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Pedro A. Batista Martins

Causou enorme surpresa na comunidade que milita no mercado acionário a publicação, no Diário Oficial de 21/12/89, da Lei 7.958, de 20/12/89.

Referida norma veio alterar a redação do “caput” do artigo 137 da Lei das Sociedades Anônimas (6404/76) que dispõe sobre o direito de retirada de acionista prejudicado com a aprovação de determinadas matérias deliberadas em assembleia.

Cabe lembrar que o direito de retirada ou de recesso preceito de ordem pública e se insere no âmbito dos direitos dos acionistas, erigidos à categoria de essenciais pela Lei das S.A.

Tanto é verdade que o acionista, ainda que se tenha abstido de votar ou não tenha comparecido à assembleia, mantém integro o exercício deste direito.

Assim é que resultou, no mínimo, inadequada, no apagar de 1989 e sem a necessária consulta ao público interessado, a promulgação de lei que suprime quatro matérias cuja aprovação majoritária dava ao acionista dissidente o direito de retirar-se da sociedade: incorporação, fusão, cisão e a participação em grupo de sociedades.

A Lei nº 7958/89, como adiante se verá, talvez pela urgência em sua elaboração e edição, ou por mero cochilo dos seus autores, já entra em vigor conflitando com outros dispositivos inseridos na lei societária de forma a harmonizar e sistematizar o direito de recesso previsto no art. 137.

Antes de tudo, seria valioso tecermos algumas considerações a respeito do instituto do recesso, cujos fundamento e objetivo, para a alteração de alguns de seus pressupostos, levado a efeito pela lei nº 7958/89, ainda são de todo desconhecidos.

O direito de recesso, podemos assim dizer, atua como contrapeso ao princípio majoritário que impera nas sociedades anônimas.

Assim sendo, as hipóteses que outorgam o direito de retirada e o consequente reembolso aos acionistas dissidentes são taxativas e limitadas a determinadas alterações estatutárias, notadamente aquelas de natureza estrutural.

Tal fato visa, por um lado, impedir que o desenvolvimento da empresa seja perturbado por incessantes e quiçá abusivos pedidos de dissolução parcial que poriam em risco suas finanças e, de outro lado, que o acionista seja resguardado de eventuais alterações estatutárias substanciais que viessem modificar a estrutura legal da sociedade existente à época em que dela se tornou participe.

Nesses casos, faz-se mister conciliar os interesses em jogo, mantendo a vontade expressa pela maioria e outorgando ao dissidente prejudicado o amparo legal necessário ao ressarcimento de sua participação.

São exemplos de matérias que, s aprovadas, nossa lei societária outorga ao acionista dissidente o direito de pleitear o reembolso de suas ações: criação de ações preferenciais ou aumento das classes existentes sem a manutenção da devida proporção com as demais; criação de nova classe de ações preferenciais mais favorecidas; alteração do dividendo obrigatório e mudança de objeto social da companhia.

No caso específico, a Lei nº 7958/89 suprimiu, do elenco de matérias protetoras do direito essencial do acionista não controlador, aquelas cuja deliberação majoritária aprova a incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão e a participação em grupo de sociedades.

A incorporação, a fusão e a cisão têm sido utilizadas como técnicas de reorganização societária onde os interesses dos grupos são ajustados sob o manto de uma nova ordem ou regra jurídica.

São operações que implicam profundas alterações na estrutura das sociedades envolvidas, inclusive com a extinção de algumas delas, como ocorre com a sociedade fundida, a incorporada e ascendidas no caso da versão de todo o seu patrimônio.

Forma de concentração de empresa, o grupo de sociedade, constituído mediante convenção, impõe às sociedades participantes a obrigação de combinarem recursos ou esforços com vista à realização dos respectivos objetos ou à participação em atividades ou empreendimentos comuns.

Contudo, a consecução dos objetivos muitas vezes prejudica interesses de uma ou mais empresas do grupo e, não raro, descapitaliza alguma em proveito de outras.

Plenamente justificado, pois, o direito do acionista de, nas hipóteses mencionadas, retirar-se das sociedades cuja estrutura a ser implementada difere substancialmente daquela que vinha participando.

Contudo, no momento em que se está a discutir alterações na nossa lei societária com o objetivo precípuo de garantir ao acionista minoritário maior eficácia na aplicação dos dispositivos de proteção dos seus direitos, surge em cena, inusitada e silenciosamente, a lei n° 7958/89, que veio, uma vez mais, abalar a confiança do mercado e afetar o fortalecimento de suas relações.

Mormente, a entrada em vigor desta norma atinge, de forma contundente, o ponto nodal, sensível e de suma importância para o desenvolvimento da moderna sociedade anônima: a relação entre acionistas controlador e minoritário.

Ademais, a Lei n° 7958/89 não foi elaborada nos moldes da melhor técnica legislativa, vez que a nossa lei societária tratava de maneira sistemática os direitos em questão (v.g.arts. 225. IV, 230, 264, parág. 3., 270, parág. Único) e a lei recém editada apenas se referiu ao “caput” do artigo 252, inequívoco conflito de interpretação.

Resta saber quais os fundamentos e objetivos que nortearam a edição da referida norma legal e por que razão não foi prévia e publicamente levado a discussão o seu conteúdo.

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