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The Great Arbitral Tribunal

Pedro A. Batista Martins[1]

Resumo: O presente artigo aborda – com base na experiência do autor – as melhores práticas para a condução eficiente de procedimentos arbitrais, listando condutas apropriadas e inapropriadas de árbitros, advogados e partes que podem afetar, positiva ou negativamente, o objetivo de se alcançar um grande tribunal arbitral.

Palavras-chave: Direito Processual. Arbitragem. Melhores Práticas.

Abstract: The paper addresses – based on its author’s experience – the best practices for the efficient conduct of arbitral proceedings, listing appropriate and inappropriate behaviors incurred by arbitrators, counsel and parties that may impact, positively or negatively, the aim to achieve a great arbitral tribunal.

Key-words: Procedural Law. Arbitration. Best Practices.

1. Introdução. 2. A Postura dos Árbitros. 3. A Conduta dos Advogados. 4. A Posição das Partes.

INTRODUÇÃO

O título deste despretensioso texto, conquanto o primeiro olhar possa induzir, nada tem de megalômano ou grandíloquo, pois visa, meramente, traçar as linhas, padrões e condutas dos ditos do’s and dont’s que encerram a boa arbitragem.[2]

Com efeito, o Grande Tribunal Arbitral é, basicamente, aquele integrado por pessoas qualificadas e colaborativas, sob cujo procedimento é conduzido com segurança e imparcialidade e em tempo razoável, a depender da complexidade da demanda, pautado no devido processo legal. É também aquele que, ao fim e ao cabo, conhecedor dos fatos e plasmado em seu livre convencimento, prolata decisão que seja bem acolhida pelas partes, inclusive por aquela que não obteve o sucesso esperado.

Tribunal dessa estirpe é factível, ou simples quimera? Sem dúvida, esse é o tribunal ideal, e, creio, desiderato palpável e alcançável.

No entanto, o atingimento desse ideal de arbitragem não repousa somente nos ombros dos árbitros, como também não recai apenas nas costas dos advogados ou no colo das partes.

De nada adianta partes e advogados serem cooperativos, cumprirem com prazos e cronogramas, e intervirem no estrito necessário, se os árbitros, por seu turno, não agirem com bom senso em suas decisões procedimentais ou não se dedicarem a entender o âmago da controvérsia.

Do mesmo modo, pouco importa ser o procedimento impulsionado a tempo e hora pelo tribunal arbitral, e que os árbitros coibam pretensões descabidas ou protelatórias, se as partes ou seus advogados insistirem em emulações e artimanhas no curso do procedimento.

Quero dizer é que o Grande Tribunal Arbitral traduz uma união de competências, vontades e condutas tripartite: Árbitros, Partes e Advogados. Todos são peças da mesma engrenagem. Todos são indutores desse ideal de arbitragem.

Afinal, a parte escolhe seus advogados, e estes aceitam patrocinar a demanda. Cada parte escolhe um árbitro. Os dois árbitros, por seu turno, após as verificações de estilo, aceitam o múnus e escolhem o presidente do tribunal arbitral. Este, ciente das circunstâncias envolvidas, aceita a função de presidir e conduzir os trabalhos.

Em outras palavras, partes, advogados e árbitros, todos, tiveram oportunidades de escolha e são, de certo modo e na medida própria, responsáveis pelo produto final.

Feita essa breve introdução de cunho genérico, vamos aproximar e aprofundar a lente objetiva, tratando dos aspectos específicos e pontuais atinentes a cada uma das peças do tabuleiro arbitral: Árbitro, Parte e Advogado.

A POSTURA DOS ÁRBITROS

Uma das primeiras contribuições dos árbitros ao ideal do Grande Tribunal Arbitral é a decantada disponibilidade. Trata-se, ao lado da confidencialidade, celeridade e especialidade, de mais uma das vantagens do procedimento arbitral.

