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Pedro A. Batista Martins[1]

6. Introdução

1. Em que pesem as surpresas, o Brasil detém certa tradição em submeter seus conflitos à solução arbitral. Ao menos no século XIX e nas primeiras décadas do século seguinte, o País não se furtou a firmar tratados que dispunham sobre a arbitragem. Não bastasse, agregou prestígio com as atuações de importantes figuras nacionais como árbitros em questões de relevo internacional.

2. Nesse sentido podemos atestar as brilhantes participações como árbitros do Barão de Arinos, do Conselheiro Lafayette e do Barão de Aguiar d’Andrada, nas respectivas reclamações mútuas franco-americanas por danos causados às partes por autoridades civis e militares dos respectivos litigantes, durante a guerra de secessão, a expedição ao México, a comuna e a guerra franco-prussiana de 1870 e nas reclamações da França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e outros contra o Chile, por prejuízos sofridos por nacionais dos países reclamantes, como conseqüência de operações da guerra na Bolívia e Peru[2].

3. Ainda nesse particular, cabe citar as questões a que o Brasil recorreu à arbitragem:

a) Reclamação formalizada pelo filho do Almirante Cochrane para recebimento da quantia que seria devida a seu pai em função dos serviços prestados à causa da independência do Brasil (laudo favorável ao Brasil – 1873);

b) Questões de limites com a Argentina (laudo favorável ao Brasil – 1900)e com a Guiana Britânica (o laudo proferido pelo Rei da Itália, Victor Emanuel III, foi tão injusto para o Brasil que, posteriormente, foi reexaminado e acordada outra saída amigável – 1904);

c) Questões do território do Acre com a Bolívia (1909);

d) Reclamações mútuas com o Peru, em virtude de problemas ocorridos no Alto Juruá e Alto Purus (1910);

e) Divergência com a Grã-Bretanha, resultante da prisão, no Rio de Janeiro, de oficiais da fragata inglesa Fort (laudo favorável ao Brasil – 1863);

f) Pendência com os Estados Unidos a respeito do naufrágio da galeria americana Canadá, nas costas do Rio Grande do Norte (laudo favorável ao Brasil – 1870);

g) Reclamação da Suécia e da Noruega em virtude do abalroamento, no porto de Assunção, da barca norueguesa Queen, pelo monitor brasileiro Pará (o laudo declarou improcedente a reclamação – 1872).

4. No campo dos atos internacionais, relevam-se os tratados firmados pelo Brasil com o Chile (1899) e a Suíça (1924), onde as partes se comprometem a submeter os eventuais conflitos a Tribunal Arbitral.

5. O mesmo fez o Brasil com a Rússia (1910), quanto a controvérsias pecuniárias por danos e prejuízos. No mesmo sentido, tratados que submetiam obrigatoriamente à arbitragem “conflitos de natureza jurídica ou sobre interpretação de tratados existentes entre as partes contratantes” – com exclusão de conflitos que esbarrassem nos interesses vitris e na independência de terceiras potências – foram assinados pelo Brasil com os Estados Unidos, França, Espanha, México, Venezuela, Costa Rica, Equador, Cuba, Grã-Bretanha, Noruega, China e Peru, todos em 1909, e, ainda, com a Áustria-Hungria e o Haiti, ambos em 1910[3].

6. Por mais surpreendente que seja, esses e outros fatos demonstram estar a arbitragem, de certo modo, inserida na tradição brasileira a espelhar, inclusive, o comprometimento do País, na ordem externa e interna, com a solução pacífica das controvérsias, como exarado no preâmbulo de nossa Constituição Federal.

7. Essa praxe consta refletida no direito positivo nacional desde a Constituição Política do Império, de 1824, registrando-se nos Códigos Civil, Comercial e nos dois de Processo Civil (1939 e 1973).

8. Com a Lei n° 9.307/96, a arbitragem ganhou visibilidade, que lhe permitiu ser relembrada e revisitada, e suficiência a permear com eficácia os atos que lhe são próprios.

9. Corolário natural, as recentes decisões judiciais demonstram haver vida no instituto. Não há dúvida: a lei pegou! E com vigor e abrangência capazes de impor seus efeitos, mesmo quando inserida em contrato administrativo, como afirma a decisão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. Pólo passivo. Tempestividade. Licitação. Interesse público indisponível. Juízo arbitral. Dec.-lei 2.300 e Lei 8.666. Possibilidade.

Ementa: I – ……………………..; II – ……………………..; III – Pelo art. 54, da Lei 8.666/93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contratuais. IV – Cabe à Administração Pública cumprir as normas e condições constantes do Edital de Concorrência, ao qual está vinculada. V – Os Tribunais de Contas não possuem função jurisdicional pois não julgam. Sua função é fiscalizadora e, por isso, suas decisões não são sentenças, mas pareceres ou deliberações sujeitas ao crivo do judiciário. VI – Segurança concedida[4]

VOTOS – A Exma. Sra. Desa. Nancy Andrighi (relatora)- Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Seveng Civilsan S/A – Empresas Associadas de Engenharia e Construtora Andrade Gutierrez S/A contra ato do Tribunal de Contas do Distrito Federal, constante da Decisão 5.372/98, ao apreciar o Proc. 3.485/85 e comunicada através do Ofício 2.364/98, de 05.08.1998.

Os impetrantes sustentam que o ato impugnado restringe-se ao tópico II da citada Decisão, ao determinar à Caesb “que se abstenha de recorrer ao Juízo Arbitral para dirimir questões contratuais”.

Alegam que tal determinação contraria as disposições expressas do Edital de Licitação de que resultaram os contratos firmados, pois o referido edital foi fiel ao disposto no parágrafo único do art. 45, do Dec.-lei 2.300/86, que, na ocasião, regia as licitações.

A Cláusula Vigésima Sexta do Contrato, da minuta de contrato constante do Edital que regulou a Concorrência Pública Internacional CI-01/87, apresenta a seguinte redação:

“Qualquer questão ou discordância relativa ao presente contrato que não possa ser solucionada amigavelmente, em se tratando de empresa brasileira, será discutida por Juízo Arbitral a ser constituído e regulado de acordo com as disposições contidas no Capítulo XIV do Código de Processo Civil, Lei 5.869, de 11.01.1973”.

