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Pedro A. Batista Martins[1]

Advogado

Resumo: A sentença arbitral parcial – e não decisão interlocutória – que inadmite a integração de terceiro como parte na arbitragem deve ser considerada como sentença em si, sendo o prazo legal e decadencial, de 90 dias, para propositura da ação de anulação. No caso concreto, inexiste coligação de contratos a demandar litisconsórcio necessário, não sendo nula a sentença arbitral parcial.

Palavras-chave: Sentença arbitral parcial; Natureza; Prazo para ação anulatória; Inocorrência de litisconsórcio necessário.

Abstract: The partial award that refuses a third party to join the arbitration has to be regarded as an award, and not as an interlocutory order, being the extinctive time-limit to bring an action to set aside the partial award 90 days from notification of the award. In the case at hand, there was no connection between the contracts requiring joinder of the third party, hence the partial award is not null and void.

Keywords: Partial award; Legal nature; Time period to bring an action to set aside; Joinder of third party not imperative.

Sinteticamente, o presente Parecer foi solicitado por Alfa S.A. (“Alfa”), por seu i. advogado Dr. AA, do escritório BB – Advogados , para juntada nos autos da Ação Anulatória de Sentença Arbitral n. 0298605-09.2011.8.19.0001, ajuizada na 6ª Vara Empresarial da Comarca da Capital – Rio de Janeiro por Companhia Beta (“Beta”) contra Alfa, correntemente tramitando na 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

A sentença arbitral parcial objeto do pedido de anulação foi proferida em Dezembro de 2010 (”Sentença Arbitral Parcial”) no âmbito de Processo de Arbitragem n. YYY do Centro de Arbitragem e a Resposta aos Pedidos de Esclarecimentos formulados por Beta e Omega S.A. (“Omega” acerca da Sentença Arbitral Parcial é datada de Fevereiro de 2011.

Exaurida a jurisdição do Tribunal Arbitral com a entrega da Sentença Arbitral definitiva, datada de Junho de 2011, Beta ajuíza, em Agosto de 2011, a referida ação judicial ora em curso na 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atacando matérias já decididas na Sentença Arbitral Parcial.

À luz dessa síntese, Alfa solicita Parecer sobre as seguintes questões:

(A) Segundo Beta, muito embora haja similitude entre os arts. 28 e 29 da Lei n. 9.307/96 e os arts. 162, § 1º, 267 e 269 do Código de Processo Civil, tais dispositivos não guardam coincidência; “Em assim sendo, não é difícil se concluir que as chamadas ‘sentenças parciais’, no sistema da lei de arbitragem, por não implicarem na extinção do processo de arbitragem, possuem natureza de decisão interlocutória e, como tal, não se sujeitam ao prazo decadencial previsto no § 1º do art. 33 da Lei 9.307/96, que trata, apenas, da sentença terminativa (ou extintiva) da lide arbitral. Tais decisões interlocutórias somente poderão ser objeto de impugnação juntamente com a sentença arbitral que extinguir a arbitragem”.[2]

Essa conclusão está correta?

(B) Procede o entendimento contido no Acórdão da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no sentido de que, “inexistindo previsão da forma de impugnação da sentença parcial na resolução adotada, na Lei de Arbitragem, ou por deliberação das partes, impossível punir a empresa autora [Beta] pelo ajuizamento da ação anulatória somente após a prolação da solução definitiva”?

(C) O ingresso da Omega na arbitragem, afastado pela Sentença Arbitral Parcial, era imprescindível, por se tratar de litisconsórcio necessário?

(A)1 O Conceito de Sentença. Inexistência de Vedação à Prolação de Sentença Parcial.

Sentença parcial é ato inerente ao processo de arbitragem. Sua ampla aceitação afirma-se, a par da vasta doutrina, pela sua previsão nos Regulamentos das mais variadas Câmaras que administram esse procedimento.[3]

São decisões que, sem dúvida, encerram conteúdo jurídico de verdadeira sentença, não se confundindo com decisão interlocutória, como sugere a Beta “por não implicarem [sentenças parciais] na extinção do processo (…)”.

Primeiramente, ainda quando em vigor a redação do art. 162, § 1º do CPC (sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo), não eram raros os processualistas que admitiam o fatiamento da decisão judicial, com julgamento de um ou alguns dos pedidos cumulados.[4]

Afinal, a cisão do julgamento permeia a efetividade, a utilidade e a celeridade do procedimento estampados no devido processo legal substantivo, princípio esse que traduz a essência da garantia dos direitos fundamentais do jurisdicionado.

Ademais, com a edição da Lei n. 11.232/2005, alterou-se o citado art. 162, § 1º do CPC[5] e o fatiamento da sentença passou a ser aceito, já agora de lege lata, mesmo no âmbito judicial.[6]

Se antes não existia vedação e era amplamente utilizada nas arbitragens, agora, com a citada lei, até mesmo nas lides judiciais é permitido fatiar-se o provimento, em linha com o comando contido no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.[7]

Portanto, não há que se falar em sentença como o ato que põe termo ou extingue o processo, como sugere Beta.

Se assim é, com muito mais razão há de ter curso o fatiamento das decisões em sede arbitral.[8]

Diga-se, primeiramente, que a sentença parcial arbitral justifica-se pela celeridade do procedimento, sua conhecida flexibilidade, e marcante deformalização.

Ademais, uma vez instrumentalizado o ato decisório, sua efetividade e utilidade não sofrem percalços, haja vista a ausência de agravo ou apelação no sistema processual arbitral.

Outrossim, muito poder-se-ia dizer sobre a harmonia e a fina sintonia das sentenças parciais com os princípios que informam o instituto da arbitragem, mas os tópicos objeto do presente estudo não demandam maiores evoluções nesse tema.

A rigor, uma simples mirada na doutrina é suficiente para demonstrar serem as sentenças parciais da essência do instituto da arbitragem.