Não à toa, algumas instituições de arbitragem têm adotado em seus parâmetros de eficiência do procedimento a verificação prévia de disponibilidade dos árbitros indicados, mediante a informação pelos profissionais de seus compromissos agendados.[3]

Entretanto, ponto bastante volátil ainda é o critério de medição do grau de (in)disponibilidade. A mais corriqueira – e pedestre – avaliação prévia é puramente o número de arbitragens que o profissional tem em curso. Numa simples e singela mirada, os números podem mesmo impressionar. Entretanto, não servem como indicador eficaz da real disponibilidade para funcionar como árbitro em mais um processo.

Afinal, há profissionais que podem atuar em mais de 20 disputas, e outros que não podem exceder a cinco processos. Tudo é relativo. Há uma série de dados e indicadores objetivos, e outros tantos subjetivos, a determinar a real disponibilidade do árbitro. Depende, muito, do perfil de cada um e de sua atividade profissional.

A título de exemplo, alguns exercem seus ofícios de forma intensa, com uma agenda plena de compromissos e sobre os quais não têm sequer o controle. A área de atuação e os diversos interesses de seus clientes demandam em demasia o seu tempo e o de sua equipe, que ainda resta sobre si supervisionar.

Para esses, regra geral, a função de árbitro é uma prática diminuta e não expressiva vis-à-vis o conjunto de suas atividades.

Já há outros cuja agenda não é tão concorrida, mas a velocidade no atendimento aos chamados profissionais não se faz no tempo esperado. O ritmo de vida e a dinâmica psíquica são características da personalidade de cada um. Digamos que, para alguns, o tempo é algo lúdico, uma quimera abençoada numa espreguiçadeira, e considerado à luz de análises metafísicas fundadas no estilo Dorival Caymmi de ser.

Existe, ainda, outro grupo cuja disponibilidade é pontual ao longo do procedimento, conquanto suas agendas não sejam repletas de reuniões e afazeres. Atendem alguns chamados, notadamente os mais fáceis, e se esquivam de responder a outros, tornando a atividade interna corporis do tribunal um verdadeiro jogo de Onde está o Wally?

Não falta também aquele que acha glamouroso ser árbitro, sem que tenha o perfil para desempenhar a função. No fundo, não gosta de tomar decisões e/ou de ouvir testemunhas. Muito menos de ler páginas e páginas de manifestações. Terá tempo, mas o dedicará ao mister?

Enfim, a aferição da (in)disponibilidade dos árbitros reclama a análise de um conjunto de fatores que trespassa a visão simplista que a resume a um critério objetivo, pois a disponibilidade psíquica, e outras de caráter subjetivo, não podem ser olvidadas.

Dinamismo e capacidade de trabalho, a par do interesse, dedicação e pendor pela tarefa de julgar, são elementos que não podem ser desconsiderados ou destacados do contexto no momento dessa avaliação.

Por sinal, não é de surpreender que profissionais mais ocupados continuem sendo demandados por clientes em suas várias áreas de atuação, haja vista que estes, muito embora com agendas limitadas, conseguem um “tempinho” para atender ao chamado, enquanto alguns outros encontrem certa dificuldade, ainda que seus compromissos sejam em escala bem inferior.

Vista a questão da disponibilidade, é salutar para o bom andamento dos trabalhos que este seja conduzido por árbitros práticos e objetivos. O bom senso é outro elemento fundamental.

O árbitro, ao aceitar o encargo, deve se desgarrar de teses e convencimentos prévios, pois cada disputa é um caso diferente, com nuances, fatos e provas pontuais, cuja solução pode demandar reanálise da cartilha que o profissional reza. É preciso, sem dúvida, desprendimento intelectual e pleno desarme de espírito.

Não será surpresa o árbitro se deparar com questões que confrontam entendimento arraigado em seu intelecto, o qual, ante as circunstâncias do caso concreto, reclamam sua revisão. É nessa encruzilhada, onde não raro o ego aflora, que a grandeza de espírito faz a diferença. O desapego intelectual, na espécie, é um bem intangível fundamental para a arbitragem.