Dita redação, inclusive, consta dos contratos que foram firmados entre Caesb e os impetrantes.

Compulsando os instrumentos contratuais, constata-se que foram celebrados em agosto de 1987, época em que a lei que dispunha sobre licitações e contratos da Administração Federal era o Dec.-lei 2.300/86, cuja redação do parágrafo único, do art. 45, assim, apresentava-se:

“Parágrafo único. Nos contratos celebrados pela União ou suas autarquias, com pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no estrangeiro deverá constar, necessariamente, cláusula que declare competente o foro do Distrito Federal para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 13 do art. 25, permitindo nesses casos o juízo arbitral”.

Note-se que o parágrafo único do art. 45, do Dec.-lei 2.300/86, estabeleceu que, nos contratos celebrados com pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no estrangeiro deveria constar necessariamente cláusula que declarasse competente o foro do Distrito Federal para dirimir qualquer questão do contrato, salvo na hipótese de concorrência internacional objetivando a aquisição de bens ou serviços cujo pagamento fosse feito com o produto do financiamento concedido por organismos internacionais, de que o Brasil fizesse parte, ou nos casos de contratação com empresa estrangeira, para compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior, desde que, com prévia autorização do Presidente da República, permitindo-se, nesses casos, o juízo arbitral. [§ 13 art. 25].

Os contratos, ora em análise, foram firmados com pessoas jurídicas com domicílio no Brasil; referem-se à concorrência internacional objetivando a aquisição de bens ou serviços, inclusive parte do pagamento é feito com o produto do financiamento concedido por organismo internacional, de que o Brasil faz parte, no caso o Bird (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, também conhecido como Banco Mundial ou Banco Internacional, é um organismo fornecedor de créditos a médio e longo prazos, agindo como captador de capitais internacionais para investimentos produtivos em países subdesenvolvidos.

No caso de não conseguir esses recursos ele poderá emprestar parte de seu próprio capital).

Assim, não havia, na ocasião do procedimento licitatório, qualquer vedação ao socorro do juízo arbitral para solucionar questões contratuais.

Analisando, ainda, o teor do ato ora atacado, verifica-se entender aquele Tribunal que a adoção da arbitragem não incide sobre o interesse público, que é indisponível.

Observa-se, com base na cópia de Diário Oficial, acostada aos autos, que o próprio Tribunal de Contas do Distrito Federal, na ocasião, não impugnou a cláusula referente a adoção do juízo arbitral.

Em 31.11.1996, entrou em vigor a Lei 9.307/96 relativa à arbitragem.

Ante a redação do art. 1°, verifica-se que a arbitragem serve para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

É notória a indisponibilidade do interesse público. E a possibilidade de questões ou discordâncias contratuais, que não possam ser solucionadas amigavelmente, serem discutidas por juízo arbitral não afeta dita indisponibilidade.

Veja-se que os contratos visam a adaptação e a ampliação da Estação de Tratamento de Esgotos de Brasília.

Este é o fim público almejado. Para sua consecução, há o fornecimento de diversos bens, prestação de obras civis, serviços de montagens eletromecânicas, pagamento e etc., conforme pactuado.

No caso, havendo dúvidas atinentes a tais disposições, podem perfeitamente ser solucionadas ante o juízo arbitral, tudo visando a eficiente consecução do objeto do contrato.

Acrescente-se que, pelo art. 54, da Lei 8.666/93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem a reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contratuais.

Ressalte-se, ainda, caber, à Administração Pública, cumprir as normas e condições constantes do Edital de Concorrência, ao qual está vinculada.

Assim, se foi estipulado, no Edital, que qualquer discordância referente ao contrato, não solucionada amigavelmente, poderá ser discutida por juízo arbitral, esta disposição deve ser fielmente observada pelas partes contratantes.

Constata-se, então, que o Edital foi fiel ao citado parágrafo único do art. 45, do Dec.-lei 2.300/86, ou seja, ao estabelecer a constituição do Juízo Arbitral, fê-lo em consonância com a lei de regência.

Forte nessas razões, concedo segurança pleiteada, para o fim de determinar que, em cumprimento ao Edital de Licitação CI-01/87, bem como ao constante dos contratos celebrados entre os impetrantes e a Caesb, sejam as questões oriundas dos respectivos instrumentos, não solucionadas amigavelmente, dirimidas por arbitramento.

É como voto.

DECISÃO – Rejeitadas as preliminares e concedida a segurança.

Unânime.

7. Capacidade para se Comprometer dos Entes de Direito Público

10. Com a intensificação da atuação dos Estados no campo das atividades econômicas, diretamente ou através de seus entes personalizados, tem sido freqüente nos contratos resultantes do pretendido negócio, principalmente na área internacional, a disposição de solução da controvérsia por arbitragem.

11. A cláusula arbitral tem sido o remédio para o particular evitar a submissão da disputa aos domínios territoriais e legais do Estado interessado, ou mesmo para afastar possível conflito de jurisdição.

12. Apesar de ainda gerar polêmica, esta disposição de vontade, na verdade, já foi acolhida pela grande maioria dos sistemas jurídicos.

13. O debate ao redor do tema sobrevive pelo empenho descomedido em se transportar para o novo milênio doutrina do século XIX, baseada em princípios originados no feudalismo. Àquela época os senhores feudais não admitiam submeter-se a quem lhes fosse inferior ou igual; par in parem non habet judicium era o princípio que lhes aplicavam.

14. E se a eles, senhores feudais, era dada a oportunidade de recurso de competência originária de instância superior, com toda a razão deveriam alegar os soberanos imunidade pessoal. E foi o que aconteceu.

15. Posteriormente, tal favorecimento se ampliou a ponto de orientar a tese territorialista da soberania do Estado sobre seus bens e súditos e, mais ainda, para firmar o princípio do imperium de modo a afastar a sujeição do Estado soberano a um sistema legal estrangeiro.

16. Daí a modificação do brocardo para “par in parem non habet imperium”. Por essa tese a imunidade tem caráter absoluto.