Gary Born alude que “Mesmo na ausência de autorização legal ou disposição no regulamento institucional permitindo sentenças parciais, o tribunal tem poder de assim proceder (exceto no caso de disposição contrária das partes). Essa autoridade é inerente ao mandato dos árbitros para elucidar a disputa entre as partes de maneira eficiente”.[9]

Segundo Arnoldo Wald, “Como se vê, não há lacuna na Lei de Arbitragem quanto à possibilidade de serem proferidas sentenças parciais”.[10]

Cândido Dinamarco, por sua vez, é enfático ao afirmar “Não sendo a sentença arbitral qualificada como ato que põe termo ao processo (como era no sistema do Código de Processo Civil anterior à Reforma – supra, n. 65), não há qualquer impropriedade conceitual ou terminológica em admitir-se no processo por arbitragem a prolação de duas sentenças, uma parcial e outra final (…).”[11]

Não bastasse, insta observar que as Regras UNCITRAL que regeram o procedimento de arbitragem ora em foco[12] conferem de forma patente e inquestionável aos árbitros a possibilidade de proferir sentença parcial.[13]

Por tudo, seja sob o ângulo (i) do sistema arbitral, (ii) do Código de Processo Civil, ou (iii) do regulamento escolhido pelas Partes para normatizar o processo de arbitragem, resta evidente a validade e a eficácia de sentenças arbitrais parciais no sistema legal brasileiro[14].

(A)2 A Sentença Arbitral Parcial prolatada pelo Tribunal Arbitral não é Decisão Interlocutória.

Uma análise das manifestações de Beta e Omega no âmbito do processo de arbitragem, e do conteúdo da Sentença Arbitral Parcial proferida pelo Tribunal Arbitral, leva à conclusão inexorável de que tal decisão, conquanto de cunho parcial, tem a natureza jurídica de verdadeira sentença.

Aliás, não à toa, os árbitros a ela emprestaram tal acepção, e a formataram com os rigores impostos pela Lei n. 9.307/96 (art. 26) e pelas Regras UNCITRAL.

Para o exame dessa questão, saliento os pontos relevantes lançados por Beta e Omega em manifestações no processo de arbitragem:

  1. Beta, demandada a responder ao pedido de instituição de arbitragem apresentado por Alfa, indica árbitro em 14 de setembro de 2010 e, após, manifesta-se em 28 de setembro de 2010 através de uma notificação à Omega (“Notificação Beta”), na qual, a par de convidar Omega a ingressar no processo, postula contra ela pedido subsidiário, em caso de sucesso da Alfa, de revisão do Contrato UP firmado entre Beta e Omega, por quebra do equilíbrio contratual;
  2. Omega, em Resposta à Notificação Beta, de 29 de outubro de 2010 (“Resposta Omega”), anui com seu ingresso no polo passivo – como parte e com interesse próprio a ser defendido –, e vai além ao (i) combater argumentos sustentados por Beta e Alfa, (ii) informar que (a) postulará a improcedência do pedido revisional de Beta e, em caso de insucesso, a ampliação subjetiva e objetiva da revisional provocada por Beta para incluir Alfa e rediscutir reflexos contratuais da aplicação do preço ajustado à época e, ainda, (b) deduzirá pedidos autônomos declaratórios cumulados com cobrança contra Beta, e, por fim, (iii) exercer, na qualidade de parte, o direito de indicar árbitro;
  3. via Ordem Processual n. 1, os árbitros instaram Alfa, Beta e Omega a delimitarem o objeto da disputa e a se manifestarem sobre o pleito de ingresso da Omega na arbitragem; e
  4. em atenção ao determinado na referida Ordem Processual, Beta repisa suas pretensões contra Alfa e Omega, enquanto esta última, por seu turno, após pleitear a nomeação de novo tribunal arbitral, de forma a que dele conste o árbitro por ela já indicado, apresenta argumentos jurídicos sobre seu direito de participar da arbitragem, reitera as pretensões deduzidas na Resposta à Notificação Beta e, por fim, valendo-se da eventualidade, requer, caso não confirmada como parte no processo (i) seja negado curso à demanda apresentada por Beta contra Omega, (ii) seja declarada na sentença parcial que os efeitos advindos da sentença arbitral final não impactarão sua esfera jurídica ou econômica, e, (iii) sejam suas demandas contra Beta e Alfa consideradas como nova arbitragem, renovando, para tanto, a indicação do árbitro já anteriormente apontado.

O exame dos pedidos formulados por Omega e Beta na arbitragem – resistidos por Alfa, haja vista extrapolarem o escopo e alcance dos seus pleitos, conforme pedido de instituição de arbitragem –, e, ainda, o contraditório que precedeu à decisão dos árbitros, atestam que as matérias submetidas à decisão do Tribunal Arbitral e os efeitos dela provenientes têm ampla dimensão e repercussão marcante na esfera individual dos direitos de cada parte.

Nessa toada, é razoável, e até mesmo recomendável, que tais questões fossem, como foram, resolvidas por sentença, posto que seu conteúdo (negativo) pôs termo às pretensões de cunho formal e material de Omega (e outras de Beta).

Afinal, coube ao Tribunal Arbitral decidir sobre (i) a possibilidade de inclusão da Omega no polo passivo do processo arbitral, (ii) a ampliação do objeto da disputa com pleitos de Omega contra Beta e Alfa e, (iii) em caráter eventual, se não admitida como parte no polo passivo, o cabimento dos dois pedidos declaratórios de Omega na arbitragem já iniciada, a saber, (a) impossibilidade de repercussão em sua esfera jurídica e econômica dos efeitos da sentença arbitral final e (b) aceitação pelo Tribunal Arbitral de suas demandas contra Beta e Alfa como nova arbitragem.

Como se vê, a Sentença Arbitral Parcial definiu a controvérsia, pondo termo, na raiz, a todo esse conjunto de questões controvertidas.

