Pedro A. Batista Martins[1]
1. Incrível como está arraigado no inconsciente do brasileiro o lado tortuoso da vida. Ser gauche transformou-se em estilo próspero de vida. Os escândalos proliferam do Oiapoque ao Chuí de forma tão intensa e densa que a notícia não chega a ter seguimento dado o surgimento de outra fraude de maior relevância e bem mais empolgante.
2. Sem dúvida, esse sentimento pude também extrair, particularmente, da minha experiência profissional. Nos anos passados nas áreas do petróleo, da TV a cabo e das telecomunicações, defrontei-me com as mais variadas formas de fraude.
3. Não bastasse, agora, até mesmo em campo muito específico e recente do direito, pasmem, a fraude descobriu um nicho: é o caso das carteiras Mandrake dos juízes arbitrais.
4. A aética criatividade atingiu instituto de relevância no momento em que a sociedade demonstra sua acolhida e apreço por essa forma extrajudicial de solução pacífica de conflitos.
5. Contudo, devido à rápida intervenção do Ministério Público, da polícia e dos magistrados, o golpe foi abortado com competência.
6. Mas não descuidem, pois a engenhosidade é grande e pode causar outros estragos.
7. Sob o ângulo do instituto arbitral essas ações corretivas são louváveis e produzem efeitos profiláticos e, ao contrário do que possa parecer, a prática coibida não afetará o desenvolvimento da arbitragem no nosso país.
8. Isso porque o juízo arbitral é utilizado há décadas, mundo afora e, mesmo no Brasil, tem certa tradição.
9. Desse modo, não será meia dúzia de oportunistas que reverterá essa tendência, pois exemplos colhidos em outros países, como a Espanha, nos mostram que a pirataria arbitral, tão ao gosto dos latinos, tem vida breve.
10. A ignominiosa pretensão de se equiparar a juízes togados demonstra o despreparo de seus autores e servirá, claramente, para que a sociedade possa dividir o joio do trigo. Sem dúvida, sobreviverão as Câmaras idôneas que, com o apoio do Poder Judiciário, se preocupam em cooperar com o Estado na realização da justiça, como ocorre nos quatro cantos do planeta. Isso não significa, contudo, que o árbitro possa ser considerado juiz, como insinuam alguns.
11. O árbitro não se coloca na mesma posição do juiz togado, pois este é concursado e é detentor de prerrogativas, tais como vitaliciedade.
12. Tal não acontece, e não poderia acontecer, com os árbitros, pois estes são chamados a resolver uma questão específica por força da confiança das partes. Não são, pois, concursados, não detêm qualquer prerrogativa e, ainda, ao contrário dos verdadeiros juízes, não são titulares do poder de império.
13. Destarte, são flagrantemente distintas e, por isso, não se confundem as figuras do árbitro e do magistrado.
14. Dessa forma, só temos a aplaudir a oportunidade das medidas judiciais e policiais adotadas contra a pirataria que recentemente tomou de assalto a arbitragem.
15. E, para que não pairem dúvidas sobre as qualidades do instituto, basta citarmos o crescente número de arbitragens realizadas e de câmaras arbitrais constituídas por entidades das mais representativas, e ainda, antiga tendência vista em países como Estados Unidos e França de membros das suas Supremas Cortes recomendarem, e às vezes induzirem, aos advogados a utilização da arbitragem como meio mais célere e consensual de solução de conflitos. Ademais, vários países adotam o chamado favor arbitral em emblemático apoio ao instituto.
16. No Brasil também o Judiciário tem-se posto ao lado da arbitragem, cabendo registrar as recentes manifestações da Min. Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, conclamando seus pares e colegas a cooperar com a arbitragem, pois, afinal, é mais um veículo de concretização do direito fundamental do cidadão de pleno acesso à justiça.
- Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem. ↑