17. Dado o forte apelo político e a segura sustentação jurídica, essa proposição, ao longo dos anos, se transformou em dogma dos Estados e, pelas mãos de Marshal, assentou jurisprudência nos E.U.A. (leading case The Schooner Exchange v. M’Faddon), com a afirmação de que apenas o próprio Estado pode impor restrição a sua jurisdição.

18. Esse entendimento foi seguido pela Inglaterra, em 1820, no caso “The Prinz Frederik”[5], quando a Corte afirmou não poder exercer jurisdição pela adoção irrestrita da tese da plena imunidade.

19. Calcada no princípio da independência e da igualdade dos Estados, a doutrina da imunidade reinou absoluta até o início da Primeira Guerra Mundial, vergando seus alicerces após a Segunda Grande Guerra, quando se faz presente a intervenção estatal na atividade econômica.

20. Nesse momento, surgem reações contra os privilégios e o tratamento desigual. Enfim, passando o Estado a agir no setor do direito privado, negociando, e por vezes competindo com particulares, justo o afastamento de prerrogativas de forma a conferir segurança às relações jurídicas.

21. O notável desequilíbrio de forças em desproveito do particular abranda-se pelo justo afastamento do beneplácito das normas de direito público.

22. Frente a essa nova realidade, surge a teoria da imunidade relativa, ou restrita, que assegura o privilégio quando o ato praticado for, unicamente, de cunho soberano ou público. Como corolário, desponta a dicotomia: atos de império e atos de gestão[6].

23. Assim, o emprego dos efeitos legais contratuais passa a depender da determinação da natureza do negócio jurídico concluído pela administração pública.

24. Conquanto essa distinção entre ato jure imperii e jure gestionis não raro impõe o exame à luz do caso concreto, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao refletir sobre a questão, assim deduz conceitualmente:

“Certos interesses, porém, são considerados de tal forma relevantes para a segurança e para o bem-estar da sociedade que o ordenamento jurídico os destaca, os define e comete ao Estado satisfazê-lo sob regime próprio: são os interesses públicos.

Destarte, ao definir esses interesses públicos a lei os coloca fora do mercado, submetendo-os, distintamente dos demais, ao princípio da supremacia, como força jurídica vinculante, e ao princípio da indisponibilidade, em regra, absoluta e, por vezes, relativa.

A indisponibilidade absoluta é a regra, pois os interesses públicos, referidos à sociedade como um todo, não podem ser negociados senão pelas vias políticas de estrita previsão constitucional. A indisponibilidade relativa é a exceção, recaindo sobre interesses públicos derivados, referidos às pessoas jurídicas que os administram e que, por esse motivo, necessitam de autorização constitucional genérica e, por vezes, de autorização legal.

Em outros termos e mais sinteticamente: está diante de duas categorias de interesses públicos, os primários e os secundários (ou derivados), sendo que os primeiros são indisponíveis e o regime público é indispensável, ao passo que os segundos têm natureza instrumental, existindo para que os primeiros sejam satisfeitos, e resolvem-se em relações patrimoniais e, por isso, tornaram-se disponíveis na forma da lei, não importando sob que regime.

São disponíveis, nesta linha, todos os interesses e os direitos deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser quantificados monetariamente, e estejam no comércio, e que são, por esse motivo e normalmente, objeto de contratação que vise a dotar a Administração ou seus delegados, dos meios instrumentais de modo a que estejam em condições de satisfazer os interesses finalísticos que justificam o próprio Estado”[7].

25. Essa vertente de qualificação do ato manifestado pelo ente público foi assimilada pelos nossos tribunais ao confirmarem o repúdio manifestado pela doutrina e legislação internacional à sobrevivência da doutrina da imunidade absoluta.

26. Durante a década de 70 grassou no Supremo Tribunal Federal a orientação de que a jurisdição brasileira somente se aplicava em caso de renúncia expressa por parte do Estado estrangeiro. A recusa de jurisdição importava no trancamento do feito[8].

27. Esse entendimento se cristalizou em aplauso à idosa e arraigada regra costumeira do Direito das Gentes.

28. Entretanto, esse vetusto preceito, ainda mesmo na década de trinta, já havia sido alvo de reformulações pelo próprio direito internacional. Nesse rastro, a Convenção Européia sobre Imunidade do Estado, firmada na Basiléia, em 16.05.1972, operou modificações na teoria absolutista da imunidade, para nela fixar parâmetros de excludência. O mesmo se pode dizer do Foreign Sovereign Immunities Act, promulgado pelos Estados Unidos, em 21.10.1976, e do State Immunity Act, do ano de 1978, a produzir efeitos no Reino Unido.

29. Essa tendência não passou despercebida no Brasil, fazendo-se sentir anos após no Supremo Tribunal Federal, quando o Min. Francisco Rezek, acompanhando o voto do Min. Relator Sydney Sanches, explorou esse viés e restou por reverter a, até então, mais essa orientação da mais alta corte[9], verbis:

“Independente da questão de saber se há hoje, maioria numérica de países adotantes da regra da imunidade absoluta, ou daquela da imunidade limitada – que prevalece na Europa ocidental e que já tem fustigado, ali, algumas representações brasileiras -, uma coisa é certíssima: não podemos mais, neste Plenário, dizer que há uma sólida regra de direito internacional costumeiro, a partir do momento em que desertam dessa regra os Estados Unidos da América, a Grã-Bretanha e tantos outros países do hemisfério norte.

Portanto, o único fundamento que tínhamos – já que as convenções de Viena não nos socorrem a tal propósito – para proclamar a imunidade do Estado estrangeiro em nossa tradicional jurisprudência, desapareceu: podia dar-se por raquítico ao final da década de setenta, e hoje não há mais como invocá-lo”.

“O quadro interno não mudou. O que mudou foi o quadro internacional. O que ruiu foi o nosso único suporte para a afirmação da imunidade numa causa trabalhista contra Estado estrangeiro, em razão da insubsistência da regra costumeira que se dizia sólida – quando ela o era -, e que assegurava a imunidade em termos absolutos”[10].

30. Sob essa nova ótica e dada a competência assegurada pela Constituição de 1988, o Superior Tribunal de Justiça passou a enfrentar a matéria firme na convicção de que a imunidade é passível de temperamentos, nos termos das decisões que ora trazemos à colação.