Omega não foi legitimada como parte para figurar no polo passivo do processo, e seus pedidos de mérito e declaratórios, por eventualidade, foram julgados prejudicados por “manifesta ausência de jurisdição do Tribunal Arbitral sobre a matéria, quer do ponto de vista formal, eis que o requerimento de arbitragem não foi deduzido perante a instituição competente, quer do ponto de vista substantivo, eis que o Tribunal Arbitral foi constituído tão somente para apreciar e julgar demanda fundada no Contrato Downstream firmado entre ALFA e BETA.

Trata-se, no que tange à Omega, nitidamente de decisão que pôs fim à sua pretensão – e à de Beta – de se integrar ao processo arbitral existente.

Mas não só isso: a decisão dos árbitros também apreciou e julgou pedido de instituição de arbitragem, formulado por Omega por conversão das suas demandas contra Beta e Alfa.

Esse pleito também foi rejeitado por ausência de jurisdição do Tribunal Arbitral e, se deferido, atenderia ao mesmo fim almejado por Beta com a convocação feita à Omega para integrá-la ao processo de arbitragem.

Em outras palavras, para Omega e Beta, tanto o ingresso daquela no processo de arbitragem quanto a instituição de nova arbitragem produziriam o mesmo resultado prático.

E essa, como todas as demais pretensões, foi afastada pelo Tribunal Arbitral, reitere-se, por ausência de jurisdição.

Nessas hipóteses, para além de usual, afigura-se recomendável – pela força que imprime – que decisão desse alcance e efeito jurídico seja proferida via sentença parcial, como, inclusive, deixou expresso o Tribunal Arbitral na Ordem Processual n. 1: “Considerando que o pleito de ingresso da OMEGA e de ampliação do objeto do litígio não obstam o prosseguimento desta arbitragem e serão decididos oportunamente, por meio de sentença parcial de jurisdição.”

Como ressaltam Fouchard, Gaillard e Goldman, “A utilidade da sentença parcial sobre jurisdição dependerá, principalmente, de verificar se estas questões de jurisdição serão determinadas pelos mesmos fatos que determinam o mérito (…) Se, por outro lado, a jurisdição parecer ser uma questão separada e as questões substantivas a serem resolvidas pelo tribunal caso detenha jurisdição sejam complexas, é usualmente apropriado que seja [a jurisdição] decidida por meio de uma sentença separada.[15]

Com efeito, ao reduzir o escopo da controvérsia àquele requerido por Alfa, e, notadamente, ao rejeitar o pedido de instituição de arbitragem apresentado por Omega, restou evidente que os árbitros negaram à Omega direito de ação, ao menos no âmbito de sua exclusiva jurisdição, i.e. arbitragem Alfa e Beta.

De outro lado, a Sentença Arbitral Parcial, ao decidir pela não instituição de nova arbitragem por manifesta carência de jurisdição, incidiu no comando do art. 20, § 1º da Lei n. 9.307/96, que encerra extinção do “processo” sem julgamento de mérito.[16]

Destarte, no particular, trata-se de evidente sentença de eficácia terminativa.

Eficácia essa que, por si ou amalgamada ao pleito de ingresso da Omega refutado pela decisão que a julgou parte ilegítima, atingiu, também, interesse particular e direto de Beta, haja vista sua pretensão de litigar contra a Omega no processo arbitral em curso ou em nova arbitragem, que se consolidaria com aquela em curso, ou a esta se agruparia sob a forma de dois processos, sob a égide de um só tribunal arbitral.

Enfim, a decisão dos árbitros, após adequado contraditório, definiu (no sentido de pôr fim às controvérsias) uma série de questões e, por força da natureza dos pedidos e da sua repercussão jurídica, restou instrumentalizada, por determinação do Tribunal Arbitral – embasada nas Regras UNCITRAL –, em uma sentença parcial de jurisdição.

Omega e Beta, por seu turno, fundadas no regramento procedimental aplicável às sentenças parciais, apresentaram Pedidos de Esclarecimentos, sob a alegação de vícios na decisão.

Tais pedidos fundam-se, basicamente, em suposta necessidade de interpretação do conteúdo do provimento, de necessidade de emenda da decisão por suposta omissão, contradição ou obscuridade, e de complementação de laudo. Com efeito, o manejo dos Pedidos de Esclarecimentos é técnica processual dirigida a sanar falhas em sentenças, sejam parciais ou finais.

O Tribunal Arbitral, por sua vez, e dado o pressuposto de a Sentença Arbitral Parcial consubstanciar verdadeira sentença para os fins de direito, fez questão de registrar expressamente que sua decisão sobre tais pedidos observou os “prazos previstos nos arts. 35 e 37 das Regras de Arbitragem Uncitral (1976) aplicáveis à espécie: (i) de 45 (quarenta e cinco) dias, a contar do pedido de BETA, para que o Tribunal Arbitral emita decisão sobre interpretação da Sentença Parcial; e (ii) de 60 (sessenta) dias, a contar do pedido, para que o Tribunal Arbitral emita laudo complementar à Sentença Parcial, no caso de omissão.”[17]

Vê-se do contexto processual que o Tribunal Arbitral, atento ao alcance e projeção das questões postas ao seu exame, entendeu, por bem, dada a força e os efeitos que pretendia imprimir ao seu provimento, conferir à sua decisão eficácia de relevo ao enquadrá-la no rol das sentenças parciais.

E o fez atendendo à forma e aos requisitos regulamentares, mediante informação prévia – evitando, assim, surpresas – e sem qualquer reação ou impugnação por qualquer um dos interessados, em harmonia com os propósitos do instituto da arbitragem.

