Pedro B. Martins
1. Sempre que se discute o crescimento vertiginoso dos índices de violência nas grandes cidades, hoje a maior preocupação de metade dos brasileiros, segundo recentes pesquisas, omite-se outra questão crucial que está entre as origens do problema. Não há como se falar em segurança sem fazer uma análise crítica da expansão das favelas, áreas onde a criminalidade, na ausência do Estado, germina e se fortalece. Aparentemente, uma boa dose de demagogia _ ou injustificado otimismo _ tem obscurecido a visão de políticos, sociólogos e urbanistas, impedindo uma abordagem mais realista e pragmática do assunto.
2. Alguns programas, como o Favela-Bairro, têm sido implementados com relativo sucesso, promovendo a melhoria das condições de vida de algumas das principais comunidades da cidade. Mas, ainda que possam significar melhorias sanitárias, sociais e ambientais, tais políticas são incapazes de solucionar o problema de forma definitiva e, apesar dos esforços dos profissionais envolvidos, funcionam como mero paliativo. Até porque jamais haverá programas suficientes para acompanhar o ritmo de expansão dessas áreas.
3. Ou seja, por melhor que sejam as intenções de sociólogos e urbanistas, pode-se prever um eterno déficit entre esses projetos e o aumento dessas comunidades, com prejuízo não somente para suas populações, que continuarão a ser mal atendidas em serviços essenciais, como saneamento básico, como para toda a sociedade, que estará a cada dia mais vulnerável.
4. O chamado Poder Paralelo tem-se fortalecido na medida exata em que se multiplicam essas áreas. A falta de policiamento, agravada pela dificuldade de acesso, mantém as quadrilhas organizadas a salvo da Lei. Neste contexto, as favelas são verdadeiros conclaves urbanos, onde o crime se mantém encastelado. Demagogia e, se for o caso, ingenuidade à parte, a questão é simples. O problema das favelas pode até ser remediado pelo Favela-Bairro e seus similares, ainda que não na velocidade e medida desejadas. Já o crescimento das favelas, este é irremediavelmente um problema de polícia. Trata-se de aplicar a Lei.
5. Diante da crescente ousadia do crime organizado, que impõe suas próprias regras, vale a pena frisar, para que ninguém duvide: a coerção continua a ser monopólio exclusivo do Estado. Não se trata de faculdade, como as omissões evidenciadas em nosso dia-a-dia possam nos fazer crer. É dever. Portanto, é inadmissível que o Poder Público assista impávido ao avassalador avanço das favelas sobre nossos morros, em ostensivo desrespeito às posturas municipais, sem tomar medidas para reverter o quadro.
6. A expansão da Rocinha parece ser o caso mais notório. Em poucos anos, a favela se multiplicou, devorou uma larga faixa de Mata Atlântica em área de proteção ambiental _ e, portanto, supostamente protegida por lei _ e chegou à Gávea, provocando uma triste e indesejável mudança na paisagem da cidade. É inevitável imaginar como ficará, em poucos anos, os maciços do Sumaré e do Corcovado cobertos por favelas, ou a Floresta da Tijuca simplesmente devastada pela expansão desordenada. Pois é neste sentido que caminhamos. Provavelmente nossos governantes deixarão que isto ocorra para então estabelecer programas reparadores. Afinal, as favelas são sempre uma excelente desculpa para o exercício do assistencialismo.
7. Infelizmente, uma visão poética de que essas áreas podem ser transformadas em locais aprazíveis para se viver ainda predomina em certos setores da sociedade, encorajada por um discurso falacioso ou pouco realista. Mas convenhamos: nem a custo de muito dinheiro público e boa dose de vontade política, ambos produtos escassos no Brasil, isto seria possível. Muito mais razoável seria impedir que as favelas se proliferem e investir em planejamento urbano e política habitacional _ artigos igualmente em falta no país. Não se trata de ser contra o favelado. A idéia é justamente a oposta: obrigar o Estado a instituir políticas urbanas que permitam a todos os cidadãos _ e não apenas a uma minoria _ viver em condições dignas.
8. Enquanto isto não ocorre, bem intencionados urbanistas e sociólogos continuarão a elaborar programas e projetos “salvadores”, num eterno trabalho de Sísifo, o personagem mitológico que empurra pedra morro acima, a vê rolar morro abaixo e retoma indefinidamente a tarefa, sem qualquer sucesso.