTOS

38. Como mineiro, vou acabar um segundo antes… Eu queria, em primeiro lugar, manifestar a minha satisfação porque na Mesa só estão amigos que respeito e admiro, e o professor Carvalhosa, que é figura conhecidíssima de todos nós.

39. E uma razão particular, já que todo mundo fala em família, é que está aqui, comigo, minha sobrinha preferida, a Dra. Cláudia de Azeredo Santos, que é chefe do Jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional e que é o terror dos advogados, porque realmente é uma advogada minudente e difícil na defesa dos interesses da companhia.

40. Bom, vou versar alguns temas, rapidamente, para ficar no prazo que foi fixado pelo sádico Presidente. A pouca cultura arbitral no Brasil decorre de vários fatos: o primeiro e o mais importante é que realmente a arbitragem no Brasil não era arbitragem porque a decisão arbitral não tinha a força e a execução que tem no mundo inteiro. Aliás, eu não gosto da expressão sentença arbitral porque acho que sentença é para o magistrado, é decisão lado arbitral e não sentença. A segunda razão é um pouco psicológica, mas eu senti na pele, quando presidi recentemente, na Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, um seminário sobre arbitragem…

41. …A segunda razão é um pouco psicológica, mas eu senti na pele, quando presidi recentemente na Associação de Magistrados do Rio de Janeiro um seminário sobre arbitragem, eu percebi o receio de alguns magistrados da privatização da Justiça. E uma desembargadora, das mais inteligentes, realmente fez algumas reflexões, não radicalizando, mas demonstrando preocupação. Não existe nenhum país no mundo … no país onde há mais arbitragem, o Poder Judiciário se manteve com todas as suas funções e seu prestígio e não houve queda em nenhum país do mundo, especialmente aqueles onde há mais decisões, com Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, etc.

42. A outra razão é o problema da divulgação. O BID está tão interessado em divulgar a arbitragem no Brasil que nomeou uma Comissão em Brasília para estimular a arbitragem no Brasil e é presidida por um velho e querido amigo meu, o embaixador Baena Soares e, portanto, eu acredito que as Câmaras de Arbitragem terão um estímulo muito grande com essa participação.

43. Quero destacar também a importância da contribuição do professor Pedro Batista Martins e de advogados de São Paulo e de Pernambuco e essa Lei se chama Marco Maciel porque foi o Senador que a apresentou. O fato de a lei se chamar Marco Maciel – quer dizer, o leigo pensa que foi ele quem a redigiu, mas não, ele apenas teve o mérito de apresenta-la.

44. Há uma lei muito interessante, que pouca gente conhece o autor, é uma lei sobre o novo conceito de arbitragem comercial e foi apresentada pelo Jarbas Passarinho, que é um militar. É claro que foi algum advogado que a preparou e levou para ele. Assim como existe uma única lei no Brasil – que eu conto sempre para os meus alunos – que foi aprovada por um Ministro do Exercito, Marinha e Aeronáutica. É uma lei de Direito Comercial. É a lei sobre Alienação Fiduciária em Garantia, que é ótima porque não teve a participação nem do Ministro do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

45. A Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que ganhou enorme respeitabilidade no Brasil e no exterior, resolveu o problema do empate na votação das assembléia dos acionistas. E houve um momento em que alguns professores aplicavam até o sistema de sorteio. Ficaram silentes sobre o assunto o Decreto n° 434, de 1991 e o Decreto-Lei 2.627, de 26 de setembro de 1940, provocando conflitos de interpretação entre Carvalho Mendonça, Valverde, Waldemar Ferreiras, Ruy Carneiro Guimarães e tantos outros.

46. A Lei 6.404, no Inciso 2° do Artigo 128 resolveu esse problema, fixando, no caso de empate se o Estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma adversa, a Assembléia será convocada com um intervalo mínimo de dois meses para votar a deliberação.

47. Se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir no interesse da companhia.

48. Eu tive um caso interessante em que empatou a votação, era um aumento de capital, e, na verdade, interessava à companhia porque, naquela época, o aumento de capital provocaria um benefício fiscal para a empresa, mas havia os sócios estrangeiros, querendo forçar o único brasileiro a vender as suas ações – que só vendeu muito tempo depois, a meu conselho, por um valor dez vezes maior – então, eu fui ao Poder Judiciário que decidiu no interesse da empresa. Então, o Poder Judiciário tem um poder de decisão e qual é a decisão dele? É claro que o juiz não é um empresário, não é um comerciante, e ele vai ter que examinar o caso que lhe é exposto e, portanto, ele vai decidir de acordo com a Lei, mas sempre orientado no interesse maior da companhia, não só para proteger os acionistas, mas também os empregados, os credores e o próprio Estado.

49. Ele fez uma bolota e diz que é seis, mas bolota, para mim, é zero e como ele foi meu aluno, então, zero para ele também. Eu tinha um professor de desenho que quando o aluno respondia uma pergunta totalmente errada, ele pegava o compasso e dava um zero… Eu não mereço esse zero… ainda, por enquanto.

50. A Lei de Arbitragem, depois dessa explicação do professor Pedro Baptista Martins – eu estive com o ministro Nelson Jobim num seminário na Escola de Magistratura, e ele está certo de que certamente no primeiro quadrimestre do ano o assunto estará resolvido, porque quanto ao problema da discussão no Supremo só faltam dois votos, a maioria já está a favor e, portanto, se houver algum contra, vai ser só um. Não sei, mas só desconfio de mais um…

51. A Lei atual, n° 10.303, de 21 de outubro de 2001, manteve in totum essa regra da lei anterior. O primeiro conselho prático é sobre a conveniência desse permissivo legal ser previsto no Estatuto da S.A. Alguns advogados têm receio de que, estando no Estatuto, amanhã algum juiz possa alegar que, com a mudança do controle acionário, o novo acionista não estar ad stritu obrigado a cumprir essa norma. Eu acho que essa norma, se estiver no Estatuto – e aqui está…. as partes, enquanto não for modificado o Estatuto, ela obriga não só os sócios como também o controlador e a própria sociedade.

