Pedro A. Batista Martins[1]
1. Dúvida não há acerca das vantagens da arbitragem para aqueles que buscam solução informal, célere e especializada para seus conflitos.
2. Contudo, o aspecto de maior realce desse sistema pacífico de solução de controvérsias, está no fato de se assegurar ao cidadão meio moderno de acesso à justiça.
3. O cotidiano tem nos mostrado a insatisfação da população no que tange à prestação jurisdicional. Difícil imaginarmos processo judicial que se resolva em menos de dois ou três anos.
4. A bem da verdade, a culpa por esse desencanto com a justiça não deve repousar, de todo, nos ombros do Judiciário, pois sabemos que o Estado é o principal culpado pelo número desumano de ações legais.
5. Tido, sempre, como um dos mais importantes direitos sociais do indivíduo, o acesso à justiça tornou-se efetivo “problema social”.
6. Daí a razão de se viver, atualmente, o que foi cunhado pelo Prof. Mauro Cappelletti, o movimento universal da terceira onda, que se traduz na busca de meios alternativos de solução de conflitos, levados à efeito fora da arena judiciária.
7. Em sintonia com os clamores finalísticos desse movimento universal, pode-se afirmar que a nova lei de arbitragem (Lei Marco Maciel) dotou o país de instrumento valioso e eficaz de pacificação dos conflitos.
8. É lei de vanguarda que incorporou os mais modernos institutos jurídicos do direito modelar e comparado e, assim, coloca o Brasil em pé-de-igualdade com a comunidade internacional.
9. Contudo, como já salientou o eminente juiz Hugo de Brito Machado, a arbitragem “é para os que sabem e podem ser livres”. E, é justo por isso, que o instituto arbitral está avançando no País. Essa liberdade que, ainda, é motivo de espanto para alguns respeitáveis cidadãos, é a tônica do Estado moderno que o Brasil mesmo busca incorporar-se.
10. As ações que o País vêm desenvolvendo ao longo dos últimos anos, dão a cristalina evidência da ampliação do campo de manejo, para o particular, no que tange aos seus direitos disponíveis.
11. A privatização e a desregulamentação de vários segmentos de nossa economia, demonstram o recuo da intervenção estatal, gerando, para a iniciativa privada, como contrapartida, maior independência e autonomia.
12. Contudo, mesmo para o atento cidadão, essas mudanças (como todas as demais) não são de rápida assimilação e se traduzem em um primeiro momento, em reação, desconforto e, não raro, inconformismo.
13. É difícil admitir-se, pacificamente, não mais vivermos sob o primado do Estado, quando a estatização brasileira processou-se por longos e incansáveis anos, de modo rígido e marcante, tendo levado o indivíduo à exaustão.
14. O Estado extrapolou suas funções, sucumbindo o cidadão com a perda total de sua identidade, Preponderava a vontade única do Estado, pai-de-todos.
15. O princípio da autonomia da vontade restava esquecido, pois o intervencionismo operava-se em prol do social.
16. Vigia, assim, o paternalismo estatal em todas as esferas e segmentos da sociedade que, de tão acentuado, arraigou-se no inconsciente coletivo da nação, redundando em exigência dos indivíduos junto ao poder estatal para solucionar todos os males que os afligiam.
17. Perdia, assim, a coletividade, contacto com as suas próprias iniciativas, não mais identificando-se com o princípio basilar do cidadão viz a autonomia da vontade.
18. Diante desse cenário, não é de se estranhar que a arbitragem, calcada na liberdade de contratar, não conseguisse ganhar campo no Brasil. O protecionismo estatal não admite tribunal constituído pela vontade exclusiva das partes, pois somente o Estado é capaz de solucionar o conflito.
19. Entretanto, ventos novos sopram em direção oposta a que existia, consubstanciando-se no primado do indivíduo, ou da coletividade, assegurando ao cidadão maior liberdade e ampla autonomia na manifestação da vontade, como também, impondo a este, em contrapartida, maiores deveres e responsabilidades.
20. É nesse ambiente saudável que se insere o instituto arbitral, revigorado pela Lei Marco Maciel.
21. Na arbitragem impera a ampla autonomia da vontade – sua gênese e princípio basilar – não acarretando, com isso, maiores preocupações, vez que o julgamento decidirá sobre direito patrimonial que o interessado tem o poder de renunciar ou dispor.
22. Diante dessa ampla liberdade, podemos afirmar que a arbitragem é passível de aplicação nos conflitos oriundos da relação de consumo.
23. Apesar de, aparentemente, o Código do Consumidor proibir o processo arbitral, uma interpretação mais curada demonstrará que a restrição da lei do consumo aplica-se , tão-somente, aos contratos cujas condições e termos são impostos à parte mais fraca.
24. Ora, o que se veda é a “utilização compulsória da arbitragem”. Não existindo em nosso sistema legal a arbitragem obrigatória ou impositiva, unicamente, a arbitragem voluntária, certo, é que o legislador visou coibir a utilização da arbitragem, quando estabelecido de forma compulsória nos contratos de consumo pois, assim não fosse, bastaria deixar de inserir a palavra “compulsória” para que fosse proibida, de forma absoluta, a utilização da arbitragem nos acordos da espécie. Como a lei, por pressuposto, não contém palavras supérfluas.
25. Por fim, cabe ressaltar que, ciente o legislador de que a arbitragem é processo que se desenvolve à margem do poder estatal e está calcada na fidúcia e na pessoa do árbitro, a lei fixou parâmetros muito rígidos de responsabilidade desse julgador, impondo-lhe diversos deveres e regras de conduta, assegurando às partes ampla defesa, e sujeitando o árbitro a penalidades de ordem civil e criminal.
26. Assim, não é por receio de eventuais fraudes e desvios de função que devemos afastar a utilização da arbitragem, vez que tal é atávico ao ser humano, em todas as esferas de atuação, inclusive, e não raro, naquelas inerentes ao próprio sistema estatal. Tais ilícitos consubstanciam a exceção da regra, devendo, pois, ser tutelado o direito violado e, nesse particular, a intervenção do Judiciário não foi afastada pela lei de arbitragem.
- Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem. ↑