Pedro A. Batista Martins[2]
1. Boa notícia! Os estudiosos do tema não podem reclamar desse ano 2000.
2. A par das decisões judiciais que têm dado amparo ao implemento e à culturalização do instituto, os arbitralistas foram brindados com obra importante para a literatura do ramo.
3. Estamos falando do Tratado geral da arbitragem interno, elaborado por J.E. Carreira Alvim.
4. O tema é dos mais oportunos e o com ele o autor une o útil ao agradável, pois, ao enfrentar tópicos processuais ainda pouco ou nada explorados, o faz para aplicá-los à arbitragem, que, nas palavras Carreira Alvim, é uma instituição que tem servido à humanidade.
5. Com efeito, seu Tratado fortaleceu essa instituição, sobretudo sob o prisma processualístico.
6. Como realça o autor, deságuam na arbitragem os clássicos conceitos de ação, jurisdição e processo. O processo arbitral operacionaliza a ação do interessado em face do ente legitimado a ditar o direito ao caso concreto.
7. Esse órgão jurisdicional é conceituado por Carreira Alvim como órgão-pessoa – em oposição aos órgãos-entes – aos quais o Estado reconhece, em justa medida, o poder de ditar decisões com eficácia de coisa julgada.
8. Se assim é, e não discordamos do autor, devemos admitir que a cláusula compromissória não viola o tão decantado direito de ação. Esse direito não se afigura um dever posto que renunciável por ato de vontade, seja por ação expressa, tácita ou mesmo por total passividade de seu titular.
9. A estipulação compromissória afeta direito patrimonial disponível e sua prefixação legitima-se pelo objeto determinado ou determinável da controvérsia.
10. O que se condena é a cláusula compromissória aberta, de conteúdo indeterminado. Entretanto, sendo eficaz a cláusula arbitral (seja dos tipos branca, auto-regulada ou plena), não há que se falar, sequer, em renúncia a direito de ação vez que em ambas as jurisdições – estatal e arbitral – é ele exercitado pelo credor. Os convenentes, ao firmarem a cláusula compromissória, exercem direito de escolha da jurisdição que melhor atende seus interesses e o do negócio em jogo.
11. Não há renúncia a direito de ação, e sim amplificação das sedes em que ele se realiza. Afinal, como realça Carreira Alvim, contempla a arbitragem o trinômio ação, processo e jurisdição.
12. Outrossim, ao ressaltarmos a figura do processo arbitral, não devemos concluir que dele somos prisioneiros. De fato, o sucesso da arbitragem não comporta sua excessiva processualização. Dela é inimiga! O processo deve ser visto e trabalhado cum grano salis. A saga processualista dos causídicos não se coaduna com os princípios que norteiam a arbitragem.
13. Os institutos processuais aí estão para servir ao fim da jurisdição arbitral: a pacificação célere e segura dos conflitos. O processo da arbitragem depende, em grande dose, da capacidade de seu sistema antivírus obstruir determinadas práticas e concepções produzidas no contencioso comum.
14. A mitificação do processo tem favorecido, sobremaneira, o inadimplente. Enquanto o credor implora ao devedor o cumprimento da obrigação, este, soberano, sequer se abala. Com ares de descaso, esnoba os apelos do credor e, como que inatingível, não o manda para o outro lugar senão para a justiça! Sabe ele que a “ciência” processual opera milagres: na jurisdição estatal e eternidade é verdade incontestável. Para o bem da arbitragem, evitemos sua desarrazoada processualização.
15. Retomando nossa atenção sobre o Tratado, vemos que Carreira Alvim não se fez de rogado; enfrentou vários temas, alguns polêmicos, outros a descoberto, além daqueles ainda pouco pesquisados.
16. Viaja Carreira Alvim por vastos mares, às vezes tormentosos. E o faz com a experiência e a sensibilidade dos processualistas da boa família mineira.
17. Sustenta a plena constitucionalidade da Lei 9.307/96 e afirma a natureza publicista da arbitragem – “é a própria jurisdição em exercício” – considerando – a uma “particularização “ da jurisdição estatal.
18. Como corolário, afirma os poderes iurisdictio dos árbitros e a eficácia dos atos por eles praticados, em linha com a doutrina dominante e os preceitos que estruturam a Lei Marco Maciel.
19. Projeta na arbitragem a trilogia da ciência processual; não vacila em estabelecer os contornos da ação arbitral, em fixar as características de sua jurisdição e em configurar o processo que respalda seu exercício. É essa a peça de resistência de seu Tratado.
20. Outrossim, desembainha a convenção de arbitragem tirando a limpo questões como a natureza e o alcance dos contratos de adesão e as eficácias positiva e negativa da cláusula compromissória. Tudo isso com o estilo objetivo e prático, ao mesmo tempo sofisticado, que é característica própria da personalidade do autor.
21. Entretanto, ao aludir à impertinência da cláusula heterônoma – imposição da solução arbitral por via de lei – permitimo-nos discordar, mesmo que ainda em minoria. A arbitragem compulsória não viola a Constituição Federal, se previstas hipóteses de revisão da decisão por órgão estatal em casos relevantes, tais como os de violação de preceito de ordem pública. A nosso ver, carece de análise mais profunda o fim pretendido pelo dispositivo constitucional (art. 5º, XXXV).
22. Quanto ao compromisso, entende o autor que a ele se estende o conceito da autonomia contido no art. 8º da Lei de Arbitragem. Isso na hipótese sustentada pelo autor de o compromisso poder vir a substituir a cláusula compromissória.
23. A validade dessa tese, no entanto, fica a depender da possibilidade e habilidade dos convenentes de prefixarem no contrato a matéria que será objeto da arbitragem.
24. Fechando o capítulo do compromisso, vale uma sugestão: arbitralistas desmitifiquem esse instituto! Sua importância já se fez presente em demasia e em desproveito da eficácia do pacto arbitral.
25. Hoje reluz com todas as honras a cláusula compromissória relegando-se ao compromisso, quando muito , papel de coadjuvante júnior na arena arbitral.
26. Mostra-se o autor flexível no trato da prescrição e pragmático em matérias como defesa das partes na arbitragem. Confirma o entendimento da independência das duas jurisdições – arbitro e estatal – realçando que “o auxílio ao árbitro pela autoridade judiciária não confere ao juiz togado o poder de ingerir-se na arbitragem, impondo ao árbitro determinado comportamento”.
27. No particular das medidas cautelares, coercitivas e antecipatórias, um registro: determinando o juízo arbitral o provimento requerido, não nos parece – como sugere o autor – que somente o arbitro poderá solicitar ao Judiciário sua execução. Caberá também à parte interessada, no nosso entendimento, diligenciar o cumprimento perante a autoridade judiciária competente.
28. Em seqüência, não passaram in albis temas afeitos à sentença arbitral, à ação de nulidade, à problemática da litispendência e, também, às questões ligadas ao litisconsórcio, à assistência e à sucessão no processo arbitral.
29. Por certo Carreira Alvim, no seu Tratado, não só flerta com a arbitragem como desnuda o processo que lhe dá vida e sentido, em suas várias etapas e, assim conquista o estudioso com a singeleza com que desfibra os institutos que o cercam.
30. No fechamento, brinda os interessados com dezenas de súmulas conclusivas. São de grande valia as súmulas do Carreira!
31. É, pois, com mérito que J. E. Carreira Alvim, Desembargador Federal do TRF 2ª Região, Professor Universitário no Rio de Janeiro e membro da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil, logrou, com seu Tratado, nota máxima e o título de Doutor em Direito pela UFMG.
32. Vale conferir!