52. As Câmaras de Arbitragem qualificadas – eu uso a palavra “qualificada” porque a Polícia Federal já está atrás de um tribunal, que dá uma carteirinha de Juiz Arbitral, paga R$ 10.000,00 – muita gente está pagando, no interior, para ser árbitro de um tribunal arbitral.

53. Portanto, há muitos tribunais arbitrais que tem de tudo, menos de tribunal e de arbitral. Parece-me o caso da Companhia Vale do Rio Doce que não tem vale, não tem rio e não tem doce… Ainda bem!

54. Então, as Câmaras de Arbitragem qualificadas e que já foram criadas vão atender a nova realidade, com a internacionalização da economia, a globalização dos mercados e o processo de privatização, além de mais intensa formação de……., constituíram importante instrumento para a maior utilização desse instrumento de solução de contratempos.

55. Algumas observações resumidas para aproveitar o tempo concedido. Primeiro, o estímulo à mediação, processo mais rápido e de custo menor, especialmente com as novas modalidades, aprovadas em julho último, pela Câmara de Comércio Internacional. A Câmara de Comércio Internacional, as chamadas ADR – que não tem nada com o nosso ADR financeiro, porque é ….. Despi…Resolutions, são normas, várias normas, de modalidades diversas de mediação, e acredito que no Brasil, realmente, a mediação vai ser maior do que a arbitragem. A arbitragem vai ser de grandes casos, é claro, mas a mediação vai ser facilitada e especialmente com as entidades comerciais,….serviço, onde a disputa pode ser resolvidas por mediação.

56. A Convenção de Nova York, de 1958, destinada a reduzir o número de disputas levados aos tribunais e a viabilidade do resgate do ideal de justiça rápida, com mais de 100 ratificações de países de diferentes regiões do mundo, só agora está no Congresso Nacional, em mensagem presidencial de 1999. Eu procurei todos os Ministros das Relações Exteriores e apresentei uma proposta que eu tinha feito no Instituto dos Advogados e aprovada por unanimidade, no sentido de o Brasil aderir a essa Convenção. O único que realmente conseguiu levar adiante o assunto foi o ministro Lampreia, e está no Congresso para ser ratificado.

57. Terceiro: arbitragem relativa a contratos administrativos devido à doutrina quanto à sua validade, mas a maioria reconhece que em se tratando de direitos disponíveis, em especial a questões financeiras e comerciais, elas podem ser formalizadas. Entretanto, aí está uma novidade ruim, está no Congresso Nacional proposto do Governo, no sentido de alterar-se a Constituição para fixar esta regra – então, já tem um projeto. Liguei hoje para saber como está, está parado, porque estão cuidando de outros assuntos. Ressalvadas as entidades de Direito Público, os interessados em resolver os seus conflitos de interesses poderão valer-se do juiz arbitral, na forma da lei. Então, ressalvadas as entidades de direito público, então, praticamente, a arbitragem,…. fase administrativa, infelizmente vai ficar confinada a poucos casos.

58. Quarto: em recente conversa que mantive com o professor Jacob Dollingher, acertamos preparar um texto para apresentar ao ministro Celso Láfer – esse vai andar mais rápido – com o escopo de ratificar-se a Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicado aos Contratos Internacionais, de 1994. Esta convenção corresponde à Convenção Européia sobre a lei aplicada às obrigações contratuais, de 1980, que vige em 15 países europeus.

59. Quinto: Já estão em vigor as regras de arbitragem sobre contratos marítimos, aprovadas pela ABDM, Associação Brasileira de Direito Marítimo, que ira realizar, em 2002, curso de Direito Marítimo para advogados. No Brasil, há uma carência de advogados especializados em Direito Marítimo.

60. Sexto: Em homenagem ao Condorcet: os enormes contratos comerciais decorrentes dos esportes determinou a criação, em Lausanne, na Suíça, do Tribunal Arbitral do Esporte, há 18 anos, integrado por ….juízes do mundo inteiro, do qual, aliás, fiz parte da fundação.

61. Com isso, nós estamos sentindo o seguinte: que a arbitragem tende a crescer no Brasil, assim como a mediação, e para isso há necessidade do apoio de toda a sociedade para compreender que a arbitragem é uma solução amigável, pacífica e de solução controversa. Muito obrigado.

COORDENADOR

62. Obrigado, Professor. Eu esqueci de contar que o Gabriel Troianelli, que está na nossa extrema direita, é o responsável por esta mesa e, também, por fazer o papel de bad boy, porque é ele que leva os papeizinhos informando que o tempo está acabando, e o Pedro José, chegou num certo momento, nas conversas que tivemos anteriormente, para a montagem deste Seminário, sugerir – isto foi idéia do Pedro que felizmente não foi acatada – de ter alguma coisa como uma cadeira elétrica, um assento ejetor, alguma coisa assim, para, caso o expositor se prolongasse na sua exposição, ele seria simplesmente detonado, eletrocutado, ejetado.

