Pedro A. Batista Martins[1]
1. Finalmente, após cinco anos de discussão, o Supremo Tribunal, em uma de suas últimas reuniões plenárias de 2001, deu seu aval à lei brasileira de arbitragem (Lei Marco Maciel), ao julgá-la plenamente constitucional pelo voto de 7 ministros contra 4, que entenderam inconstitucional o artigo 7° da lei e outros dois que lhe são correlatos.
2. Dado o entusiasmo com que a lei brasileira foi recebida pela sociedade civil, a verdade é que a longa discussão no STF não conseguiu aplacar a utilização prática do instituto.
3. Estudos foram publicados, conferências e cursos foram realizados e, ademais, renomadas instituições abraçaram a causa constituindo Câmaras de Arbitragem, como foi o caso, no Rio de Janeiro, da Associação Comercial e da FIRJAN, com a criação do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem.
4. No rastro dessa realidade e da efetiva prática do processo arbitral, o Poder Judiciário foi instado a se manifestar quanto à interpretação e à eficácia de dispositivos da Lei Marco Maciel.
5. Nesse particular, para a satisfação dos entusiastas e estudiosos do tema, o Judiciário não se tem furtado a sustentar a melhor doutrina arbitralista.
6. Sua atuação nesses cinco anos da Lei Marco Maciel tem surpreendido pela análise e aplicabilidade dos conceitos contidos na lei, como veremos pontualmente a seguir.
7. 1 – Homologação e duplo exequatur– Com a sistemática implantada pela Lei Marco Maciel, tanto a sentença arbitral brasileira quanto a proferida no exterior independem de homologação pela justiça comum.
8. Assim, a decisão arbitral nacional equipara-se à sentença judicial para todos os fins e efeitos, independentemente de qualquer chancela estatal, conforme já decidido pelo Judiciário, de forma reiterada.
9. No tocante à decisão arbitral estrangeira, o STF, inclusive, já firmou jurisprudência quanto à desnecessidade de homologação pela justiça do país de origem, sendo imperativo sendo imperativo, tão-somente, por força constitucional, a obtenção do exequatur pelo STF (Sentença Estrangeira Contestada n° 5847-1, DJU de 17.12.99).
10. 2 – Arbitrabilidade das Disputas – Incrivelmente, onde a arbitragem tem mais se desenvolvido é nos conflitos oriundos de relação trabalhista. Várias são as decisões arbitrais levadas ao Poder Judiciário na tentativa de reabrir o mérito da questão já resolvida em sede arbitral. Contudo, o Judiciário, em linha com os ditames da lei n° 9307/96, tem freqüentemente entendido que, acordada a convenção de arbitragem em litígios laborais, a submissão das partes ao processo arbitral e o conseqüente acatamento da decisão proferida pelos árbitros são imperativos legais (JCJ de Campinas, Proc. n° 00.043/99-8, sentença de 11.6.99; JCJ de São Paulo, Proc. n° 1092/99, sentença de 28.5.99). Inadmissível, assim, a reabertura do mérito da questão já decidida em arbitragem.
11. A intervenção do Judiciário somente será possível se a decisão arbitral contiver qualquer um dos vícios elencados no art. 32 da Lei Marco Maciel. Nesse caso o questionamento deve ser levado ao Judiciário pela via própria da ação de nulidade prevista no art. 33 da lei.
12. Registre-se que mesmo as decisões arbitrais que determinam a liberação do FGTS do ex-empregado têm tido curso na justiça comum, que vem concedendo regularmente liminar contra a negativa da Caixa Econômica (MS n°. 2000.61.00.013042-5/024; 24ª V. Federal de São Paulo, 27.4.2000).
13. Quanto à polêmica validade da cláusula compromissória contida em contratos administrativos, devemos registrar que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por decisão unânime do seu Conselho Especial, em voto condutor da então Des. Nancy Andrighi, confirmou a eficácia dessa disposição inserida em contrato oriundo de licitação para serviços de adaptação e ampliação da Estação de Tratamento de Esgotos de Brasília (MS 1998002003066-9, DJ de 18.8.99).
