Pedro A. Batista Martins
1. Já se tornou um chavão para o carioca dizer que a “violência atingiu níveis alarmantes”; “é preciso que se faça alguma coisa”. Essa crença já se encontra há muito arraigada e, incrivelmente, os sinais da grave piora continuam, para espanto de todos nós que acreditávamos viver em situação limítrofe dez anos atrás. Àquela época não poderíamos supor que carros blindados tornariam a coqueluche do consumo carioca; blindagem níveis 1, 2, 3, 4, inclusive para automóveis mais populares.
2. Tampouco poderíamos supor que não só prédios e casas seriam gradeadas, como também as próprias praças públicas; que o itinerário urbano seria programado por força do horário a trafegar e dos bairros a cruzar; que a morte de chefes do tráfico ocasionaria luto no das zonas sul e norte; que seria mais seguro transitar de taxi e que a noite terminaria por volta das 22 horas devido a um implícito “toque de recolher”. Frente a esse quadro social que permite, aliás, pinceladas mais cintilantes pelos dados que os leitores possam ainda agregar, é que encaramos as últimas notícias sobre o alinhamento do Exército aos problemas urbanos brasileiros. Finalmente procuraram as Forças Armadas atuação pró-ativa no combate aos crônicos e impressionantemente constantes problemas de segurança pública que amargam os grandes centros.
3. A crise é intestina e passa por conchavos políticos eleitoreiros, corrupção, desmandos e tudo mais que apequena o Estado e suas autoridades. E quando o Exército, sempre criticado pelo natural despreparo de seu contingente no trato de tal tema, procura se aperfeiçoar e se antecipar aos chamados, planejando operações em estradas e ruas, através de corpo especializado e treinado especialmente para tal finalidade, vozes surgem contra essa potencial (mas necessária) atuação militar no intuito de garantir a ordem e a lei, pressupostos, aliás, tão maltratados pelas nossas autoridades.
4. Por certo essa atuação deve se pautar pelos ditames constitucionais. As restrições concernem ao poder de polícia das Forças Armadas que estariam limitados aos momentos de intervenção federal, de estado de defesa e de sítio.
5. Mas será que não podemos compatibilizar as restrições constitucionais com o interesse cidadão em conferir legitimidade à atuação militar no combate ao tráfico e ao crime organizado? Será que o tráfico em países sul-americanos não nos ajuda a legalmente dinamizarmos as funções militares? Em alguns desses países o tráfico extrapolou os limites municipais e estaduais, para atingir, sem perdão, a esfera federal. Ou mesmo, internacionalizando-se para acrescer à agenda de governantes estrangeiros aquilo que anos atrás era simples tema de segurança pública local, de competência de polícia interna. Nesse países a intervenção que se pretende é estrangeira, até mesmo de caráter militar. É regular a presença de “técnicos” estrangeiros infiltrados nos serviços policiais e militares de tais países. Outros concedem “passe livre” em seu espaço aéreo à aviões estrangeiros. Sem pecar por exageros é o caminho que estamos trilhando a se manter o statusquo. O que temos visto ao longo dos anos é uma absurda exacerbação dos poderes, da impunidade, da ostensividade e da afronta do crime organizado: e no seu reverso, o acanhamento, recolhimento e enjaulamento dos cidadãos em inconsciente clima de estado de sítio em que se encontra a cidade do Rio, com seus cidadãos recolhendo-se cedo às suas casas, em clima de temor.
6. Esse cenário urbano atinge violentamente direitos constitucionais dos cidadãos. Isso tudo sem falarmos no direito natural de ir e vir tão caro a qualquer um de nós e à própria democracia.
7. Resumida e objetivamente, o preâmbulo da Constituição de 1988, regra matriz que dá luz e norte aos pressupostos constitucionais, indica o que o Estado destina-se a assegurar a liberdade, a segurança e o bem-estar da sua população.
8. Não resta dúvida que devemos prestigiar as polícias civil e militar mas, para tal, de seus quadros deverão ser expurgados os maus elementos e dada moral e capacitação aos demais.
9. Devemos encarar a participação do Exército nas operações urbanas sob o ângulo da cooperação com as Polícias estaduais, de integração a áreas pontuais como inteligência e intercâmbio de conhecimentos específicos de modo a garantir a ordem e a lei, em atenção ao princípio maior constitucional da defesa do território nacional e da segurança de seus jurisdicionados.