63. Bom, acho que o Professor passou um minuto, que foi o minuto que ele dedicou à Claudia mas valeu., Passo agora a palavra ao professor Guido Fernando Silva Soares com quem há anos atrás, tive o prazer de estar à Mesa sobre arbitragem, naquela ocasião a arbitragem era pouco difundida, pouco conhecida e numa Mesa em que ele estava juntamente com o professor José Carlos Magalhães; conversou-se muito, uma tarde inteira sobre arbitragem O professor Guido Soares é professor Titular de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da USP; é responsável pelas disciplinas de Direito Internacional Público em Pós-graduação, e Direito Internacional de Meio Ambiente, também em Pós-graduação. É Ministro Conselheiro da carreira de diplomata do quadro especial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil; integrante da lista de árbitros brasileiros no âmbito de aplicação do Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias no Mercosul; membro de várias instituições privadas e oficiais de arbitragem no Brasil, entre elas o Tribunal Arbitral do Comércio de São Paulo; integra a lista de árbitros das Comissões de Arbitragem das Câmaras de Comércio Brasil-Canadá, sendo um dos sus fundadores e seu antigo Presidente da Câmara de Comércio Brasil-Argentina; Presidente da Comissão de Graduação da mesma Faculdade de Direito; serviu nas Embaixadas do Brasil junto às Nações Unidas e outras organizações internacionais em Genebra; e participou também, na qualidade de Delegado do Brasil em várias reuniões diplomáticas relacionada ao Mercosul e nas negociações de tratados e convenções internacionais relativas à propriedade intelectual. Eu vou me permitir passar por cima de alguns itens do currículo do Professor, que é extensíssimo, mas vou lembrar que ele escreveu vários livros e artigos em revistas especializadas brasileiras e estrangeiras, sobre temas de sua especialidade.

GUIDO SOARES

64. Muito obrigado, Dr. Luiz Fernando Pinto a quem agradeço muito esta palavra que me é dada e também queria agradecer pessoalmente ao Dr. Condorcet Rezende e ao Dr. Pedro José Fernandes Alves, Conselheiro e Coordenador do Seminário, sendo o Presidente d ABDF, ilustre Dr. Condorcet, que me dá a oportunidade, mais uma vez, de vir ao Rio de Janeiro. Para min é um colírio, com para todo bom paulista, sempre temos aqui no Rio de Janeiro: ver o mar, ver gente bonita, e ver esta cidade maravilhosa e, portanto, e um agradecimento que faço, ademais de estar nesta Mesa prestigiosíssima, da qual faço questão de acentuar o Dr. Teóphilo de Azevedo Santos que foi exatamente meu professor de Direito Comercial no Rio de Janeiro, quando eu era paulista no Instituto Rio Branco e o Dr. Pedro Baptista Martins, eu faço minhas homenagens, é um jovem advogado e professor e um dos autores da Lei de Arbitragem, que eu considero impecável. E finalmente o Dr. Luiz Leonardo Cantidiano, que me dá a satisfação de estar junto comigo nesta mesa.

65. Eu gostaria de fazer algumas observações aos senhores exatamente sobre a origem histórica da arbitragem, e um fato muito importante para nós sabermos sobre o que estamos falando. A arbitragem é um instituto misto; ela é contrato e ela é jurisdição. Por ser contrato, sim, é uma construção das partes – o contrato é construção do nada, que nos fazemos. Na arbitragem, nós construímos o quê? Co-julgadores, nós construímos uma jurisdição; e uma jurisdição pactuada entre as partes. Eis, ai, em duas palavras, o que é a arbitragem.

66. Como é que ela nasceu? Ela não é Direito Romano, não, é Direito Medieval, ela nasceu dos comerciantes, que fugiam do juiz estatal, porque o juiz estatal, naquele tempo, era semi-alfabetizado; falava um latim que ninguém entendia, junto com os advogados, que também ninguém entendia o latim, e as coisas se repetem um pouco, mas isso era Idade Média… Estou falando da Idade Média. E os pobres comerciantes tinham que resolver seus problemas de pesos e medidas, os problemas comuns do comércio imediatamente, naquela feira, porque tinham que desmontar as suas barracas e irem para outra feira, em outra cidade e, evidentemente, todo comerciante é muito pragmático e eles resolveram pragmaticamente a arbitragem. Um deles escolheria exatamente e julgaria o caso entre iguais, bem próprio da Idade Média, stamintus, quer dizer coisa de comerciante resolve-se entre os comerciantes; coisas de professor universitário, na universidade, arbitragem na universidade; coisa das ordens religiosas, se resolve entre elas, arbitragem entre ordens religiosas. Vejam que instituto bem interessante da Idade Média. E as sociedades mercantis, onde nasceram? Idade Média.

67. Portanto, vejam que a arbitragem para resolver questões entre sócios, tem de ser vista exatamente nesse contexto histórico. E na verdade, ela sempre esteve no Brasil. Sim, o Dr. Pedro já disse, mas ela está dentro do espírito do Direito Comercial Brasileiro, tanto que no Direito Marítimo, ela sempre muito praticada.

68. Acontece que nós, brasileiros, somos muito judiciaristas, herdamos de Portugal isto. Era bom ter alguma coisa perante a Justiça, dava prestígio ter uma ação. Hoje em dia, os senhores sabem que não é tanto assim, quer dizer, hoje em dia é um risco a gente ir ao Judiciário, porque não sabemos quando vai terminar a coisa. Ademais, eu devo dizer aos senhores – e sempre digo aos meus alunos: não vejam a arbitragem como panacéia para o Judiciário o brilho que ele sempre teve e que precisa ter. Não é resolver questiúnculas de Direito disponível, há o Judiciário para resolver questões da dignidade da pessoa humana, da liberdade, Direito de família. Os direitos disponíveis comerciais, isto é pra a justiça entre as partes. Isto é o que elas fazem. Daí, o fundamento principal da arbitragem está no Artigo 1° da nossa Lei: “Pessoas capazes podem valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Nosso antigo Código Civil, que foi revogado, dizia que a arbitragem se aplica toda vez que se aplicar a transação direitos patrimoniais disponíveis transigíveis. Eis ai a arbitragem.