E o fez, diga-se ainda, por força de o sistema arbitral conferir certa dose de flexibilidade ao árbitro para instrumentalizar o ato processual pela forma que demanda o núcleo jurídico que dele se projeta.[18]

E, ao se julgar carecedor de jurisdição, o Tribunal Arbitral enterrou a pretensão de Omega, “extinguindo o processo” sem julgamento de mérito, nos termos do art. 20, § 1º da Lei n. 9.307/96.[19]

Em outros termos, ao negarem jurisdição, os árbitros deram por finda a (nova) arbitragem e, dessa forma, proferiram verdadeira sentença, em sua acepção técnica, haja vista que, conforme o art. 29 da Lei n. 9.307/96, com a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem.[20]

Mas essa dicção legal deve também ser considerada em espectro mais amplo, haja vista a ínsita relação da arbitragem com as sentenças parciais.

Em outras palavras, a mera possibilidade de sentença arbitral parcial exige uma visão menos hermética do conceito de sentença como aquela que põe fim a arbitragem, pelo simples fato de uma arbitragem não poder ter mais de um fim.[21]

Dessa forma, e cientes de que as hipóteses do art. 267 do CPC também se aplicam ao sistema arbitral e, ainda, de que sentença não necessariamente põe fim à arbitragem ou ao processo, pode ser considerada sentença o ato pelo qual o árbitro julga ilegítima uma das partes do processo ou afasta um ou alguns dos pedidos.[22]

Quer se dizer ademais que, conquanto a ilegitimidade de uma parte ou a limitação do escopo da disputa implique na redução da relação processual, e não na extinção do processo arbitral, são – essas – hipóteses dentre as quais o art. 162, § 1º do CPC indica que o julgamento é passível de ser instrumentalizado por sentença.[23]

Conforme Cândido Dinamarco, “Nesse quadro, seja no processo estatal seja no arbitral, o conceito de sentença engloba não só o ato final do processo como também algum outro, interlocutório a este, com que o juiz ou o árbitro decida sobre alguma das pretensões postas pelas partes (com ou sem apreciação do mérito), deixando sem decidir alguma outra também incluída no objeto do conhecimento do juiz. Ato que rejeita liminarmente uma reconvenção por prescrição ou decadência, que no sistema processual civil anterior já era admissível mas não se qualificava como sentença, agora pode perfeitamente ser conceituada como tal. Não só ali, mas também todas as vezes em que o juiz “extingue o processo” em relação a uma das partes ou a um dos pedidos o ato com que ele o faz é sentença. Sentença parcial, mas sentença. E também assim é no sistema arbitral.”[24]

Destarte, sob qualquer ângulo que se analise a questão, concluir-se-á que tanto a ilegitimidade de parte e a redução dos pedidos de Beta e Omega, quanto a declaração de carência de jurisdição para a instituição de nova arbitragem, são matérias passíveis de resolução por sentença, qualidade esta que ostenta a Sentença Arbitral Parcial.

Não exibindo natureza de decisão interlocutória, as sentenças parciais estão, em regra, e desde a sua prolação ou da decisão sobre os embargos arbitrais interpostos (também chamados de pedido de esclarecimentos), sujeitas à ação de anulação no prazo legal de 90 dias.

(B) O Prazo para a Ação de Anulação de Sentença Parcial é de 90 dias.

Por desnecessário e irrelevante, a lei de arbitragem não prevê, literalmente, prazo para a propositura de ação de nulidade de sentença arbitral parcial.[25]

Basta, para esse fim, o art. 33 da Lei n. 9.307/96 (caput e §1º), cujo conteúdo informa que a parte interessada pode pleitear ao Poder Judiciário a decretação da nulidade da sentença arbitral no prazo de 90 dias.[26]

Nada mais é preciso para se concluir que esse prazo aplica-se tanto às sentenças parciais quanto às finais, não havendo, portanto, qualquer omissão na lei.

Isso porque o tratamento legal adotado é o da unicidade da sentença arbitral. Sentença arbitral parcial e sentença arbitral final põem fim à controvérsia, a despeito desta última concluir, formalmente, a atividade jurisdicional, com o julgamento das pretensões que remanesceram pendentes após a prolação da sentença parcial.

Destarte, ambas as sentenças são definitivas, encerram a mesma essência jurídica e não estão sujeitas a revisão ou recurso.

Nessa esteira, dúvida não há de que, com a sentença parcial, o árbitro exerce o iudicium, aplicando o direito ao caso concreto. Muito embora não finalize todas as questões deduzidas no processo, a sentença arbitral parcial define – no sentido de dar fim – um ou alguns dos pedidos, de forma vinculativa e terminante.

Sob outro prisma, com a sentença arbitral parcial os árbitros dão por finda a sua jurisdição no que toca as matérias contempladas naquela decisão, sendo-lhes vedado reapreciar os pedidos já apreciados e devidamente julgados.

É nesse sentido que se afirma o caráter autônomo da sentença arbitral parcial. Dessa autonomia se extrai sua eficácia imediata e o trânsito em julgado, após o exaurimento do prazo de 90 dias previsto no art. 33, §1º da lei de arbitragem.

Não há sentido lógico, jurídico ou técnico em adotar, para provimentos de idêntica finalidade, definitividade e vinculatividade – em suma, atos da mesma natureza, sentença parcial e final –, prazos distintos para a propositura da ação de nulidade, ainda mais quando a própria lei não o faz.

Sentenças arbitrais parciais ou finais são sentenças, e como tal devem ser tratadas, tanto na forma e requisitos, quanto nos seus efeitos jurídicos.

O critério legal (art. 33, caput e §1º da Lei n. 9.307/96) é o da substância do provimento; daí por que, uma vez proferidas, as sentenças arbitrais parciais tornam-se aptas a transitar em julgado com o decurso do prazo de 90 dias.

Prazo esse decadencial, e não prescricional.