Outrossim, relevante que os árbitros conheçam a dinâmica e os institutos que norteiam o direito arbitral, e sua distância do regramento processual civil. Por certo, facilitará, em muito, a condução do procedimento, evitando surpresas para partes, advogados e, por que não, árbitros.

A experiência atesta que as arbitragens fluem bem melhor quando todos os árbitros e advogados conhecem as normas arbitrais de incidência.

O intercâmbio de ideias e de orientações no painel de árbitros pode truncar ou dificultar se apenas um deles desconhecer, ou relutar em aceitar, a praxe arbitral.

E tal circunstância pode ainda gerar enorme descompasso com advogados e partes se esse desconhecimento, ou mesmo relutância, aplicar-se a todos os árbitros. Nessas situações, o ticket do show adquirido será de jazz, mas, a música, heavy metal.

A cooperação e o bom trato também facilitam sobremaneira a qualidade e a agilidade nas deliberações. O debate faz-se de forma livre, e sem preconceitos e percalços. As opiniões são consideradas em seus exatos termos, e contestadas sem rancores ou susceptibilidades. A intransigência e a inflexibilidade implicam em menosprezo ao debate de ideias que permeia todo e qualquer colegiado, e afetam a formação livre do convencimento.

De outra banda, o presidente do tribunal arbitral, sobretudo, deve buscar a harmonia e se esforçar para que a sentença seja unânime. Deve imprimir um ritmo regular ao andamento do procedimento, de modo a evitar longo período de inação. Entretanto, a celeridade não há de ser encarada como uma obrigação do árbitro, pois a ele compete, simplesmente, envidar os esforços para que o processo arbitral tenha prazo razoável de duração. Mas tal objetivo, por certo, não depende dele unicamente.

Salutar que o presidente tenha o necessário desprendimento para aceitar, sem susceptibilidades, que a minuta de decisão por ele elaborada sofra inserções e ajustes por seus pares. As contribuições, regra geral, agregam valor e substância ao produto final.

Com efeito, o árbitro deve ter em mente que a opinião contrária não é para ser recebida como ato de afronta ou oposição. Ou, quiçá, como ato de rebeldia ou insubordinação. Não pode e não deve deflagrar um conflito no tribunal. É apenas uma opinião. Nem mais, nem menos.

Deve ser tratada, simplesmente, como ponderação ou entendimento distinto, que não deve ser enfrentado com a emoção ou o ego. Afinal, o pluralismo é da essência deliberativa.

Espera-se também dos árbitros que tenham atitude, traduzida em uma condução firme e segura, e que imponham não só os limites necessários, como, até mesmo, se necessária, a tão badalada condenação de uma das partes em litigância de má-fé.

Abra-se um parênteses. A litigância de má-fé tem sido, de um lado, banalizada pelos pedidos mais despropositados de sua aplicação e, de outro, pouquíssimo ou nada adotada pelos tribunais arbitrais. Se sua banalização tem servido a embasar o desprezo ou a pouca importância a ela dada pelo julgador, de outra banda, esse menosprezo tem sido deveras exagerado em algumas situações. O pêndulo ainda está longe de alcançar o ponto central.

Não faz sentido que qualquer incidente processual conduza à penalização em litigância de má-fé, como usualmente pleiteado. Também fora de órbita a atitude condescendente do tribunal arbitral em relevar reiterados e despropositados incidentes gerados por uma parte com finalidade nada ortodoxa.

Com efeito, a utilização dissimulada de meios legítimos, com finalidade, portanto, antijurídica, configura abuso no processo. E, como tal, reclama sanção própria, tipificada na litigância de má-fé, prevista no art. 27 da Lei de Arbitragem.[4] Frente à previsão legal, verificada a situação fática, não deve o árbitro olvida-la, e, sim, aplicar a lei.

Sua adoção, contudo, tem esbarrado na apreciação valorativa deveras particular de cada árbitro, enquanto ser humano e profissional do Direito.