69. Agora vamos ver então o que em direito societário é direito patrimonial disponível, o que parece uma coisa tão simples na arbitragem, colocado em termos de direitos societários, a coisa fica um pouco complicada. Vamos ver um pouquinho os seus efeitos. Ela é mágica e esta cláusula é que é a mola central da arbitragem, porque não é no compromisso, não senhores.

70. A cláusula compromissória, sim, é aquela atividade divinatória que o advogado tem para saber se houver litígio futuro, será resolvido por arbitragem. Engenheiro não pensa assim, quem pensa que não vai dar certo um contrato é o advogado, porque nós não lidamos com material e, sim, com a alma humana e por isso já temos esses mecanismos futuros que nós aprendemos, somos adivinhadores e a cláusula compromissória diz isso: se houver litígio – não sei qual é, em que campo, se é medida, se é o preço da mercadoria, se é a entrega, não sei, mas será resolvido pela arbitragem.

71. Qual é o efeito da cláusula? É uma cláusula que parece muito simples, mas é interessantíssima, porque ela é diferente das cláusulas contratuais. Em primeiro lugar, ela é regida por um tratado internacional. Não esqueçam os senhores que existe uma Convenção de Nova York e uma Convenção de Genebra só lidando com a Cláusula Compromissória. Em primeiro lugar, porque ela tem efeitos inclusive internacionais; segundo, ela tem dois efeitos fundamentais que as outras cláusulas não têm; efeitos positivos, sim, como todas as cláusulas do contrato, fazer, deixar de fazer, etc. e efeitos negativos: não ir ao Judiciário, resolver a questão, sim, pela arbitragem. Esse efeito negativo é novidade da Lei, porque o efeito positivo sempre houve, mas só que a pessoa, frente a uma Cláusula Compromissória, alguém desrespeita a Cláusula, inicia a ação, a outra parte, em defesa coloca……

72. o senhor Juiz extingue o processo porque existe uma Cláusula Compromissória, e a Lei deu efeito à cláusula e, portanto, essa Lei é fundamental e acho que só por isso valeria, porque ela deu realmente a função característica da arbitragem, que é causar a incompetência do Judiciário, porque a competência será daquele Tribunal que foi, exatamente constituído entre as partes.

73. Ora, isso pode parecer muito simples num contrato de compra e venda, etc., mas quando esta cláusula se insere num contrato societário, a coisa fica muito complicada e não é tão simples quanto parece e por uma razão muito simples: se pensamos bem, inclusive se cumprir aquilo que diz a Lei. Mas vamos mesmo deixar essa nossa mentalidade brasileira, legalista – nós até hoje temos esse vezo, quer dizer, nós não partimos do pressuposto de quem faz um contrato é o legislador, que cria a norma, que cria a coisa, nós estamos sempre vendo a Lei, aquilo que eu posso fazer, que a lei não permite. Não é assim; eu acho que nós devemos, em termos contratuais pensar de outro jeito: se sou o legislador, faço tudo, só não faço aquilo que está expresso na Lei como normas interativas, porque parto do suposto – eu ainda sou do tempo da rainha Vitória – de que o contrato o regime total da autonomia da vontade; só não se pode fazer aquilo que está proibido na Lei, expressamente proibido.

74. Ora, partindo do pressuposto o que é a S.A., ela nasce de um contrato e, portanto, tende a refletir a criatividade das pessoas, evidentemente, naquilo que não está proibido na Lei, que é ordem pública ou, então, norma interativa, onde não se permite a supletividade da vontade das partes. Partindo desse pressuposto, como é que nós podemos considerar, então, a questão de uma cláusula compromissória dentro de um contrato social? A primeira questão que se pode pensar, o Dr. Pedro já disse, o problema de adesão: quem compra uma ação está submetido a essa cláusula arbitral? Eu não considero contrato de adesão. Quem compra uma ação, esta aderindo a um contrato? Olha, eu não sei e inclusive, para mim, até hoje é um mistério o que é uma S.A. É contrato ou é uma instituição? Se for contrato, não é problema nenhum; você entra num contrato, você de aderir àquele contrato, não tenha dúvida, é o contrato no transporte, o senhor compra um bilhete daqui para Ipanema, e o trajeto é aquele que está estabelecido no contrato de adesão. Mas será que a S.A. é uma compra de ação? Eu compro um título e por isso estou aderindo ao Estatuto? É uma pergunta que eu deixo no ar para os senhores. Eu não considero que seja contrato de adesão, portanto a questão tem de ser enfocada de outra forma. A questão da arbitragem, para os sócios novos e como é que fica essa questão, mas eu não vejo que seja como adesão. Eu acho que o caminho seja outro.

75. Uma questão que ninguém tocou e que eu acho de extrema importância é exatamente uma adição que se fez ao Artigo 109, cujo Parágrafo 3° diz o seguinte: O Estatuto da Sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários poderão ser solucionados mediante arbitragem, nos termos a especificar. Muito bem, a Lei permite que se ponha no Estatuto que as divergências entre os sócios sejam resolvidas por arbitragem. Mas onde é que está esse Parágrafo 3°? Uma boa interpretação sistemática me leva a quê? Ao Artigo 109, que diz ” caput: nem o Estatuto Social e nem a Assembléia poderão privar os acionistas dos direitos de participar nos lucros, participar do acervo, fiscalizar pela forma prevista na lei, a gestão dos negócios, preferência para a subscrição de ações, retirar-se da sociedade.