14. Registre-se, ainda, que o Tribunal de Contas da União reconsiderou a decisão contrária à utilização da arbitragem no Contrato de Concessão para Exploração da Ponte Rio-Niterói, após ser instada pela Concessionária a revisitar o assunto por força da promulgação da lei n° 9307/96 (Decisão 188/95).
15. Por fim, saliente-se que, já na década de 1960, o STF, por unanimidade de seu pleno, admitiu a arbitragem em que a União Federal foi condenada a pagar certa indenização pela desapropriação de bens durante a II Guerra Mundial (RTJ 68- Espólio Henrique Lage).
16. 3 – Efeitos da Cláusula Compromissória – Com a nova roupagem dada pela lei de arbitragem, a cláusula compromissória passou a gerar eficácias positiva e negativa. Constando do contrato pacto arbitral, deverão as partes submeter-se, sine qua non, ao juízo arbitral.
17. O pedido judicial de análise do conflito originado do referido contrato em flagrante desprezo à cláusula arbitral deve ser, e tem sido, rechaçado pela justiça comum mediante a extinção do processo, sem julgamento do mérito- eficácia negativa (1ª Turma Cível-DF, AgI, Proc. n° 1999.00.2.001609-5, 25.10.99).
18. De outro modo, renitente uma das partes em instituir a arbitragem, a cláusula compromissória deve operar eficácia positiva, cabendo ao juiz togado concretizar a vontade do credor, remetendo as partes ao juízo arbitral (Ap. Cível n°. 1999.01.1.083360-3, 3ª Turma Cível-DF, 5.3.2001).
19. Aqui, uma particularidade: a instituição do tribunal arbitral pode ser efetivada pela entidade arbitral sem necessidade de a parte lançar mão da ação judicial de instituição da arbitragem, prevista no art. 7° da lei n° 9307/96.
20. Havendo indicação de uma Câmara cujo Regulamento preveja o procedimento de instituição da arbitragem (v.g. Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem), independentemente da ausência ou renitência de uma das partes, a arbitragem será instituída pela própria Câmara (5ª Câmara de Direito Privado do TJSP, AgI 124.217.4/0).
21. 4 – Conclusão – É ingênuo pensar na difusão do instituto arbitral sem que haja apoio adequado do Poder Judiciário. E, como vimos acima, esse apoio não tem sido negado.
22. Enganam-se aqueles que pensam ser danosa a análise das questões arbitrais pela justiça estatal. O ideal de restringir à seara arbitral suas peculiaridades e nuances por dizer respeito, tão-só, ao próprio sistema de solução de controvérsia é inviável e não deve ser imprimido. É pura utopia. Na verdade, a cooperação do Judiciário é necessária e sempre bem-vinda não somente para assegurar os efeitos de uma decisão arbitral – liminar ou definitiva – mas também para definir a aplicação das normas arbitrais aos casos concretos e, assim, moldá-las e direcioná-las à teleologia que as determinará. É, em si mesma, dado valioso à fortificação da arbitragem, pois fideliza o processo arbitral e sedimenta o caminho a ser trilhado por seus operadores.
23. Por fim, um alerta: atentem todos para os especuladores e os espertos de plantão. Arbitragem não é negócio; é instrumento valioso de acesso à justiça. Atua em cooperação com o Poder Judiciário; nunca em conflito. Árbitro e juiz não se confundem, como querem alguns.
24. O verdadeiro árbitro é pessoa de confiança, informal e despojado de status, ao reverso do que sub-repticiamente sugerem alguns incautos que buscam em inadequada e sorrateira equiparação aos verdadeiros juízes – juízes togados – a qualificação que lhes falta e que, possivelmente, nunca terão.
25. A experiência de alguns países, como a Espanha, nos mostra que a arbitragem, com certeza, é maior e por isso sobreviverá aos aproveitadores e espertalhões, pois conta com vários apoios, sobretudo do Poder Judiciário brasileiro.
- Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem. ↑