Dito de outro modo, para que pena da espécie seja aplicada, releva, sobremaneira, a coesão ou uniformidade de valores dos membros do painel arbitral, haja vista tratar-se de decisão sensível, pautada objetivamente pelos fatos ocorridos, mas, sem dúvida, calcada nos critérios subjetivos com que cada árbitro recebe, percebe e externa a intensidade da conduta da parte para, ao final, formar o seu próprio juízo de valor.

Feita essa digressão, outra badalada contribuição do tribunal arbitral que alguns sustentam relevante para a eficiência do contraditório – e, até mesmo, da audiência – é a indicação dos pontos que os árbitros entendem ainda pendentes de melhores e maiores esclarecimentos.

Note-se que esse ponto não se confunde com a fixação das questões incontroversas, posto tratar-se, meramente, de matérias ou temas ainda não devidamente claras para a formação do convencimento dos árbitros.

Com efeito, contrário ao que ocorre com os fatos sobre os quais já não mais paira controvérsia alguma, o tema diz com teses, circunstâncias fáticas e jurídicas e suas consequências que, embora debatidas pelas partes, ainda demandam maior aprofundamento e aclaramento para melhor instruir o entendimento dos árbitros.

Conquanto as partes queiram conhece-las logo após a fase postulatória, para melhor explora-las em audiência, a realidade tem geralmente demonstrado que, somente após os depoimentos orais (nos conflitos que não são puramente de Direito), os árbitros encontram-se efetivamente em condições de pontuar o que gostariam de ver melhor e mais profundamente debatido.

Por sinal, até a audiência, os advogados e as partes detêm conhecimento mais amplo do que os árbitros dos fatos, da solidez de seus argumentos, e daqueles mais sensíveis e desconfortáveis envolvendo o conflito.

Há, até então, uma natural assimetria entre partes/patronos e tribunal arbitral, o que tende a se eliminar com o término da audiência. Momento esse, inclusive, que impõe às partes/patronos uma revisitação dos pontos fortes e fracos e, assim, das chances de êxito, à luz da análise de tudo o que foi exposto – e de como foi exposto – em audiência.

São essas, em suma, as considerações mais relevantes a ser feitas no que diz respeito ao papel dos árbitros no Grande Tribunal Arbitral.

A CONDUTA DOS ADVOGADOS

Com certeza, o procedimento arbitral flui com mais simplicidade e agilidade quando os advogados agem com espírito colaborativo. A belicosidade envenena o procedimento e nada traz de proveitoso. Uma coisa é o advogado ser aguerrido e empenhar-se pelo interesse de seu cliente; outra, muito diferente, é o atuar com sangue nos olhos e faca entre os dentes. E o pior é que bons advogados (poucos, felizmente) confundem alhos com bugalhos ao sustentarem que certos atos desmedidos e inconsequentes encerram a combatividade esperada do profissional. Pena; lêdo engano.

Percebe-se o espírito cooperativo – ou o seu reverso – não raro, na elaboração do termo de arbitragem e na fixação do cronograma provisório. Não é plausível e razoável que 3 ou 4 dias a mais ou a menos para uma parte apresentar sua manifestação seja levado a extremos, a ponto de resultar em desperdício de tempo devido a acalorado debate quando da fixação das datas no cronograma provisório.

Nesse tópico, cuidado deve-se ter quando as partes procuram estabelecer no termo de arbitragem prazos para a juntada de documentos, pareceres jurídicos e/ou laudos técnicos, pois, muito embora viável, devem ter em mente que o cumprimento é da essência. Dado esse que, olvidado – o que não é difícil de ocorrer –, gera incidentes, cria ou acirra a litigiosidade, refletindo no curso normal do procedimento, em desproveito de todos.

Do mesmo modo, é possível predeterminar as datas da audiência ou a da reunião para os advogados apresentarem o caso e discutirem com os árbitros a produção probatória. Afinal, as agendas de todos os envolvidos recomendam essa observância.