76. Parágrafo 1°. As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.

77. Parágrafo 2°. Os meios, processos ou ações que a Lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo Estatuto ou pela Assembléia Geral. E agora vem o Parágrafo 3° dizendo. O Estatuto da Sociedade pode estabelecer que as divergências poderão ser resolvidas pela arbitragem.

78. Portanto esta aqui: na verdade, essa questão da divergência entre os sócios, na minha leitura, se trata de divergências interna corporis que interessa à S.A., sim, são para ser resolvidas dentro do estamento, pelas regras da arbitragem. Se forem questões entre eles e concorrência entre eles, que não tenha reflexo na sociedade, desculpe, isto não é arbitrável, porque não está dentro do interesse da sociedade. A questão que o Dr. Pedro levantou, a arbitrabilidade está perfeitamente aqui, agora, nessas nossas discussões. O que vai ser arbitrado? Aquilo que a Lei permite arbitrar e está dito no Parágrafo 1° desse artigo que eu falei aos senhores, que a Lei não poderá elidir e nem o contrato, quer dizer, o contrato não pode elidir, aqueles direitos que a Lei assegura, participações nos lucros, etc., isso não pode ser arbitrado, não pode ser arbitrado o direito, por exemplo, de participar do acervo das companhias, mas o quantum, a maneira, isso poderá ser arbitrável; ora, então, poderá ser por arbitragem e não precisa ir ao judiciário.

79. Então, vejam os senhores que a questão é uma questão aberta, o problema da arbitrabilidade dentro da S.A. Minha leitura é exatamente esta: dentro do permissível da Lei, para a arbitrabilidade e em matéria que interessa à sociedade, quer dizer, à S.A., aí é possível a arbitragem, desde que constante no Estatuto. Os entrantes ou saintes – os saintes não são problema – mas os entrantes, exatamente por minoria ou não, os aspectos que o Dr. Pedro assinalou, a minha impressão é contrária à do Dr. Pedro, eu não acho que é problema de adesão, eu acho que a Cláusula se aplica a ele, sim. É uma questão que eu acho aberta, é uma questão discutível. Eu comprei uma ação e, portanto, agora estou dentro de uma arbitragem… não sei, o Dr. Pedro tem uma certa…o senhor também acha isso…perdão, Pedro, ter entendido diferentemente…

80. Mas, então, eu acho que a questão é esta. E, então, voltando à minha história: é um direito estamental, é um direito medieval, é uma solução da Idade Média, que se aplica, portanto, a uma figura que nasceu na Idade Média, e que é uma S.A. Não nasceu bem na Idade Média.

81. …Já disse aqui. De forma, que quero agradecer muito a oportunidade de discutir esse assunto publicamente, que é um assunto que realmente me preocupa muito, e vou dizer aos senhores porque, não tanto pelo Direito Comercial Brasileiro, mas muito mais pelo Direito Internacional, nas organizações internacionais, porque tenho estudado essa questão.

82. As soluções…então, vejam bem, nós estamos discutindo na ONC como é que se resolve o problema Brasil-Canadá sem não é esse o problema que se coloca, o que pode ou não pode ser……ado. Muito obrigado, senhor Presidente.

COORDENADOR

83. Como eu esperava, uma aula para todos nós. Continuamos atrasados e devo registrar, Condorcet, que já peguei este painel com atraso…Mas, de qualquer forma, manterei o atraso.

84. Passo a palavra para o Dr. Luiz Leonardo Cantidiano que é formado pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; tem um vasto currículo de atividades dentro da área societária, tendo sido membro do Conselho de Administração da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, Diretor da CVM; membro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional; Presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos do Mercado de Capitais; membro do Conselho de Administração do BNDSPAR; é examinador em concursos de advogados do BNDNS, na área de Direito Societário de Mercado de Capitais; é membro da Câmara de Arbitragem do Mercado e atua preponderantemente nas áreas societárias, comercial e mercado de capitais; é sócio integrante do Escritório de Advocacia Motta, Fernandes & Advogados; um bom amigo e, também, um bom concorrente.

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO

85. Eu queria agradecer o convite para participar à Mesa, e estou honrado por fazer parte de uma Mesa da qual também fui aluno, por escolha, do professor Teóphilo – o meu professor era outro e eu pedi licença para assistir as aulas dele, pelas quais tinha muito interesse.

86. É muito difícil, quando se fica para o final, trazer alguma coisa nova, e depois de tanta gente brilhante falando fica mais difícil ainda.

87. Farei dois ou três comentários que parecem importantes. O primeiro é que nada impede a arbitragem no campo do Direito Societário, até mesmo porque a própria Lei de Arbitragem permite que seja submetida ao processo arbitral qualquer divergência relativa a direitos disponíveis. E me parece que os direitos envolvem as disputas entre os acionistas – eles, entre si, e os controladores e minoritários e acionistas e a sociedade são direitos disponíveis.

88. Tive, no outro dia, numa reunião da Câmara de Arbitragem no novo mercado, criado pela Bovespa, da qual faço parte, uma questão que – por isso a trago aqui – foi uma sugestão , um pedido no sentido de que o regulamento da Câmara fosse alterado por conta de algumas sociedades de economia mista que desejam participar do novo mercado, se listar no novo mercado, e tem aquele dispositivo, Artigo 238, da Lei das S.A. que diz que o acionista controlador da sociedade de economia mista poderá orientar as atividades da companhia, de modo a atender o interesse público que justificou a sua criação.