Estado estrangeiro – Reclamação trabalhista – Imunidade de jurisdição.

O princípio da imunidade de jurisdição de Estados estrangeiros era entre nós adotado, não por força das Convenções de Viena, que cuidam de imunidade pessoal, mas em homenagem a costumes internacionais. Ocorre que esses tendo evoluído não mais se considera essa imunidade como absoluta, inaplicável o princípio quando se trata de litígios decorrentes de relações rotineiras entre o Estado estrangeiro, representado por seus agentes, e os súditos do país em que atuam. Precedente do Supremo Tribunal Federal[11].

Jurisdição. Imunidade. Reclamação Trabalhista contra Estado estrangeiro.

A moderna doutrina do Direito Internacional Público não mais admite como absoluta a regra da imunidade jurisdicional de Estado estrangeiro. Exceção dos feitos de natureza trabalhista, dentre outros[12].

Imunidade de jurisdição. Reclamação trabalhista intentada contra Estado estrangeiro.

Sofrendo o princípio da imunidade absoluta de jurisdição certos temperamentos em face da evolução do direito consuetudinário internacional, não é ele aplicável a determinados litígios decorrentes de relações rotineiras entre o Estado estrangeiro e os súditos do país em que o mesmo atua, de que é exemplo a reclamação trabalhista.

Precedentes do STF e do STJ[13].

Estado estrangeiro. Imunidade de jurisdição. Inocorrência. Precedentes. Competência da Justiça brasileira. Recurso desprovido.

O Direito Internacional Público atual não tem prestigiado como absoluto o princípio da imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro, impondo-se à confirmação a erudita decisão que deu pela competência da Justiça brasileira[14].

Direito Internacional Público – Imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro – Evolução da imunidade absoluta para a imunidade relativa – Atos de gestão – Aquisição e utilização de imóvel – Impostos e taxas cobradas em decorrência de serviços prestados pelo Estado acreditante.

Agindo o agente diplomático como órgão representante do Estado estrangeiro, a responsabilidade é deste e não do diplomata. A imunidade absoluta de jurisdição do Estado Estrangeiro só foi admitida até o século passado.

Modernamente se tem reconhecido a imunidade ao Estado Estrangeiro nos atos de império, submetendo-se à jurisdição estrangeira quando pratica ato “jure gestiones” quando adquire bens imóveis ou móveis.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, mudando de entendimento, passou a sustentar a imunidade relativa.

Também o Colendo Superior Tribunal de Justiça afasta a imunidade absoluta, adotando a imunidade relativa do Estado Estrangeiro.

Não se pode alegar imunidade absoluta de soberania para não pagar impostos e taxas cobrados em decorrência de serviços específicos prestados ao Estado Estrangeiro[15].

31. Vê-se que nossa jurisprudência favorece a tese da imunidade relativa da jurisdição, tendo o Superior Tribunal de Justiça imposto esse regramento desde o início de suas atividades, mantendo-o vivo até o presente momento.

32. Entendeu o STF que a matéria não era de ordem estritamente privada. Conforme registrou o Min. Ilmar Galvão:

“Diversamente do que entendeu a agravante, não se afastou, ali, de uma vez por todas, a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, perante o Poder Judiciário brasileiro, como ficou demonstrado no julgamento do AgRg 139.671, cujo acórdão foi acima transcrito.

A hipótese dos presentes autos, conforme percebido pela própria agravante, não cuida de feito decorrente de “interação do Estado estrangeiro e o meio local desvestido de oficialidade”, mas de litígio que se trava entre o próprio Estado estrangeiro e o Estado brasileiro, o que é coisa absolutamente diversa, acrescentando a circunstância especial de estar-se diante de processo de execução. Dizer que, também nessa hipótese, prevalece a jurisdição brasileira, valeria não pela afirmativa de que a imunidade de jurisdição, entre nós, tem caráter simplesmente relativo, mas de que já não subsiste ela no sistema jurídico brasileiro, conseqüência que não se pode colher de nenhum dos precedentes jurisprudenciais mencionados.”

33. A ementa ficou assim consolidada:

“Execução fiscal movida pela Fazenda Federal contra Estado Estrangeiro. Imunidade de jurisdição.

A imunidade de jurisdição não sofreu alteração em face do novo quadro normativo que se delineou no plano do direito internacional e no âmbito do direito comparado (cf. AgRg 139.671, Min. Celso de Mello, e a AC 9.696, Min. Sydney Sanches), quando o litígio se trava entre o Estado brasileiro e o Estado estrangeiro, notadamente em se tratando de execução” (RTJ 167/161).

34. Destarte, a capacidade do Estado e de suas pessoas jurídicas de se submeterem ao crivo da justiça estrangeira deve ser analisada sob o prisma ratione materiae e não ratione personae. Com efeito, praticando ato de gestão não poderá alegar o Estado imunidade jurisdicional para desconsiderar o acordado ou não cumprir com os ditames legais.

35. Esse posicionamento se aplica, também, em sede de juízo arbitral.

36. Sendo o ajuste contratado no desempenho de atividade do Estado com preponderância do seu poder político, agindo, pois, com causa de utilidade pública, impõe-se às cláusulas e condições acordadas no ordenamento de direito público, cujo conteúdo não é passível de transação. Estamos, nesse caso, frente ao ato jus imperii, ao qual se curva o particular e, a reboque, a cláusula compromissória.

37. Contudo, se a relação entabulada pelo Estado ou por um de seus entes de direito público refletir ato de natureza privada, estão estes atuando no cenário comercial, desprovidos das prerrogativas do direito público, equiparando-se, pois, aos particulares contratantes. Assim, ao praticar atos jus gestionis, podem comprometer-se em sujeitar-se à solução arbitral e, inclusive, aplicar lei estrangeira à própria controvérsia.

38. Tratando-se de contrato jure gestione, legítima e válida a cláusula arbitral, tanto no trato das relações de direito interno quanto internacional[16].