Conquanto alguns imprevistos possam impor a remarcação dessas datas, tem-se visto pedidos de alteração desprovidos de sentido ou fundamento convincente.

Em suma, ditas práticas são de razoável adoção (se as circunstâncias do caso permitirem), desde que todos os partícipes estejam imbuídos de sua importância para o andamento célere do procedimento e dispostos a cumpri-las a tempo e modo, bem como forjados na boa-fé de espírito.

Assim, evitam-se incidentes desnecessários que venham a causar atrasos e a consequente inviabilidade de se manter as datas antes fixadas, o que, sem dúvida, amplificará a demora, posto que as agendas já estarão, com o avançar do procedimento, bem mais comprometidas. Sem a devida conscientização, melhor não predeterminar data alguma, sob pena de estressar a relação processual e exacerbar os ânimos.

Salutar, ainda, para a boa fluidez da arbitragem, que as partes evitem atravessar petições em resposta à contraparte sem a prévia solicitação ao tribunal arbitral, que pode ser feita, singelamente, via correio eletrônico.

A ansiedade e a desproporção com que se encara qualquer movimento do ex adverso, na maioria das vezes, não condizem com as circunstâncias em debate.

Afinal, o processo deverá observar a ampla defesa e o contraditório, sob pena de nulidade. Esse pressuposto, por si só, já seria suficiente a mitigar o desassossego da parte.

Caso seja juntado documento ou abordada determinada questão relevante fora do contexto do cronograma, ao invés de a parte, de forma aflita, enviar petição combatendo ou questionando a contraparte, mais útil e produtivo que pondere a circunstância e requeira prazo para se manifestar. De forma simples, concisa e objetiva.

Isso poderá evitar uma desenfreada troca de petições de parte a parte, antes mesmo que os árbitros tenham condição e tempo de aprovarem a ordem processual que, ao fim e ao cabo, asseguraria o direito da parte aflita e evitaria tumulto processual.

Importante, também, que pequenas necessidades ou desajustes sejam resolvidos diretamente pelos advogados das partes. A título de exemplo, desnecessária a intervenção do tribunal arbitral para determinar o reenvio de documentos não recebidos por força de falha eletrônica; do mesmo modo, para assegurar a extensão justificada de algum prazo.

A colaboração entre patronos não só é recomendável como favorece o diálogo e aproxima as partes, o que distende a relação litigiosa e dá amparo à resolução do conflito por transação.

Nessa esteira, civilidade no trato das questões conflituosas reduz, em muito, a litigiosidade. Opinião contrária não deve ser tratada como uma afronta. Pluralismo é da essência da vida profissional do advogado. Ponto de vista distinto não é oposição.

Civilidade traduz-se também em uma linguagem menos agressiva e sem as dezenas de adjetivos comumente – e infelizmente – lançados ao longo das manifestações escritas e orais. Algumas até mesmo deselegantes.

Pior, tal linguajar nada agrega de valor ao caso ou à posição da parte. É de todo irrelevante para o deslinde da controvérsia e para o convencimento dos árbitros. O impacto que causa é tornar a leitura da peça, em certo sentido, desagradável. Ou, pior, exacerbar os ânimos das partes, pois cada vez mais estão presentes nas audiências e reuniões, e acompanham o desenrolar da disputa, lendo as peças e tomando ciência da forma como as imputações e fatos são expostos, o que, por certo, as distancia de potencial acordo.

Aliás, as peças que dão enorme prazer em ler são aquelas que vão direto ao ponto, sem palavras supérfluas, e que são, acima de tudo, concisas e objetivas. Enfim, os advogados muito têm a contribuir com petições estruturadas em tópicos, que contemplem com clareza os fundamentos, e com a indicação dos documentos de suporte, sem as usuais repetições.

E, reitere-se, de forma concisa e objetiva, pois peças longas afrontam a celeridade e, não raro, tornam a leitura enfadonha e demorada, de modo que não são lidas e digeridas de uma só volta. No extremo, atentam contra o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.[5]

Simplicidade, como dito por Leonardo da Vinci, é a sofisticação máxima.