89. E surgiu uma discussão, por parte de algumas sociedades de economia mista que querem se lista lá sobre a possibilidade de ser submetida à arbitragem uma questão que decorresse de uma orientação dada pelo acionista controlador, que não necessariamente privilegiaria os interesses da sociedade. Então, estamos fazendo uma modificação no Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado para deixar claro que isso não seria um direito disponível e, portanto, não estaria submetido à arbitragem.

90. O outro ponto sobre o qual gostaria de falar rapidamente, concordando com a posição do Dr. Pedro Martins, é que a arbitragem é necessariamente convencional, diz a lei, a cláusula compromissória deve ser pactuada, celebrada, pelos acionistas; o Estatuto, diz o nosso querido Carvalhosa, citando Ascarelli, a teoria contratualista da sociedade, contrato plurilateral, o estatuto tendo um forte conteúdo contratual, então, me parece que quando se cria uma sociedade, constitui-se dos acionistas entre si e deles com a sociedade à arbitragem, eu estou celebrando, pactuando, ajustando uma cláusula compromissória que é obrigatória para todos eles. A medida em que essa sociedade, depois de haver sido constituída a venda de ações, o acionista novo que adquiriu a ação que já tem no Estatuto aquela regra estaria obrigado também a cumprir as regras do Estatuto, e acho aí que não se teria que aplicar aquele princípio do Parágrafo 2° do Artigo 4°.

91. Na sociedade já existente, quando há necessidade de alterar o Estatuto para inserir a regra, quem votou a favor , eu acho que fica vinculado; quem vota contra ou quem não comparece à Assembléia ou se abstém de votar, eu tenho um pouco de dificuldade – já falei isso como Pedro Martins – de aceitar que a ele possa ser imposta obrigatoriamente a arbitragem, considerando o Artigo da Constituição que estabeleceu que todo mundo tem direito de ir ao Judiciário, considerando que a arbitragem é necessariamente convencional, eu não vejo como possa alguém que voluntariamente não quis contratar arbitragem porque se manifestou contra, possa a ele ser impingida a arbitragem.

92. Acho que é uma questão que, na prática, não vai trazer muito problema porque pela própria Lei da Arbitragem, a arbitragem não vale quando requerida contra ele; ele pode pedir, e eventualmente esse será um acionista minoritário, em face de quem muito provavelmente nem a companhia e nem outro acionista vai tomar medidas, e na medida em que a arbitragem se institucionaliza e se solidifique, acho que ele poderá, amanhã, sim, se utilizar, ainda que tenha eventualmente votado contra.

93. Finalmente, eu tenho uma preocupação grande, com relação ao problema da arbitragem. O Pedro falou sobre o favor arbitral, o problema da Lei e eu tenho um caso concreto, que tivemos no Escritório, em que na venda do controle de uma empresa para um grupo estrangeiro há o estabelecimento, como é normal, de preço, cláusulas de eventual retenção da parcela do preço a ser paga a prazo por conta de superveniências passivas e insuficiências ativas, a previsão de submissão de eventual divergência das partes, a arbitragem pelas regras da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Contrato fechado, pagamento do sinal feito e o comprador, um grupo francês, pretendeu reduzir preço e surgiu uma controvérsia. Essa controvérsia foi objeto de uma longa discussão entre as partes e seus advogados e, como não se chegou a um bom resultado, o comprador requereu a arbitragem, na forma que tinha sido contratada.

94. Nosso cliente, por nossa escolha, nomeou como árbitro o professor Alfredo Lamu. O grupo francês nomeou como árbitro o Dr Silveira Lobo. O Dr. Lobo e o Dr Lamy escolheram o professor Liães como Presidente do Tribunal Arbitral. O Tribunal Arbitral, muito rapidamente – aí concordo com o que você falou no início – num problema complexo de Direito Societário, o Judiciário atravancado de processos, com dificuldades materiais, o tempo e a especialidade. O Tribunal Arbitral, muito rapidamente, decidiu e decidiu, por maioria, vencido em parte o Dr. Silveira Lobo, a favor do nosso cliente. O outro lado, então, foi à Justiça e requereu a nulidade da arbitragem, pedido extra-petita, julgamento extra-petita, julgamento com decisão condiciona, uma série de questões técnicas que levam, há mais de um ano, a decisão arbitral não se cumprida. A arbitragem não participa dela, advogado apenas, pode ser uma questão de contabilidade, uma questão técnica, uma questão de fabricação de um produto, de venda de uma marca e, evidentemente, o árbitro não é especialista, o árbitro não é um magistrado, e gostei quando o professor Teóphilo falou em decisão arbitral e não em sentença arbitral.

95. Na medida em que se procure levar para lado da arbitragem todo aquele formalismo, aquela exagerada tecnicalidade que a lei processual estabelece para o processo civil, eu acho que vamos estar criando um problema sério para a institucionalização da arbitragem. Eu gostaria muito de ouvir a opinião da Mesa. Muito obrigado.

COORDENADOR

96. Obrigado, Canditiano, você não precisou cartão e muito menos a cadeira elétrica… Vamos passar para a fase de perguntas. Temos três perguntas para o Pedro: uma em função da pergunta feita pelo Dr. Cantidiano, e uma para o professor Guido. Eu dou a palavra, primeiro, para o professor Guido.

GUIDO SOARES

97. Dr. Luciano Leão Junior, Dra. Raquel Sarinho… a primeiro: arbitragem adotada como forma institucional de resolver conflitos societários em algumas jurisdições, como que a Bovespa para as companhias se listarem no novo mercado. Sim, eu não posso dizer quais são e posso pesquisar depois e enviar aos senhores e tenho aqui os seus e-mails e vou fazer isso, mas a arbitragem é muito utilizada dentro dos direitos internos, na França, e posso dizer que nos Estados Unidos é a única maneira que se tem de resolver problemas societários.