A doutrina, nesse particular, é expressiva quanto à natureza decadencial do prazo previsto no art. 33, §1º da lei de arbitragem.[27]

Por se tratar o provimento arbitral parcial de genuína sentença, o prazo para propositura da ação que trata o art. 33 da lei de arbitragem (decretação da nulidade) começa a correr do seu recebimento (ou aditamento) e flui sem interrupção até que, no 91º dia, decaído o direito, transita ela em julgado.[28]

Por todo o exposto, com as vênias de estilo, não procede o entendimento posto no Acórdão da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, haja vista existir, sim, previsão legal quanto à forma de impugnação (no caso, a ação de anulação) de sentença parcial.

Com efeito, ultrapassado o prazo legal e decadencial de 90 dias, a sentença arbitral parcial torna-se intocável, sendo vedada a propositura da ação de nulidade prevista no art. 33 da Lei n. 9.307/96, sob pena de incidência do disposto no art. 269, IV do CPC.

(C) Ausência de Litisconsórcio Necessário. Improcedente a Integração ao Processo Arbitral de quem não é Parte.

Alega Beta a nulidade da Sentença Arbitral Parcial pelo fato de a controvérsia posta à decisão dos árbitros impor a presença de litisconsórcio necessário; no caso, Omega.

Beta sustenta esse entendimento, basicamente, pelo fato de os Contratos Downstream e Upstream (em conjunto, “Contratos”) encerrarem um negócio jurídico único, com interpendência de obrigações e direitos, tendo sido esse argumento a razão substancial que norteou a decisão favorável à Beta, proferida pela 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 8 de abril de 2014.

No entanto, o exame detido dessa relação contratual não autoriza a conclusão encampada por Beta. Ao reverso, acertada está a Sentença Arbitral Parcial ao entender “irrelevante” qualificar-se o negócio entabulado pelas três companhias como uma única operação econômica.[29]

O vínculo jurídico-contratual, por si só, não determina que toda e qualquer controvérsia oriunda ou relacionada a um dos instrumentos imponha a participação de todas as empresas no mesmo processo.

Isso porque, ainda que conexos ou interligados, nada obsta que os contratos estampem direitos e obrigações peculiares e exclusivos a uma específica relação jurídica.

O negócio econômico, mesmo que entrelaçado em um feixe de contratos, não obsta a estruturação de um microssistema contratual autônomo, aplicável, exclusivamente, a algumas das partes.

Conquanto encontre-se lançado no todo de uma operação econômica, dele se destaca por implicar ajuste eminentemente bilateral, devendo, dessa forma, ser preservado.

Em outras palavras, o liame relacional particularizado encerra alcance e efeitos próprios e autônomos, que não devem, necessariamente, ser transpostos para outra relação instrumentalizada em acordo distinto.

Cláusulas de responsabilidade, imputação de multas, assunção ou não de tributos e outras tantas podem e são ajustadas em estrito laço bilateral, ainda que o conjunto de acordos instrumentalize uma operação econômica interdependente.

Ocorre que, embora os contratos coligados tenham por fim uma unidade econômica, nada obsta que neles se insiram – e, na realidade, inserem-se – múltiplas relações e vínculos específicos e interpessoais.

Por sinal, é intuitivo inferir que a existência de mais de um contrato pressupõe variedade de prestações e contraprestações.

No caso concreto, esse microssistema jurídico revela-se no acordo particular e personalíssimo entre Beta e Alfa, lançado no Contrato Downstream, que desonerou esta última da assunção do custo do ICMS na aquisição do gás natural.

Essa cláusula foi, por sinal, o centro único da disputa submetida à resolução dos árbitros.

O escopo da arbitragem resumiu-se aos pedidos de Alfa de interrupção do repasse do ICMS por Beta e de devolução dos valores relativos a dito repasse retidos na conta bancária, por força da cláusula ajustada no Contrato Downstream que isentava Alfa desse custo tributário.

A licitude do pacto não é objeto de questionamento e por encerrar relação personalíssima e de repercussão na esfera jurídica e patrimonial de Beta e Alfa, a inclusão de Omega e suas demandas autônomas foram corretamente afastadas pelos árbitros.

Insta observar, como informado por Alfa, que, enquanto no Contrato Downstream Beta comprometeu-se a não repassar à Alfa o valor de ICMS incidente sobre a operação de venda de gás natural da Omega para Beta, esta, ao contrário, na sua relação pessoal com Omega, estabelecida no Contrato UP, assumiu o ônus de arcar com o valor do ICMS incidente na compra e venda do gás.

Esse trato diferenciado de obrigações é um exemplo de contraprestações distintas que se verificam em contratos coligados, sem embargo da unidade final econômica. Embora diversas as condições, são válidas e eficazes, posto que acordadas por livre vontade, cuja repercussão, positiva ou negativa, enquadra-se, e assim deve ser encarada, no risco do negócio.

O objeto da disputa arbitral, repise-se, é de caráter e eficácia bilateral, posto que resulta de relação jurídico-material acertada exclusivamente por Alfa e Beta. A pretensão deduzida não é, portanto, de natureza que determine a presença de Omega no processo, haja vista que a sentença, por suposto, nela não deve produzir efeitos.

Afinal, a confirmação do direito de Alfa de não assumir o encargo tributário implica, como contrapartida, na obrigação de Beta assumi-lo. Nem mais. Nem menos.

O direito não há de ser ditado para a Omega, dado dirigir-se à Alfa. Não há, também, que ser ditado para a Omega porque o ônus do ICMS sobre ela não recai.

Considerando o objeto da lide, tem-se que a natureza da sentença arbitral não é da espécie que permite cindir o incindível. Quer se dizer que a relação jurídico-material não é indivisível a demandar da decisão arbitral eficácia sobre Omega.

Não há, nesse particular, relação una para todos, pois pode ser alterada (ou acertada) entre duas companhias, mantendo-se imutável para a remanescente (i.e. Omega).

Em outras palavras, Alfa e Beta são as únicas que se vinculam, e, portanto, são as únicas titulares dos direitos e obrigações que se projetam da relação contratual.