39. Por sinal, nos contratos internacionais em que a administração pública é parte, essa reserva de jurisdição não tem recebido guarida, mesmo se manifesta como norma de seu sistema interno legal. Isso porque sua eficácia não se origina de um conteúdo de conduta ética ou moral que assegura a existência de um sistema de direito integrado, consistente e rígido.

40. Ao contrário, é mera manifestação de natureza política a exprimir o desejo do Estado em negar curso à jurisdição alheia. Sendo expressão de poder do Estado, é nas relações de império que os efeitos dessa norma se tornam inflexíveis, haja vista a igualdade de forças das soberanias.

41. E é, com base nesses pressupostos, que deve ser analisada a capacidade da administração pública em se comprometer com a solução arbitral.

42. Sendo disponível a natureza do negócio jurídico, pouco importa preceito de reserva de jurisdição. Válida a cláusula compromissória porquanto impera a boa-fé nas relações. Por sinal, este princípio consta elevado, na seara internacional, a categoria de ordem pública[17].

43. Assim, a visão moderna desconsidera a alegação de falta de capacidade, apresentada por uma contratante que busca escapar aos efeitos da cláusula compromissória em virtude de dispositivo impeditivo de sua legislação nacional, pois deve prevalecer, nesse aspecto, o princípio de ordem fundamental que prepondera nas relações internacionais: a boa-fé.

44. Como indicam W. L. Craig, W.W. Park e J. Paulson:

“this principle of good faith has been applied by ICC arbitrators as an imperative norm perceived without reference to any specific national law. A leading precedent in this connection is a 1971 award dealing with a claim by a State not to be bound by the arbitration clause, where the Tribunal stated that: international order public would vigorously reject the proposition that a State organ, dealing with foreigners, having openly, with knowledge and intent, concluded an arbitration clause that inspires the co-contractant’s confidence, could thereafter, whether in the arbitral proceedings invoke the nullity of its own promise”[18].

45. Ilegítima, pois, a pretensão da parte que negocia e acata a solução arbitral para, posteriormente, invalidar seus efeitos em pretensa argüição de reserva de jurisdição doméstica. O direito não compactua com aleivosias desse padrão. E, se esse entendimento grassa na cultura dos negócios internacionais, internamente também há de proliferar.

46. Com efeito, as relações internas em que pessoa de direito público é parte conformam-se, igualmente, com a boa-fé. Preceito de extrema grandeza, funciona como sustentáculo da segurança jurídica e, assim, deve ser vivificado em cada ato jurídico. É a boa-fé que norteia o negócio jurídico[19].

47. E esse valor não pode ser desconsiderado impunemente pela simples ausência de regra expressa autorizadora da jurisdição arbitral ou pela pretensa existência de imunidade.

48. A uma, porque a ordem jurídica nacional, além de fundada na livre iniciativa, impõe à empresa pública e à sociedade de economia mista que explore atividade econômica, o regime próprio das empresas privadas (arts. 170 e 173, CF). Nesse particular, a supremacia da igualdade na ordem econômica repudia privilégios, inclusive a de jurisdição.

49. A duas, porque inexiste imunidade se o acordo tem por objeto matéria abraçada pelo jure gestione. Como já vimos, a imunidade é relativa aos atos de império e só a ele pode ser posta a exceção. É de caráter restrito e exclusivo. Os demais atos praticados pela administração pública a ela não se sujeitam. E, inexistindo imunidade, não há que se falar em impossibilidade de renúncia da jurisdição estatal.

50. Seja na exploração empresarial da atividade econômica, ou na prestação de serviço público afeta a atos de gestão patrimonial, é legal e recomendável valer-se (e sujeitar-se) o Estado aos efeitos da cláusula compromissória[20].

51. Outra não foi a tese adotada unanimemente pelos membros do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, convertida na decisão sob comento.

52. É notória a indisponibilidade do interesse público. E a possibilidade de questões ou discordâncias contratuais, que não possam ser solucionadas amigavelmente, serem discutidas por juízo arbitral não afeta dita indisponibilidade.

53. Veja-se que os contratos visam a adaptação e a ampliação da Estação de Tratamento de Esgotos de Brasília. Este é o fim público almejado. Para sua consecução, há o fornecimento de diversos bens, prestação de obras civis, serviços de montagens eletromecânicas, pagamento e etc., conforme pactuado.

54. No caso, havendo dúvidas atinentes a tais disposições, podem perfeitamente ser solucionadas ante o juízo arbitral, tudo visando a eficiente consecução do objeto do contrato.

55. Registre-se, por fim, não se aplicarem às pessoas jurídicas de direito público, nos atos jure gestionis em que há eleição da cláusula compromissória, as regras de competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça previstas nos artigos 102, f, e 105, II, “c” da Constituição Federal, pois de efeitos processuais e de caráter ancilar.

56. A bem da verdade, o Supremo Tribunal Federal já admitiu, por unanimidade do seu Plenário, ser válida a arbitragem contra a União. Essa decisão foi baseada no acórdão do TFR, verbis:

“Juízo Arbitral – Na tradição do nosso direito, o instituto do Juízo Arbitral sempre foi admitido e consagrado, até mesmo nas causas contra a Fazenda. Pensar de modo contrário é restringir a autonomia contratual do Estado, que, como toda pessoa sui juris, pode prevenir o litígio pela via do pacto de compromisso, salvo nas relações em que age como Poder Público, por insuscetíveis de transação”.

57. Sinteticamente, em se tratando de Estado, a capacidade em se comprometer deve ser vista não só pelos ângulos da arbitrabilidade da matéria (objetivo) e da aptidão pessoal, mas também pelo foco da natureza jurídica do ato subjacente, sobretudo nas suas intervenções não empresariais.

8. A Administração Pública e a Solução dos Conflitos por Arbitragem no Direito Positivo.

58. Acompanhando a tendência legislativa mundial[21] e frente à comercialização do direito administrativo[22], a legislação brasileira atinente às relações de direito público passou a deixar expressa a possibilidade de utilização da arbitragem na solução de disputas envolvendo o ente estatal e o particular[23].

59. Esse objetivo didático do legislador foi incentivado pelas incontáveis discussões que o tema havia gerado anteriormente.

