Pedro A. Batista Martins[1]
1. Após longo período de gestação, resolveu o Conselho Monetário Nacional, através da Resolução no. 1.723, de 27/06/90, expedida pelo Banco Central do Brasil, autorizar a emissão de notas promissórias, como valor mobiliário, pelas sociedades por ações.
2. Em outras palavras, esta singela Resolução introduz no sistema legal brasileiro o “commercial paper” (CP), há muito difundido nos Estados Unidos e largamente utilizado pelas empresas americanas.
3. Genericamente, o CP é um título de crédito de curto prazo, sem qualquer garantia, emitido por pessoas jurídicas, contendo uma obrigação de pagar em determinado dia ou prazo, quantia consubstanciada no próprio título.
4. Com a emissão, a sociedade visa captar recursos no mercado a um custo inferior ao que obteria junto às instituições bancárias, para fazer frente a dispêndios imediatos (v.g. aquisição de insumos, pagamento de tributos).
5. Ao contrário do que ocorre nas necessidades de recursos a longo prazo, normalmente captados pelas empresas através do complexo sistema de emissão de debêntures, com a negociação das cláusulas e condições atinentes, o lançamento de CP é efetivado de maneira mais simplificada, resultando para as sociedades uma maior agilidade na captação dos recursos desejados.
6. Instituído pela primeira vez nos Estados Unidos, há quem afirme que já nos idos de 1790 alguns corretores de Nova York e Boston precocemente negociavam esse espécie de papel.
7. Mas é com certeza que somente a partir de 1830 o mercado de CP passou a ser conhecido e suas transações publicadas no Financial Register of the United States.
8. Tal fato (a instituição dos CPs), na opinião do apologistas dos Commercial Papers, traria também para as empresas, a médio prazo, uma menor dependência do sistema bancário.
9. Daí em diante, o mercado americano contabilizou um aumento substancial nos negócios com esse papel, atingindo as cifras recordes de US$ 1,3 bilhão nos idos de 1920, US$ 3.5 bilhões em 1959 e de US$ 31,6 bilhões no ano de 1969, sendo que somente neste ano de 1969 as emissões alcançaram o total de US$ 11 bilhões.
10. Já em 1987, o montante do “commercial paper” em circulação passou para US$ 170 bilhões.
11. Como nos informa Denis Borges Barbosa (RBMEC no. 15/495), em 1968 os CP eram responsáveis por 8,6% do mercado de capitais americano, passando a deter, 10 anos depois, o percentual de 17% deste mercado, totalizando US$ 84 bilhões – o que correspondia, à época, a aproximadamente metade do nosso Produto Interno Bruto.
12. Os CP podem ser emitidos diretamente pela sociedade interessada ou através dos “dealers”. Os CP diretos e os CP “dealers” mantêm as mesmas características, diferenciando-se apenas pela forma com são vendidas.
13. A emissão direta normalmente é privilégio das grandes companhias com excelentes condições patrimoniais e boas perspectivas de rentabilidade que, em conseqüência desse potencial, beneficiam-se de um desconto do valor de face do título menor que aquele praticado nas emissões intermediada por “dealer”, em que se acresce o valor da comissão.
14. Existem, praticamente, três tipos básicos de emissão com intermediação de “dealer”.
15. A mais popular é aquela em que a empresa emissora recebe, no ato, o valor do título, deduzidos o desconto e a comissão, correndo por conta do intermediário o risco de vir a revender o CP com deságio maior ou com ajuste de um prêmio.
16. Existe também o chamado “bought as sold”, onde o intermediário, sob a responsabilidade da sociedade tomadora dos recursos, busca no mercado o melhor preço para a transação, que é totalmente repassado à emissora deduzida a comissão devida.
17. O outro tipo de emissão é uma mistura dos dois anteriores (“open rate”). A empresa tomadora, quando da entrega ao “dealer”, recebe adiantadamente parte do valor de face do título. Após a vendas no mercado, o montante apurado é entregue à empresa, já deduzido o montante adiantado e o valor da comissão devida. Também neste caso, o risco corre por conta única e exclusiva da sociedade emissora.
18. No Brasil, a recente Resolução no.1.723/90, baixada pelo Banco Central com fundamento no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nas Leis nos. 7.770/89, 7.892/89, 8.056/90, no artigo 98, da Lei no. 4.595/64 e no inciso III, artigo 2º da Lei 6.385/76, veio de encontro aos interesses dos empresários, maneira geral, que há muitos se batiam pela instituição, no mercado nacional, de tão eficaz instrumento, capaz de suprir as necessidades de obtenção de recursos de curto prazo, a um custo inferior àquele obtido normalmente junto aos estabelecimentos bancários.
19. Tal fato, na opinião dos apologistas do CP, traria também para as empresas, o médio prazo, uma menor dependência do sistema bancário.
20. No entanto, nem só de vantagens vive esse instituto. Dentre os aspectos negativos podemos citar alguns declinados pelo Prof. Theophilo de Azeredo Santos (RNMEC no. 18/379): a) a falta de proteção do investidor contra fraudes e sua inexperiência em mercado de crédito a curto prazo; b) por ser o mercado de CP elitista, somente as grandes empresas e, mais ainda, as multinacionais, dele participarão em condições vantajosas; c) as autoridades monetárias enfrentarão dificuldades no controle da circulação dos CP, que irão competir com os próprios títulos públicos, retirando assim um dos instrumentos eficazes que é o “mercado aberto”.
21. Nos Estados Unidos, em paralelo ao mercado de CP, surgiram empresas especializadas em avaliar os riscos inerentes a esse emissões (“rating”).
22. Assim, previamente às emissões, tais empresas especializadas coletam e analisam fatos e dados referentes à sociedade emissora tais como potencial de rentabilidade, situação geral do mercado em que exerce sua atividade, condição patrimonial, com a finalidade de prover o investidor de um mínimo de informações (“report of credit rating”) que sirva para diminuir o risco da operação. Esses informes ou relatórios são regulados nos Estados Unidos pelo Fair Credit Reporting Act.
23. Por se tratar de título sem suporte em qualquer espécie de garantia, o resultado de sua colocação junto ao público investidor depende, basicamente, da confiança que a empresa tomadora dos recursos merece deste público. Por essa razão, e até mesmo pela falta de acuidade do investidor na correta avaliação do risco, é que seria salutar de divulgação de informações, a adoção, entre nós, da prática de “rating” como forma de proteção dos interesses dos investidores e, em ultima instância do próprio mercado como um todo.
24. Por necessitar de um período razoável de implantação, essas análises poderiam em princípio, ficar a cargo dos auditores independentes, a quem caberia emitir o competente relatório. Por outro lado, as empresas emissoras de CP deverão ser submetidas a uma conscienciosa fiscalização por parte da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a fim de se evitar emissões imoderadas de CP, em prejuízo dos investidores.
25. Assim, para se almejar o desenvolvimento qualitativo e a vigência duradoura deste novo mercado, tem-se que buscar, fundamentalmente, mecanismo eficazes de proteção do investidor, pois é ele que , em última análise, assume o risco da operação, efetiva sem qualquer garantia.
26. Conforme previsto na mencionada Resolução, cabe agora à CVM a elaboração das normas que regularão o instituto do “commercial paper” no Brasil, devendo ressaltar que, por vir consubstanciado em uma nota promissória, este título de curto prazo poderá , já no nascedouro, enfrentar alguns problemas de ordem jurídica em razão do que dispõe a Lei Uniforme relativa às Letras de Câmbio e notas Promissórias (Convenção de Genebra).
- Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem. ↑