Reitere-se: Alfa contratou com Beta – Contrato Downstream – que não assumiria eventual repasse do ICMS porventura incidente sobre a operação de compra e venda de gás entre Omega e Beta, e esta, por sua vez, atraiu para si esse risco (álea negocial) ao não se exonerar desse imposto na sua relação com Omega, ajustada no Contrato UP.

Não há, por certo, interesse próprio de Omega a ser protegido; afinal, o provimento arbitral que se busca incide direta e exclusivamente sobre a relação particular e polarizada encetada por Alfa e Beta.[30]

Conclui-se da moldura contratual, e das distintas relações de direito material, não ostentar Omega legitimidade para agir – primeiro requisito a ser atendido para verificar a existência de litisconsórcio necessário –, pois não figura na relação de direito processual como titular, em tese, da relação de direito material nela deduzida, ou, vistas as coisas sob outro ângulo, como titular dos interesses em lide.[31]

É o meu entendimento.

Pedro A. Batista Martins

  1. * Sócio de Batista Martins Advogados. Árbitro, consultor e parecerista. Autor de 4 livros e de vários artigos sobre arbitragem. Co-autor da Lei de Arbitragem. Parecer jurídico elaborado em Maio de 2014 para juntada em ação judicial.
  2. Recurso de Apelação, itens e .
  3. Regulamento 2012 do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, Art. 10.2; Regulamento 2013 da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP, Art. 15.9; Regulamento 2013 do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, Art. 14.2; Regulamento da Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil, Art. 10.9; Regulamento 2012 da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, Art. 2; Regulamento 2009 do Centro Internacional para Resolução de Disputas, Art. 27(7).
  4. Cf. Luiz Guilherme Marinoni, Fredie Didier Jr., Wilson Alves de Souza, Daniel Francisco Mitidiero e Adolf Shönke, citados em meu artigo A Arbitragem e o Mito da Sentença Parcial, in Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, coordenadores, Selma Lemes, Carlos Alberto Carmona e Pedro A. Batista Martins, São Paulo, Atlas, 2007.
  5. Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.
  6. Segundo Luiz Roberto Ayoub e Antônio Pedro Pellegrino, “[a] figura da sentença parcial, mesmo antes da Lei 11.232/2005, já era admitida no ordenamento jurídico brasileiro. A referida lei, contudo, ao modificar o §1º do art. 162 do CPC, tão-só escancarou a existência de tais sentenças, restando mitigado o princípio da indivisibilidade da decisão judicial (rectius: sentença).” (“A Sentença Parcial”, in Revista de Mediação e Arbitragem, ano 6, n. 22, 2009, p. 43). Ovídio A. Baptista da Silva já entendia viável julgamento parcial antes da edição da Lei n. 11.232/2005 (apud Ricardo de Oliveira Silva, A Sentença Parcial de Mérito e o Processo Civil Moderno, Revista da AJURIS, vol. 34, n. 108, 2007).
  7. Art. 5º, LXXVIII. a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
  8. Conforme Luiz Roberto Ayoub e Antônio Pedro Pellegrino, “Exatamente dentro dessa perspectiva que pretende empreender a celeridade processual, a sentença parcial tem aplicação idêntica no instituto da arbitragem. Não há, conceitualmente, qualquer distinção que justifique tratamento diferenciado, valendo dizer que a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da CNUDCI (que representa o Regulamento Arbitral da Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional), foi fonte inspiradora da Lei de Arbitragem Brasileira e que, ao menos tacitamente, admitiu a existência de sentenças arbitrais parciais.” (op. cit., p. 51).
  9. Tradução livre. No original: “Even in the absence of statutory authorization or institutional rules permitting partial awards, a tribunal has the power to make such an approach (except in the case of contrary agreement by the parties). This authority is inherent in the arbitrator’s mandate to resolve the parties disputes in an efficient manner.” (International Commercial Arbitration, vol II, Netherlands, Kluwer, 2009, p. 2431)
  10. “A Validade da Sentença Arbitral Parcial nas Arbitragens Internacionais”, in Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, v. 19, n. 23, 2003, p. 11.
  11. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, São Paulo, Malheiros, 2013, p. 176, grifos no original.
  12. Contrato Downstream, Cláusula . A Arbitragem será regida, em todos os seus procedimentos, pelas Regras de Conciliação e Arbitragem da UNCITRAL e será realizada na Cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, sendo que a administração da Arbitragem caberá à Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.
  13. Na época em que a cláusula arbitral foi firmada, em 31.5.2002, estava em vigor as Regras UNCITRAL de 1976, porém, quando instaurada a arbitragem, em 9.11.2010, a Alfa sugeriu a adoção das Regras UNCITRAL de 2010, o que foi expressamente aceito pela Beta e acatado pelo Tribunal Arbitral. Nada obstante, ambas as Regras previram a possibilidade de prolação de sentença parcial, conforme, respectivamente, Artigo 32(1). Além de emitir sentença final, o tribunal arbitral poderá emitir sentenças provisórias, interlocutórias e parciais (tradução livre; no original: “In addition to making a final award, the arbitral tribunal shall be entitled to make interim, interlocutory, or partial awards”); e Artigo 34(1). O tribunal arbitral poderá emitir sentenças diversas sobre tópicos distintos em momentos distintos (tradução livre; no original: “The arbitral tribunal may make separate awards on different issues at different times”).
  14. Nota do autor: A Lei n. 13.129/2015, em harmonia com esses argumentos, alterou a Lei de Arbitragem brasileira para admitir expressamente a possibilidade de sentenças arbitrais parciais (Art. 23, §1º).