60. Conquanto louvável, pela segurança jurídica que transmite, tecnicamente essa expressa introdução não era imperativa dada a legalidade da arbitragem em nosso sistema legal e não existir, por outro lado, vedação a essa prática no âmbito administrativo, exceto a construção doutrinária e jurisprudencial quanto aos atos soberanos praticados pelo Estado.

61. Até porque, a escolha da arbitragem não denota negligência do Estado com a coisa pública. Ao contrário, a utilização de rito jurisdicional especializado, imparcial e célere, sujeito ao due process of law, traduz-se em administração de qualidade, atributo, por sinal, em falta no cenário estatal.

62. Como afirma Adilson Abreu Dallari:

“O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização concreta da justiça. Inúmeras vezes, para defender o interesse público, é preciso decidir contra a Administração Pública”[24].

63. Por sinal, ao escolher a arbitragem, o ente público não renuncia a direito natural (direito de ação); exerce-o em outra jurisdição, cuja decisão, nos termos da lei (tanto a antiga quanto a atual), é passível de revisão judicial.

64. Esse conjunto de leis se torna ademais irrelevante após a edição da Lei Marco Maciel, que passou a admitir, claramente, e com eficácia jurídica, as pessoas capazes louvarem-se em árbitro para dirimir questões de direito patrimonial disponível.

65. Se a tão discutida previsão legal já poderia ser extraída do contexto de nosso ordenamento jurídico, dada a interpenetração dos ramos público e privado do direito e a supletividade das normas privadas aos contratos administrativos, o limite da legalidade encontrou amparo geral na Lei n° 9307/96.

66. De qualquer modo, as legislações específicas relativas (I)ao regime de Concessão e Permissão dos Serviços Públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal (Lei n° 8987/95), (II) às Telecomunicações (Lei n° 9472/97), (II) a Política Energética – “Lei do Petróleo” (Lei n° 9478/97), e (IV) às Licitações (Lei n° 8666/93) deram um basta à infrutífera discussão da submissão dos entes estatais à arbitragem cristalizando no direito administrativo, assim, o melhor entendimento dentre os existentes.

67. Enquanto a Lei de Licitação, ainda no início da década de 90, procurou deixar expresso o pensamento arraigado na doutrina administrativa[25] da aplicação supletiva das regras de direito privado aos contratos administrativos, as leis de concessão de serviços públicos e a de telecomunicações avançaram no sentido de impor aos contratantes cláusula de foro e modo amigável de solução das controvérsias[26].

68. Já a Lei do Petróleo foi mais longe ainda ao prever expressamente a opção arbitral. Estabelece como cláusula essencial do contrato de concessão “as regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional” (art. 43, X). Do teor dos últimos textos legais retromencionados extraímos a certeza do pouco trato do legislador com o instituto arbitral.

69. Nossa crítica, contudo, não vai a ponto de reclamar menção expressa à arbitragem, por pretenso descabimento da inclusão desse instituto na definição de meio amigável de solução de disputa. Ao contrário, esse conceito, lato sensu, comporta a arbitragem a despeito de sua natureza jurídica publicista[27].

70. A crítica tem outro alvo. Não foi de boa técnica legislativa impor aos contratantes, conjuntamente, a disposição do foro e do modo de solução amigável das controvérsias.

71. E, nesse ponto, discordamos da ilustre Selma M. Ferreira Lemes quando afirma ter sido sábio o legislador e que “nenhuma contradição se verifica em eleger as duas vias de soluções de controvérsias: judicial e extrajudicial”[28].

72. Por certo, esse amálgama é de todo indesejável e sofre censura severa dos estudiosos. A fixação de foro não se coaduna com a cláusula arbitral, exceto se ressalvada expressamente sua finalidade: casos de revisão da decisão arbitral; imposição de medidas cautelares ou coercitivas; análise das questões contratuais inarbitráveis.

73. Mas isso o legislador não fez! E, ao não usar da boa técnica, com certeza acabará por induzir os entes públicos a estabelecer cláusulas compromissórias de conteúdos conflitantes a merecer interpretação pragmática por parte dos julgadores.

74. Aliás, essa incoerência contratual é origem do “favor arbitral” adotado pela jurisprudência judicial e arbitral, inclusive a brasileira[29], quando defrontado o julgador com situações dessa espécie.

75. Essa imprecisão legislativa é também fonte de dúvidas nos contratos de exploração de petróleo dado que a Lei 9478/97 somente se reporta à arbitragem internacional.

76. Temos, entretanto, que essa incerteza não se sustenta: a arbitragem interna também vale na solução de disputas oriundas de contratos administrativos que tenham por objeto a exploração de petróleo.

77. Se não por outras razões factíveis, pelo simples fato de que a política de abertura de nossas fronteiras jurídicas interna (admissibilidade expressa da arbitragem nas relações com os entes estatais) e externa (quebra da tese da imunidade absoluta) não autoriza interpretação que permita o mais (arbitragem internacional) e vede o menos (arbitragem interna).