98. Ninguém é maluco de gastar um honorário de advogado para resolver questão societária, que vai à falência, imediatamente. Começa daí.

99. A segunda questão também, a minha especialidade é mais arbitragem internacional, mas em termos de direito comparado, eu posso verificar isso e respondo para os senhores por e-mail.

100. A segunda questão: a adoção da arbitragem pode gerar jurisprudência, entre aspas, para orientar a interpretação das questões societárias? Algumas jurisdições dizem que tem ocorrido muito. Evidentemente, os senhores imaginem que na França, pelo menos um pouco que eu conheço do Direito Comercial francês, sim, onde é que se vai buscar a interpretação da Lei? Interpretação da Lei, minha gente, não é só no Poder Judiciário, quer dizer, é pouco Poder Judiciário, é exatamente nas decisões arbitrais, especialmente em matérias de contratos muito específicos. Por exemplo, em matéria de café, telecomunicações, direitos autorais, os senhores têm todo um repertório arbitral em cada setor desses que é fantástico e é onde toda a construção da doutrina é feita através da jurisprudência arbitral.

101. Em matéria de direito do petróleo, por exemplo, é onde só existem decisões arbitrais. Os senhores tomem, por exemplo, a oil law, dos Estados Unidos, há muito pouca coisa da common law, exatamente em termos de contratos internacionais, especialmente contratos internos porque os precedentes são todos de arbitragens e ninguém vai exatamente discutir um contrato que vai durar 60 anos de fornecimento de petróleo, a British Petroleum e a Arábia Saudita, os senhores imaginem isso num judiciário da Índia, ficaria até hoje discutindo as preliminares quando podem resolver por arbitragem numa semana. Eu queria ser advogado dessa arbitragem; eu queria 1% do valor da causa…, 0,5% do valor causa, 60 anos de fornecimento de petróleo… Imaginem os senhores, então, como é que se constrói essa doutrina? Aonde é que vamos buscar as regras dos contratos comerciais mais típicos? Contratos de café? de seda? O contrato sobre telecomunicações? Aviões? Exatamente, são decisões arbitrais internas e de órgãos superespecializados.

102. Nos Estados Unidos isso é muito comum e os senhores sabem que existe a legislação de….estatal, as decisões arbitrais, por exemplo, de Delaware, por exemplo, os contratos, espetáculos, não sei porque cargas d’água, mas se especializou; os contratos de Nova York para as arbitragens dos contratos de comércio exterior, etc. , etc

103. Então, sim, posso dizer aos senhores que a arbitragem é um poderoso auxiliar para a formação do direito de interpretação, não só das sociedades, mas dos contratos. De sociedade, eu acho que menos e por isso não posso dizer, mas os contratos, sim e sem dúvidas nenhuma é o grande campo da arbitragem, são os contratos.

104. Os contratos societários são um campo que eu precisaria pesquisar e estou devendo, então, essa resposta aos senhores e vou fazer por e-mail. Muito obrigado.

COORDENADOR

105. Pedro, você tem duas perguntas.

PEDRO BATISTA MARTINS

106. A primeira pergunta vem do meu caro professor Modesto Carvalhosa, que aliás, Professor, pelo menos nisso eu estou junto contigo: temos uma letra bastante ruim… Olha, tive que pedir uma tradução….”Pode haver renúncia tácita ao direito essencial contido no inciso 35, Artigo 5°, da Constituição Federal e no parágrafo 2° do artigo 109 da Lei Societária?

107. Bom, eu vejo por um lado positivo; procuro olhar sob um ângulo positivo e não negativo. Eu vejo como uma concordância tácita. Veja bem, vamos supor o seguinte exemplo: nos termos uma deliberação assemblear que introduz a cláusula compromissória e essa deliberação é publicada, arquivada, enfim, todas as formalidades cumpridas; o minoritário queda-se silente, e três anos depois surge uma controvérsia, então, eu acho que é justo esperar, até por uma questão de segurança jurídica, que essa inércia da parte tenha trazido em seu bojo uma concordância com relação àquela modificação. E aí nós caímos nas modalidades de manifestação de vontade, mencionada pelo professor Vicente Rao. Eu procuro olhar sob esse ângulo.

108. O problema começa a complicar – e eu não me manifestei aqui, mas já teve uma pessoa, que não deixou o nome, que fez a pergunta, que essa pergunta é complicada. Esse alguém se mostra contrário expressamente – faça constar daquela ata que ele discorda da inclusão da cláusula compromissória. Bom, ai nós precisamos ter uma construção bastante, digamos assim, uma forma mais construtiva de estabelecer a arbitragem. Se você não tiver uma justificativa para essa negativa, se a introdução da cláusula compromissória não viola, não causa dano patrimonial, dano político, não viola os interesses sociais, eu tenderia a olhar essa manifestação como uma necessidade de a parte discordante se desligar da sociedade. Vejam bem, não vem no bojo dos Artigos 136 e 137 a possibilidade de direito de recesso. Mas eu acho que, pela dinâmica do Direito Societário, a maioria optou por ter uma cláusula compromissória, a não ser que a justificativa seja substancial, de outra forma, ou a pessoa se desliga ou ele acabará tendo que aceitar essa imposição da maioria.

109. Eu vejo isso porque nós temos várias outras deliberações que afetam substancialmente o direito dos minoritários e que ou eles não têm a possibilidade de se retirar ou têm expressamente o direito de recesso que, cada vez mais, tem sido reduzido.