  15. Tradução livre. No original: “The usefulness of partial award on jurisdiction will mainly depend on whether the issues of jurisdiction will be determined by the same facts as those determining the merits (…) If, on the other hand, jurisdiction appears to be a separate issue and the substantive issues to be resolved by the tribunal if it retains jurisdiction are complex, it will generally be appropriate to decide by way of separate award.” (International Commercial Arbitration, Edited by Gaillard and Savage, The Hague, Kluwer, 1999, p. 743)
  16. Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem. § 1º Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa.
  17. Resposta aos Pedidos de Esclarecimentos formulados por Beta e Omega acerca da Sentença Arbitral Parcial, item .
  18. Conforme Craig, Park e Paulsson, “É uma questão de discricionariedade arbitral que se determine como e em que circunstâncias a sentença provisória ou parcial deve ser proferida, exceto se o Termo de Arbitragem estabelecer claramente que determinadas questões preliminares devem ou não ser decididas na forma de sentença [final].” (tradução livre); no original: “It is a matter of arbitral discretion as to whether, and in what circumstances, an interim or partial award should be made, unless the Terms of Reference have set forth a clear mandate that certain preliminary issues must or must not be determined in the form of an award.” (International Chamber of Commerce Arbitration, 2 edition, Paris, ICC Publishing, p. 323). Do mesmo modo, Fouchard, Gaillard e Goldman, “Na ausência de acordo entre as partes, são os árbitros responsáveis por determinar se é apropriado decidir por meio de sentença parcial.”(tradução livre); no original: “In the absence of an agreement between the parties on this matter, the arbitrators are responsible for deciding whether it is appropriate to decide by way of partial awards.” (op. cit., p. 742). Ainda, Derains e Schwartz, “Portanto, cabe usualmente ao Tribunal Arbitral decidir, em cada caso, dependendo de todas as circunstâncias relevantes, se uma decisão em particular deve tomar a forma de ‘Sentença’ ou, de outro modo, pode ser emitida na forma de uma ordem processual/procedimental.” (tradução livre); no original: “Thus, it is ordinarily for the Arbitral Tribunal to decide in each case, depending upon all the relevant circumstances, whether a particular decision is required to take the form of an ‘Award’ or may be issued instead in the form of a procedural order.” (A Guide to the New ICC Rules of Arbitration, The Hague, Kluwer, 1998, p. 38). Também, Schäfer, Verbist e Imhoos, “Cabe ao Tribunal Arbitral decidir se uma ordem processual é apropriada ou uma sentença é requerida tendo em vista sua eficácia.“ (tradução livre); no original, “It is for the arbitral tribunal to decide whether a procedural order is appropriate or an award is required on account of its greater force.” (ICC Arbitration in Practice, The Hague, Kluwer, 2005, p. 119).
  19. No dizer de Pontes de Miranda, “A denominação ‘sentença interlocutória’ deturpou a diferença entre “sentença“ e “interlocução”, como a deturpou dizer-se interlocutória a sentença que extingue o processo sem julgar o mérito. Não se pode interlocutar, interloguer (como se diz em francês), se se fala sem haver algo que fique depois. A interlocutoriedade exige o estar-se entre a e b; não há b, não se profere decisão-interlocutória: pára-se aí. É isso o que acontece com o juiz que dá a sentença com julgamento do mérito, ou sem julgamento do mérito, pois acabou a missão que veio desde o despacho da petição inicial até a sentença.” (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III, 4 edição, Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 79).
  20. Até mesmo pelas regras do Código de Processo Civil chega-se ao mesmo denominador, haja vista que, nos termos do art. 162, §1º, sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC, ou seja, extinção do processo, sem ou com resolução de mérito.
  21. Por essa razão, Cândido Dinamarco afirma que o sistema arbitral, antecipando-se à Lei n. 11.232/2005, “editou em seu sistema um conceito de sentença coincidente com aquele trazido no vigente art. 162, § 1º, do Código de Processo Civil, onde a sentença é definida como ‘o ato que implica [sic] alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei” (op. cit., pp. 173-174). De toda sorte, e para aqueles que questionavam esse fato, pode-se afirmar que a reforma do CPC de 2005, ao fixar novo conceito de sentença, passou a admitir a prolação de sentenças parciais, circunstância essa que desfaz o sentir daqueles que alinhavam o processo civil ao processo de arbitragem para tal efeito.
  22. Na literatura jurídica estrangeira, Jean-François Poudret e Sébastien Besson deixam claro que a exclusão de uma das partes pode ser resolvida, definitivamente, por sentença parcial, verbis: “Para nós, a sentença parcial (partial award, Teilschiedsspruch), como o julgamento parcial, é aquela que trata de uma parte do objeto do litígio, tal como definido pelos pedidos ou conclusões das partes. Assim, trata de um dos pedidos, se eles forem distintos, notadamente de uma pretensão que pode ser acolhida com base unicamente nos documentos constantes do processo, de uma reconvenção ou da exclusão de uma das partes.” (tradução livre); no original: “Pour nous, la sentence partielle (partial award, Teilschiedsspruch), comme le jugement partiel, est celle qui porte sur une partie de l´objet du litige tel que défini par les demandes ou conclusions des parties. Ainsi, sur un des chefs de la demande s´ils sont distincts, notamment sur une prétention pouvant être accueillie sur la base des seules pièces du dossier, sur la reconvention ou sur la mise hors de cause d´une des parties.” (Droit comparé de l’arbitrage international, Genève, Schuthess Médias Juridiques, 2002, p. 686).