78. O intérprete há de convir que o legislador, a par da possibilidade de se resolverem as controvérsias por arbitragem interna, optou por deixar expressa, também, a validade da arbitragem internacional, até mesmo pela natureza peculiar do negócio e da qualificação de seus partícipes. Entendimento reverso consubstanciaria subversão da ordem jurídica que hoje, como vimos, se assenta a doutrina e a jurisprudência.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.
  2. Cf. Pedro A. Batista Martins, Aspectos Jurídicos da Arbitragem Comercial no Brasil, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1990, págs. 8 e 9.
  3. Pedro A. Batista Martins, op. cit., pág. 12.
  4. MS 1998002003066-9 – Conselho Especial – TJDF – j. 18.05.1999 – rela. Desa. Nancy Andrighi – DJ 18.08.1999. Decisão unânime. Registre-se que a Procuradoria-Geral de Justiça do Distrito Federal oficiou pela concessão da segurança pleiteada.
  5. Celso A. Mello, Direito Constitucional Internacional – Uma Introdução (Constituição de 1988 revista em 1994), Rio de Janeiro, Renovar, pág. 331.
  6. À medida que os Estados passaram a desenvolver atividades cada vez mais variadas, sem que coincidissem de um para outro as áreas do crescente internacionalismo estatal, tornou-se necessária uma distinção, para reduzir a um denominador comum os atos amparados pela norma de imunidade internacional de jurisdição, de modo a se excluírem os que não a mereciam. Criou-se, assim, a distinção entre atos de império, em que o Estado agia como entidade soberana, e atos de gestão, em que o Estado se equiparava aos particulares (Agustinho Fernandes Dias da Silva, in A Imunidade Internacional de Jurisdição perante o Direito Constitucional Brasileiro, Rio de Janeiro, 1984, pág. 83).
  7. Arbitragem nos Contratos Administrativos, Rev. de Direito Administrativo, Jul/Set. 1997, págs. 84 e 85.
  8. AGRAVO DE PETIÇÃO N° 56.466 – DF (Tribunal Pleno). Relator: Ministro Bilac Pinto. Agravantes: Augusto Gonzaga de Menezes e outros. Agravado: Governo do Japão. Ação contra Estado estrangeiro. Recusa de jurisdição. Ação movida por particular contra Estado estrangeiro. – Recusa expressa de submissão à jurisdição local. – Trancamento do feito. Agravo de petição desprovido. (RTJ 66/727).APELAÇÃO CÍVEL N° 9.705 – DF (Tribunal Pleno). Relator: Ministro Moreira Alves. Apelante: Raimunda Fernandes Almeida – Apelada: Embaixada da Espanha. Apelação cível contra decisão prolatada em liquidação de sentença. Imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro. – Essa Corte tem entendimento que o próprio Estado estrangeiro goza de imunidade de jurisdição, não só em decorrência dos costumes internacionais, mas também pela aplicação a ele da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961, nos termos que dizem respeito à imunidade de jurisdição atribuída a seus agentes diplomáticos. – Para afastar-se a imunidade de jurisdição relativa à ação ou à execução (entendida esta em sentido amplo), é necessária renúncia expressa por parte do Estado estrangeiro. – Não ocorrência, no caso, dessa renúncia. Apelação cível que não se conhece em virtude da imunidade de jurisdição. (RTJ 123/29). APELAÇÃO CÍVEL N° 9.704 – SP (Tribunal Pleno). Relator: Ministro Carlos Madeira Apelante: Consulado Geral do Líbano – Apelado: Elias Farah. Ação contra representação diplomática de estado estrangeiro. Alegação de imunidade de jurisdição que se acolhe de conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para prover a apelação cível e julgar extinto o processo por impossibilidade jurídica do pedido. (RTJ 123/451).
  9. Registre-se que o caso (Ap. Cível, 9696-SP) foi apreciado pelo STF dado não ter sido instalado, à época, o Superior Tribunal de Justiça. De acordo com a Constituição de 1988:Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I. processar e julgar, originariamente: e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: II. julgar em recurso ordinário: c)as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País; Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
  10. RTJ 133/167. Registre-se que as Convenções de Viena, de 1961 e 1963, tratam, respectivamente, das imunidades penal e cível de membros do corpo diplomático e do serviço consular estrangeiro, nada mencionando quanto à imunidade dos Estados estrangeiros. Posteriormente, em 20.06.1995, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, sustentou os termos da imunidade relativa, em que foram agravantes os Estados Unidos da América, em longa ementa da lavra do Min. Rel. Celso de Mello, que reproduzimos na parte que toca ao presente estudo: “Agravo de Instrumento – Estado Estrangeiro – Reclamação trabalhista ajuizada por empregados de embaixada – Imunidade de jurisdição – Caráter relativo – Reconhecimento da jurisdição doméstica dos juízes e Tribunais brasileiros – Agravo improvido. Imunidade de jurisdição. Controvérsia de natureza trabalhista. Competência jurisdicional dos Tribunais brasileiros. A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, quando se tratar de litígios trabalhistas, revestir-se-á de caráter meramente relativo e, em conseqüência, não impedirá que os juízes e Tribunais brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre elas exerçam o poder jurisdicional que lhes é inerente. Atuação do Estado estrangeiro em matéria de ordem privada. Incidência da teoria da imunidade jurisdicional relativa ou limitada. – O novo quadro normativo que se delineou no plano do direito internacional, e também no âmbito do direito comparado, permitiu – ante a realidade do sistema de direito positivo dele emergente – que se construísse a teoria da imunidade jurisdicional relativa dos Estados soberanos, tendo-se presente, para esse específico efeito, a natureza do ato motivador da instauração da causa em juízo, de tal modo que deixa de prevalecer, ainda que excepcionalmente, a prerrogativa institucional da imunidade de jurisdição, sempre que o Estado estrangeiro, atuando em matéria de ordem estritamente privada, intervier em domínio estranho àquele em que se praticam os atos jure imperii. Doutrina. Legislação comparada. Precedente do STF. A teoria da imunidade limitada ou restrita objetiva institucionalizar solução jurídica que concilie o postulado básico da imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro com a necessidade de fazer prevalecer, por decisão do Tribunal do foro, o legítimo direito do particular ao ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer em decorrência de comportamento imputável a agentes diplomáticos, que, agindo ilicitamente, tenham atuado more privatorum em nome do país que representam o Estado acreditado (o Brasil, no caso). Não se revela viável impor aos súditos brasileiros, ou a pessoas com domicílio no território nacional, o ônus de litigarem, em torno de questões meramente