A questão se agrava quando as dezenas e dezenas de páginas suportam pedido de tutela de urgência; ora, onde está a urgência se apenas a leitura e a análise do conteúdo (a par do processo de deliberação e da elaboração da minuta de decisão) demandará do árbitro tempo em excesso, em desproveito da alegada urgência no provimento da tutela.

Como já dito pelo poeta, escrever é a arte de cortar palavras. Atentem os escribas para a história: bem antes de Cristo (ano 463, a.C.), na obra As Suplicantes, de Ésquilo, o rei Pelasgo, de Argos, ao condescender em ouvir em audiência pública a súplica de mulheres perseguidas, negras e fiéis a outros deuses, que buscavam asilo, advertiu: “longa fala, porém, não agrada a cidade.”[6]

Atentem também os escribas para o que George Burns apregoava: “O segredo de um bom sermão é um bom começo e um bom fim e ter esses dois o mais perto possível um do outro.”; para o que Franklin Roosevelt solicitava e indicava ao seu interlocutor: “Seja sincero, breve e sente-se.”; e para o pensar de Hamlet: “A concisão é a alma da sabedoria.”[7]

Operadores do Direito, resistam ao ao vício de escrever em demasia! Para além de ineficiente e cansativo, os tempos não comportam e, mais, desautorizam tal tentação.[8] Tempo é um bem sublime, e concisão e objetividade são de rigor.

Não sem razão, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América impõe a concisão como regra e limita o número de páginas ou caracteres, a depender da natureza do pedido. As demais cortes federais e estaduais adotam as mesmas práticas. Para que o número de páginas seja ampliado, faz-se necessário requerimento justificado da parte ao juiz da causa e a devida autorização.

Do mesmo modo, a Sala Civil do Tribunal Supremo da Espanha impõe a concisão como um dos requisitos para os recursos de cassação e extraordinário.[9]

Nessa esteira, o Tribunal de Justiça de São Paulo instituiu o projeto Petição 10 Sentença 10, com o intuito de mitigar as dificuldades na análise do caso que os extensos arrazoados acarretam ao juiz e, por que não, também à parte contrária.[10]

Pontue-se que o objetivo não é cercear o direito da parte ou o livre exercício da advocacia, mas, sim, o excesso argumentativo desnecessário, repetitivo e improdutivo. É orientar o raciocínio do profissional para tratar do que realmente interessa, sem delongas; em suma, ir direto ao ponto. Não há restrição ao direito da parte, pois todos os fundamentos podem (e devem) ser expostos em um texto conciso, claro, objetivo e coeso.

Os exemplos de textos supérfluos e inúteis, tergiversações e repetições abundam no seio jurídico. Com certeza, um processo proposto na jurisdição brasileira com as mesmas pretensões de outro proposto nos Estados Unidos da América é capaz de atestar a prolixidade que campeia em nosso solo.

Não à toa as exposições orais dos casos disputados em contencioso arbitral têm-se mostrado extremamente produtivas, na medida em que o tempo alocado para tal finalidade impõe concisão e objetividade na explanação. Por via inversa, todo o excesso contido nas centenas de laudas juntadas ao dossiê do procedimento resta à deriva, a demonstrar sua rrelevância.

Nessa mesma linha, conveniente que pareceres jurídicos sejam o mais curtos possíveis. Essencialmente, no limite de 20 a 25 páginas. É o que vemos com frequência nas arbitragens internacionais, inclusive quando juristas brasileiros são requisitados para tal tarefa.

Já os laudos técnicos, é de todo recomendável que sejam revistos pelos advogados (notadamente, os laudos de engenharia), de forma a, colocando-se na posição dos árbitros, suprimir os trechos desnecessários ajustar as redações truncadas e adequar a linguagem para, assim, tornar mais fácil a leitura e a compreensão do texto.