110. Mas eu já fico satisfeito com o esclarecimento do Cantidiano, quanto à pouca possibilidade de haver esse tio de inconsistência. Mas eu tenho a certeza também de que isso tudo passa muito pela cultura arbitral, pela digestão que nós venhamos a ter com relação ao instituto da arbitragem.

111. Com relação à manifestação do Cantidiano, quanto à processualização da arbitragem, eu tenho participado de arbitragens, como advogado de parte e como árbitro, e tenho visto peças que são escritas como se fosse um contencioso judicial: má fé, não sei mais o quê, quando lá nós temos uma informalidade. E advogados de escritórios de contencioso, que têm participado da arbitragem, têm trazido todos os vícios dessa briga no tribunal e na corte, e isso não tem sido valioso para o implemento do instituto. Eu concordo com o Cantidiano, porque as pessoas começam a querer colocar, construir, vícios que levem aquela decisão arbitral a uma hipótese de nulidade dentre aquelas contidas no Artigo 32.

112. Esse é o grande dilema que vive a arbitragem no exterior. As críticas são com relação à processualização da arbitragem, agora, temo que ter o quê? Litigância de má fé. Aí o Judiciário vai ter que intervir e intervir fortemente e aplicar a regra da litigância de má fé. Com relação à deformalização ou informalidade, existe uma regra do Código de Processo Civil que eu aposto que os litigantes pouco conhecem, que é o Artigo 244, e esse artigo foi eleito há seis anos atrás, num Congresso Mundial sobre Processo Civil, que se realizou em Portugal, foi eleito a mais bela regra do Direito Processual internacional, o Artigo 244, do CPC. O que é que ele traduz? Traduz nada mais, nada menos, que a deformalização, a mitigação das formas.

113. Então, Cantidiano, era isso e acho que você tem uma manifestação a fazer, com relação ao regulamento da Câmara.

GUIDO SOARES

114. Quero apenas trazer a vocês um pouco do eu acontece fora. Por razões profissionais, eu pertenço a um organismo internacional de arbitragem, no qual a divulgação …o questionamento das decisões arbitrais proferidas por tribunais arbitrais e que são levadas eventualmente ao judiciário, em termos percentuais, não é considerável.

115. Segundo dados da Câmara de Comércio Internacional, é alguma coisa entre 10 a 12% das decisões tomadas por tribunais arbitrais são levadas posteriormente a questionamentos junto ao Poder Judiciário, ou seja, eu acho que é mais uma questão de cultura, como você bem falou, e tudo isso seja assimilado por nós, no Brasil, e para que o instituto possa efetivamente vingar.

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO

116. Apenas para reforçar a resposta dada pelo professor Guido à pergunta do Luciano Souza Leão, a Câmara de Arbitragem do mercado preparou, na última reunião nossa – aliás, o Carvalhosa também é árbitro de lá – a Câmara preparou uma mudança no regulamento, também, para permitir a divulgação de jurisprudência, respeitada a confidencialidade do processo arbitral, mas periodicamente informações divulgadas sobre a linha que a Câmara está adotando na decisão das matérias que são submetidas.

TEÓPHILO DE AZEREDO SANTOS

117. Eu gostaria de dizer alguma coisa a respeito desse temor das processualização da arbitragem no mau sentido, evidentemente. Sim, essa tendência existe na CCI, existem críticas, especialmente dos advogados americanos, que realmente fazem tudo o que podem e o que não podem para esticar uma arbitragem o mais que podem. Na verdade, quem pode botar um freio nisso é o próprio Presidente da arbitragem, porque realmente ele tem poderes de receber ou não receber, etc. Vejam os senhores que não vai haver possibilidades de agravos e contra-agravos, etc. Não, isso é muito função pessoal de um grande presidente de um tribunal arbitral, que é um advogado que sabe o que quer e como deve ser cumprida uma arbitragem.

118. Então, esse perigo pode existir, mas também existe a possibilidade de remédios que são exatamente daqueles advogados de boa fé, que conhecem muito bem o que significa processo civil e que sabem exatamente como evitar as chicanas. Isto pode ser evitado na arbitragem, mais na arbitragem do que no processo civil, porque lá, o poder de regulamentar o processo é das partes que delegaram isso ao Presidente do Tribunal que, portanto, é praticamente o legislador do processo. Os senhores vejam que há vantagens na informalidade da arbitragem. E a minha experiência, realmente, na arbitragem é muito interessante nesse sentido. A relação entre os advogados é uma relação diferente da do processo, é uma relação cordial, é uma relação de iguais e, inclusive, com o árbitro. Este tem uma atitude de que ele também é advogado, ele está ali…simplesmente não passou em concurso público, não tem direitos, etc. então, ele tem um nome a zelar, é muito interessante esse relacionamento cordial e de boa fé, o que impede as chicanas. Isso é uma coisa que eu preciso trazer para os senhores.

COORDENADOR

119. Obrigado, Professor. Eu queria agradecer a todos os integrantes da Mesa, ao Gabriel Troianelli que serviu como Secretário, a bad boy, ao professor Teóphilo de Azevedo Santos, Pedro Batista Martins, Luiz Leonardo Cantidiano, professor Guido Soares e, como eu peguei essa sessão com 28 minutos de atraso, eu a devolvo ao Condorcet com 30 minutos. Eu me excedi em dois minutos, ou melhor, um minuto, sendo que um minuto foi do professor, com relação à Cláudia e o outro minuto possivelmente terei sido eu. Muito obrigado a todos e esta encerrado este painel. A sessão vai continuar de imediato com a apresentação do professor Carvalhosa.

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