laborais, mercantis, empresariais ou civis, perante tribunais alienígenas, desde que o fato gerador da controvérsia judicial – necessariamente estranho ao específico domínio dos acta jure imperii – tenha decorrido da estrita atuação more privatorum do Estado estrangeiro. Os Estados Unidos da América e a doutrina da imunidade de jurisdição relativa ou limitada. Os Estados Unidos da América – parte ora agravante – já repudiaram a teoria clássica da imunidade absoluta naquelas questões em que o Estado estrangeiro intervém em domínio essencialmente privado. Os Estados Unidos da América – abandonando a posição dogmática que se refletia na doutrina consagrada por sua Corte Suprema em Schooner Exchanger v. McFaddon (1812)- fizeram prevalecer, já no início da decáda de 1950, em típica declaração unilateral de caráter diplomático, e com fundamento nas premissas expostas na Tate Letter, a conclusão de que tal “imunidade, em certos tipos de caso, não deverá continuar sendo concedida”. O Congresso Americano, em tempos mais recentes, institucionalizou essa orientação que consagra a tese da imunidade relativa de jurisdição, fazendo-a prevalecer, no que concerne a questões de índole meramente privada, no Foreign Sovereign Immunities Act (1976).”
  11. Apelação Cível n° 07 – BA (90.0001226-0), 3ª turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 03.04.1990.
  12. Apelação Cível n° 05 – SP (89.11635-5), 3ª turma, Rel. Min. Cláudio Santos, 19.06.1990.
  13. Apelação Cível n° 02 – DF (89.8751-7), 4ª turma, Rel. Min. Barros Monteiro, 07.08.1990.
  14. Ag. Instrumento n° 757 – DF (89.0010770-4), 4ª turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 21.08.1990.
  15. Rec. Ordinário n° 06 – RJ (97/0088768-5), 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, 23-03-1999. Tratou-se de execução fiscal proposta contra o Consulado do Japão, por créditos relativos ao IPTU, taxa de coleta de lixo, de limpeza e iluminação públicas. Cremos que essa decisão não se sustentaria no seio do STF haja vista a decisão unânime do seu Pleno, de 16-09-1998, Relator: Min. Ilmar Galvão (Ação Cível Originária n° 522 – AgRg-SP). Cuidava-se de execução fiscal movida pela União Federal contra o Consulado Geral da República Federal da Alemanha, relativa à multa fiscal aplicada na forma do art. 521, II, b, do Regulamento das Alfândegas.
  16. Em sentença de 06.03.1987, o Tribunal Supremo espanhol declarou: “…si una de las partes en el convenio arbitral es un Estado o una empresa perteneciente al mismo, no es posible que dicha parte invoque su proprio Derecho para anular la arbitrabilidad del asunto,porque prevalece tal carácter arbitrable… al versar el laudo sobre materias propias de una actividad mercantil consonante con la específica del objeto social de la empresa expropriada y erigida de esta suerte en Sociedad estatal, de forma que no cabe argüir en base a la intervención de una empresa pública, que queda excluída la aplicación de la Ley de Arbitrajes privados”. (Silvia Gaspar Lera, Pamplona, Ed. Aranzadi, 1998, pág. 263).
  17. São várias as decisões judiciais e arbitrais que impõem a via arbitral aos entes estatais renitentes, visto que a violação da boa-fé atinge a ordem pública internacional (cf.. Jean Baptiste Racine, L’Arbitage Commercial Internacional et L’Ordre Public, Paris, Lisbraine Générale de Droit, 1999, pág. 201 e segs.).
  18. In ICC Arbitration, Paris, ICC Publishing S/A, Second Editon, p. 62.
  19. “Asistimos a una renovación del espírito que aspira a corregir los excesos del legalismo positivista. Como reacción a la posición exegética, se aprecia una tendencia a la flexibilización del ordenamiento jurídico. En esta direción, la buena fe – aun sin modificarse los textos legales que aparentemente no deción nada – resulta uno de los elementos aptos para lograr la adecuación del Derecho a la realidad. A medida que los problemas surgen la inagotable virtud jurígena del princípio de buena fe brinda soluciones nuevas”…(Delia Matilde Ferreira Rubi, La Duena Fe, Madri, Ed. Montecorvo, 1984, pág. 11). Ao atacar a interpretação do Tribunal de Contas do Distrito Federal de que a arbitragem acordada pela Companhia de Água e Esgotos no contrato administrativo firmado com a Seveng não era eficaz, pois que incidiria sobre o indisponível interesse público, assim se manifestou o referido Conselho:
  20. Para Selma M. Ferreira Lemes, “o que não se pode confiar a árbitros são matérias ou atribuições que importem no exercício de um poder de autoridade ou de império e dos quais não se pode transigir…. Portanto, concluímos que a Administração Pública pode submeter-se à arbitragem e é conveniente que o faça quando não se trate de examinar nem decidir sobre a legitimidade de atos administrativos, mas de suas conseqüências patrimoniais (A Arbitragem e os Novos Rumos Empreendidos na Administração Pública, in Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, Pedro A. Batista Martins, Selma M. F. Lemes, C. A. Carmona, Rio de Janeiro, Forense, 1999, págs. 193 e 194).
  21. Cf. Jean-Baptiste Racine, op. cit. p. 207 e segs.
  22. Segundo Arnoldo Wald, “Por outro lado, na medida em que o Estado teve de intervir na economia, seja como fiscal, seja como operador, e passou a ser um dos agentes das grandes transformações, realizadas, muitas vezes, com a colaboração de capitais privados e sob gestão particular, embora o interesse público, ocorreu, em certo sentido, a comercialização do direito administrativo.” (A Arbitragem e os Contratos Administrativos, Jornal do Comercio, 1999)
  23. Lei n° 8666/93, Lei n° 8987/95, Lei n° 9472/97 e Lei n° 9478/97.
  24. Arbitragem na Concessão de Serviço Público, in Revista de Informação Legislativa – Senado Federal, n° 128, out. dez/1995, p. 63/68.
  25. Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.”Na interpretação do contrato administrativo é preciso ter sempre em vista que as normas que regem são as do direito público, suplementadas pelas do direito privado.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, RT, 12ª Edição, 1986, p.178).
  26. Lei n° 8987/95. “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. “Lei n° 9472/97. “Art. 93. O contrato de concessão indicará: XV – o foro e o modo para solução extrajudicial das divergências contratuais.”
  27. Nesse particular, não concordamos com Clávio Valença Filho (Arbitragem e Contratos Administrativos, in Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, RT, Ano 3, n° 8, abril.junho/2000, p. 371).Por sinal, o TCU, na Decisão 188/95, em que eram interessados o DNER e o Consórcio Andrade Gutierrez/Camargo Correa, reexaminando decisão anterior, passou a admitir o rito arbitral com fundamento na Lei de Concessão de Serviços Públicos.
  28. Cf. Aspectos Fundamentais…. p. 194.
  29. Cf. nota 57 da 2ª parte deste estudo. 

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