Retornando à civilidade, traduz-se esta, também, nos meios e modos como se impugna o árbitro.

Não há dúvida de a parte ter direito de questionar, indagar ou impugnar o árbitro indicado para funcionar no painel. Contudo, essa faculdade deve, e pode, ser exercida com savoir faire. O objetivo não deixará de ser atingido se as razões forem expostas com linguajar mais polido, pois, como dito, a lei assegura tal oportunidade à parte, ressalvadas, por óbvio, impugnações que configurem abuso desse direito.

Quanto às audiências, preparar-se para elas, revendo as teses e os fatos, reolhando os documentos e entendendo em detalhes os fatos vivenciados pelas suas testemunhas, fazem toda a diferença. Permite ao patrono definir a estratégia a ser adotada, questionar mais – ou menos – certas testemunhas, abrir mão da oitiva de alguma daquelasarroladas ou, mesmo – conquanto, infelizmente, raro de ocorrer –, abster-se de fazer qualquer indagação à testemunha da contraparte.

Muito embora a lista de perguntas previamente elaborada seja uma boa opção, importante estar atento ao que foi respondido, sob pena de se perder a oportunidade deprosseguir na inquirição, porém, fora da pauta, ou de “pular” algumas das perguntas listadas.

No mais, o advogado não está obrigado a perguntar; sábio é aquele que sabe dosar e sopesar a inquirição, ciente do momento em que é oportuno dar-la por finda, por vislumbrar a inutilidade ou a adversidade das respostas, ou mesmo abrir mão dela por completo.

A experiência demonstra ser baixo, atualmente, o grau de proveito das audiências, contrariamente à eficiência das exposições orais. O tempo tem sido desperdiçado em questiúnculas e matérias de pouca relevância para o deslinde da controvérsia, ou mesmo em temas que dispensam a prova oral.

Por seu turno, as alegações finais servem como peça de convencimento quando resumem, objetivamente, o caso, e agregam elementos efetivamente probatórios colhidos na audiência e consolidam outros anteriormente ventilados.

Por fim, é preciso repensar os embargos arbitrais como são hoje exercidos. Em uma palavra, abusivamente. Ou, em outra palavra, despudoradamente. A ponto de câmara internacional ter instituído cobrança extra para a apreciação de pedidos de esclarecimento, oriundos de arbitragens envolvendo partes brasileiras. E o mesmo, não se estranhar, será seguido por instituições nacionais.

Não há um processo de arbitragem que termine com a simples prolação da sentença. Somente a decisão sobre os pedidos de esclarecimento põe fim à controvérsia. E o ínfimo percentual de sucesso desses pedidos retrata a falta de amparo dos embargos arbitrais.

A arbitragem – é preciso entender, digerir, se conformar e difundir – não tem recurso. É bala de prata. Um tiro só. Essa é uma das peculiaridades da jurisdição arbitral, muito bem aceita em diversas outras jurisdições, onde o embargo arbitral é exceção.

São essas, pois, algumas das ponderações que reputo mais premente para os advogados que atuam no contencioso de arbitragem.

A POSIÇÃO DAS PARTES

O papel fundamental da parte pauta-se em sua colaboração com a equipe de advogados, alocando grupo de pessoas proativas, interessadas e com disponibilidade necessária para atender as demandas que se apresentarão no curso do procedimento. E não olvidem, são muitas e variadas as questões que demandarão desse grupo dedicação e persistência.

Afinal, os arquivos e a memória deverão ser revisitados e vasculhados, detalhes técnicos e factuais reclamarão paciência em suas recapitulações e esclarecimentos, e as mais diversas perguntas serão feitas e refeitas a fim de que os advogados tenham o maior grau possível de domínio sobre os acontecimentos que norteiam a controvérsia.

Com efeito, é capital que a parte perceba a dinâmica da arbitragem e se empenhe com determinação, pois a experiência mostra que a frequente e pronta interação de executivos e colaboradores da parte com a sua equipe de advogados eleva as chances de êxito ou, no mínimo, pode mitigar os custos do insucesso.