  23. Conforme Luiz Roberto Ayoub e Antônio Pellegrino, “Necessário que no afã de municiar o processo civil de celeridade, o legislador positivou, no dispositivo ora em exame [§1º do art. 162 c/c arts. 267 e 269 do CPC], o critério substancial de sentença. Essa é definida não mais pela sua localização, mas, tão-só, por seu conteúdo (…) Enquanto o art. 267 do CPC prescreve casos de sentença processual, o art. 269 do CPC elenca, em seus incisos, as hipóteses de sentença de mérito.” (op. cit., pp. 47-48). Segundo Fábio Milman, “(…) mesmo sem encerrar o processo, haverá sentença se ato judicial implicar algum dos casos previstos nos arts. 267 e 269 do CPC”; nessa esteira, José Maria Rosa Tescheiner: “Sentença, agora, não mais se define como ato do juiz que extingue o processo. (…) Agora, sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC.” (ambas citações retiradas do texto de Ayoub e Pellegrino, p. 47).
  24. Op. cit, p. 174, grifos nossos.
  25. Nota do autor: Nada obstante, e conquanto dispensável, a Lei n. 13.129/2015, de modo a remediar a angústia dos amantes da literalidade normativa, deixou estampado no Art. 33, §1º, da Lei de Arbitragem brasileira o que se encontraria implícito da análise sistemática da Lei n. 9.307/1996, com a redação que vigia à época deste parecer.
  26. Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei. § 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.
  27. Marcus Vinicius Tenorio da Costa Fernandes, Anulação da Sentença Arbitral, São Paulo, Atlas, 2007, p. 81; Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, Jurisdição e Execução, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 270; Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem Lei 9307/96, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 138; Cláudio Vianna de Lima, Curso de Introdução à Arbitragem, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1999, p. 165; José de Albuquerque Rocha, A Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23.9.1996) uma avaliação crítica, São Paulo, Malheiros Editores, 1998, p. 134; José Eduardo Carreira Alvim, Tratado Geral da Arbitragem, Belo Horizonte, Mandamentos, 2000, p. 475; Duval Vianna, Lei de Arbitragem: Comentários à Lei 9307, de 23.9.96, Rio de Janeiro, Adcoas, 1998, p. 222; Selma Ferreira Lemes, Decadência do direito de pleitear a nulidade da sentença arbitral. Dilação, pelas partes, do prazo para a prolação da sentença arbitral. Extinção do processo sem apreciação do mérito. In Revista de Arbitragem e Mediação, n. 11, 2006, p.230.
  28. Aplica-se também à arbitragem o ensinamento de Ovídio Baptista em seu estudo Da sentença liminar à nulidade da sentença: “Como a sentença definitiva, esta a que se dá o nome de sentença parcial também produz coisa julgada e apenas da primeira se distingue por não encerrar inteiramente o procedimento.” (apud, op. cit. Ayoub e Pellegrino, p. 50). Particularmente quanto ao prazo de 90 dias para a propositura da ação de nulidade de sentença parcial, Donaldo Armelin, “Admitindo-se a autonomia da sentença parcial, como ora defendida, é de se considerar que o prazo decadencial para a propositura da ação de decretação de sua nulidade haverá de fluir após a ciência do litigante vencido da decisão que lhe foi desfavorável (…)” (Notas sobre Sentença Parcial e Arbitragem, In Revista de Mediação e Arbitragem, ano 5, vol. 18, 2008, p. 298-299); Leonardo de Faria Beraldo, “Como a sentença arbitral parcial, por excelência, produzirá todos os seus efeitos imediatamente, podendo, inclusive, ser executada judicialmente, parece-nos razoável e correto que o prazo decadencial de 90 dias tenha, como termo inicial, o dia seguinte ao trânsito em julgado da decisão parcial, e, não, da sentença final. Não faz sentido que a sentença parcial goze de prazo decadencial distinto daquele que valerá para a sentença final. O certo é que o prazo ao qual faz menção o §1º do art. 33 da LA é para buscar a invalidade da sentença arbitral, pouco importando se ela é total ou parcial.” (Curso de Arbitragem nos termos da Lei nº 9307/96, São Paulo, Atlas, 2014, p. 438); Carlos Alberto Carmona, “Admitida a sentença parcial – que deverá, para todos os efeitos, ser tratada como verdadeira sentença (como fazem os espanhóis), e não como ato provisório e ratificável na sentença final – será necessária a aplicação plena do dispositivo em questão, de modo que, não manejada a demanda de nulidade, será impossível atacar a sentença arbitral parcial com base em qualquer um dos casos do art. 32 da Lei de Arbitragem.” (Arbitragem e processo: um comentário à lei nº 9.307/96, 3 edição, São Paulo, Atlas, 2009, p. 431).
  29. Cf. item 189.
  30. Conforme decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça, “Indeferimento do pedido de admissão da empresa M&G Fibras e Resinas Ltda. para integrar o pólo passivo da presente impetração, pois não foi demonstrado interesse próprio a ser protegido, razão pela qual a situação apontada pela peticionária, que poderá ser atingida apenas indiretamente pelos efeitos da decisão judicial, não se enquadra nas hipóteses de litisconsórcio necessário previstas no art. 47 do Código de Processo Civil.” (AgRg no Mandado de Segurança n. 11.863/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, 27.5.2009).
  31. Essa é a lição de Athos Gusmão Carneiro, apontada no voto do Ministro Teori Zavascki, no Recurso Especial n. 1.065.574/RJ, Primeira Turma, unânime, 2.10.2008. Vale transcrever trecho do voto condutor: “Ora, no caso em exame, a relação de direito material posta em juízo é, exclusivamente, a que se estabeleceu entre a autora do mandado de segurança (= Viação Vila Rica Ltda.) e o Secretário de Estado de Transportes do Rio de Janeiro. Assim, a empresa Salutran Serviço Auto Transporte Ltda., porque não ostenta sequer a condição para se legitimar como parte, não pode ser litisconsorte, nem facultativo e muito menos necessário. Aliás, na petição inicial, nada é pedido em relação a ela, nenhuma pretensão é deduzida contra ela. A sentença, consequentemente não a beneficiará e nem a prejudicará. O litisconsórcio necessário, ademais, supõe, como se viu, que a relação de direito material seja única e incindível. No que se refere à hipótese dos autos, a relação jurídica ora estabelecida não se confunde com eventual relação jurídica que possa se estabelecer futuramente, caso se decida pela manutenção do cancelamento das operações da empresa Viação Vila Rica Ltda. no trecho ‘Morro Agudo/Austin’. São relações distintas e juridicamente autônomas.”