Feito isso, cabe à parte deixar os advogados desincumbirem-se de seu trabalho em paz, encaminhando a estratégia traçada sem interferência na forma e modo de condução do caso, e sem pressão desmedida e incessante, pois disso normalmente resulta no agravamento da disputa e no acirramento dos ânimos, com reflexo negativo no curso do procedimento, na contraparte e seus advogados e, até mesmo, no tribunal arbitral.

Ao fim e ao cabo, no ideal do Grande Tribunal Arbitral, espera-se da parte que aceite a sentença final elaborada adequadamente, independentemente do resultado.

Esse ideal já se mostrou atingível por pesquisa feita tempos atrás pela American Arbitration Association – AAA, na qual o percentual de satisfação de todas as partes envolvidas com o resultado obtido na arbitragem foi acima dos 68%, incluindo, portanto, aquelas que não lograram sucesso; curiosamente, o mesmo não ocorreu quando os entrevistados eram os advogados, o que indica que esses são, talvez, os mais relutantes em aceitar o insucesso dos seus argumentos e teses.

De toda forma, o Grande Tribunal Arbitral encerra a convergência de condutas e a harmonia de propósitos e intenções para o fim maior da administração e realização da justiça justa e em tempo razoável.

  1. Sócio de Batista Martins Advogados. Autor de 4 livros, de comentários ao capítulo de Títulos de Crédito do Código Civil, e de vários artigos sobre arbitragem e outros temas do Direito.
  2. O artigo foi elaborado com base nas anotações de palestra no VI Encontro Internacional de Arbitragem de Coimbra, Coimbra, outubro de 2016.
  3. A esse respeito, a Câmara de Arbitragem Internacional da CCI, em sua Nota sobre a Condução da Arbitragem, de 1º de março de 2017, assim recomenda: “Os árbitros têm o dever de dedicar à arbitragem o tempo necessário para que o procedimento seja conduzido de maneira tão diligente, eficiente e rápida quanto possível. Assim, os candidatos a árbitro precisam indicar na Declaração em quantas arbitragens atuam no momento em pauta, e especificar se atuam como presidente, árbitro único, coárbitro ou advogado das partes. Deverá também ser indicada a previsão de outros compromissos e sua disponibilidade para os próximos 24 meses.” (item 25).
  4. Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver.
  5. Art. 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
  6. José Roberto de Castro Neves, A Invenção do Direito, edições Rio de Janeiro, 2015, p. 119.
  7. João Ozorio de Melo, Juiz Americano escreve receita para advogado ser mais conciso, Consultor Jurídico, 23/dez/2016.
  8. Segundo a UNESCO, texto com mais de 50 páginas pode ser considerado um livro.
  9. Os recursos devem ter redação clara e não ultrapassar 25 páginas, com letra Times New Roman, tamanho 12, espaço 1,5. (“STJ Espanhol muda regras e pode rejeitar argumentações ‘muito extensas’”, Consultor Jurídico, 15/02/2017).
  10. Boletim DJE, Notícias TJSP. Em despacho de 24 de março de 2014, o Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Patu, bem assinalou: “Não é possível assegurar a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação sem a indispensável colaboração dos advogados. O tempo que o juiz gasta lendo páginas inúteis é roubado à tramitação de outros processos. Portanto, a prolixidade da inicial desrespeita entre outras coisas: a) a diretriz constitucional da celeridade; b) o princípio da lealdade, porque prejudica desnecessariamente a produtividade do Poder Judiciáro, e c) o dever de não praticar atos desnecessários à defesa do direito. Ademais, forçar o adversário a ler dezenas, quiçá centenas, de páginas supérfluas é uma estratégia desleal para encurtar o prazo de defesa. Há claro abuso do direito de petição por parte do autor (…).” Observa-se que um dos pontos a considerar exposto no Effective Management of Arbitration, da CCI (2015), é a fixação de limite ao número da páginas para as manifestações das partes.