Baixar como PDF


Pedro A. Batista Martins[1]

1. Para melhor situar seus leitores sobre a polêmica promulgação de uma nova lei sobre direito de retirada dos acionistas minoritários, INVESTIDOR PROFISSIONAL recorreu ao Dr. Pedro Batista Martins, advogado-associado do Escritório Evaldo Ramos e assistente jurídico da ABAMEC-RJ. A íntegra de sua entrevista está publicada a seguir.

2. INVESTIGADOR PROFISSIONAL – Há quanto tempo a legislação brasileira inclui o direito de recesso (ou de retirada) para acionistas minoritários, e qual é o significado desse direito, no Brasil?

3. Pedro Martins – A nossa lei das sociedades por ações assegura aos acionistas minoritários o direito de recesso ou de retirada da companhia quando discordarem das seguintes deliberações aprovadas pela maioria:

a) criação de ações preferenciais de classe existente, sem guardar proporção com as demais, quando não previsto nos estatutos.

b) Alterações nas preferências, vantagens e condições de resgate ou de amortização de uma ou mais classe de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;

c) criação de partes beneficiárias;

d) alteração do dividendo obrigatório;

e) mudança do objeto da companhia;

f) incorporação da companhia por outra, sua fusão ou cisão;

g) dissolução da companhia ou cessação de liquidação; e

h) participação em grupo de sociedade.

4. Nestes casos, o acionista insatisfeito com a decisão tomada pela maioria, tem o direito de se afastar da sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações.

5. Esse reembolso, conforme expressamente previsto na referida lei, não pode ser inferior ao valor do patrimônio liquido de acordo com balanço levantado nos últimos 60 dias. Mesmo que o acionista tenha se abstido de votar ou ainda não tenha comparecido à assembléia, ele não perde o direito de se retirar da sociedade e receber, em contrapartida, o valor real de sua participação.

6. Com as sociedades anônimas o poder de decisão está sempre nas mãos da maioria, o direito de recesso funciona com um freio ou uma limitação a esse princípio majoritário.

7. O direito de recesso, tido como um dos direitos essenciais do acionista, é irrenunciável e inderrogável pelo estatuto social.

8. É um direito do qual o acionista não pode ser privado, ou seja, se o estatuto social contiver cláusula que dificulte ou vede o direito de o acionista retirar-se da companhia, ela é tida como nula.

9. A nossa antiga lei societária já previa algumas hipóteses cuja aprovação dava direito ao acionista dissidente de se retirar da sociedade.

10. “O direito de recesso (…) é um direito do qual o acionista não pode ser privado”

11. A atual lei das sociedades anônimas, cuja espinha dorsal é a proteção ao acionista minoritário, aproveitou para acrescer algumas matérias e, com isso, diminuir o poder quase ilimitado da maioria.

12. Assim, podemos dizer que desde 1940 o mercado acionário brasileiro convive com o direito de recesso.

13. IP – Que alterações foram introduzidas com a promulgação da Lei no.7958, de 20.12.89?

14. PM – Essa malfadada lei suprimiu dos acionistas o direito de se retirar da sociedade quando a maioria aprovar a incorporação da companhia por outra, sua fusão ou cisão e a participação em grupos de sociedades.

15. A incorporação, a fusão e a cisão têm sido utilizadas com técnicas de reorganização societária onde os interesses dos grupos são ajustados sob o manto de uma nova ordem ou regra jurídica.

16. Vejam bem, são operações que normalmente implicam em profundas alterações na estrutura das sociedades envolvidas, inclusive com a extinção de algumas delas – como ocorre com a sociedade fundida, a incorporada e as cindidas, no caso da versão de todo o seu patrimônio.

17. Ora, ao alterar substancialmente as regras do jogo, deve o acionista dissidente ter o direito de pegar seu boné no caso, o valor patrimonial de suas ações, e deixar a companhia.

18. Já no grupo de sociedade, impõe-se às sociedades participantes a obrigação de combinarem recursos ou esforços com vistas à realização dos respectivos objetos ou à participação em atividades ou empreendimentos comuns.

19. O problema é que, muitas vezes, a consecução dos objetos prejudica interesses de uma ou mais empresas do grupo e, não raro, descapitaliza algumas em proveito de outras.

20. É o caso, por exemplo, de uma sociedade superavitária que se agrupa com sociedades deficitárias.

21. Mais uma vez deve o acionista ter a opção de se retirar da sociedade cuja estrutura – a ser implementada por vontade da maioria – difere substancialmente daquela da qual vinha participando.

22. IP – O sr. acha que as discussões prévias a respeito dessas alterações foram suficientes e abrangentes?

23. PM – De maneira nenhuma. Muito pelo contrário. A tramitação dessa lei foi discreta e silenciosa. E olha que já em 17 de agosto do ano passado a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal havia aprovado o projeto de autoria do Senador Edison Lobão, do PFL do Maranhão.

24. De lá o projeto foi para a Câmara dos Deputados onde também uma de suas comissões decidiu pela aprovação.

25. Após parecer favorável do Ministério da Justiça, o Presidente da República sancionou a inusitada lei.

26. De agosto a dezembro o projeto de lei tramitou sob o manto de mistério, sem que nenhuma entidade, jurista e demais interessados pudessem se manifestar a respeito.

27. Não tenho certeza, mas consta que apenas a CVM teria sido ouvida e emitido parecer contrário à proposta.

28. IP – À primeira vista, a nova lei parece provocar conflitos em relação a outros dispositivos em vigor da Lei das S/A Esse fato poderia servir para provocar uma revisão da lei?

29. PM – Por certo a lei não foi elaborada nos moldes da melhor técnica legislativa, uma vez que a lei das sociedades anônimas trata de maneira sistemática os direitos em questão, enquanto que a lei no. 7.9581/89 apenas se referiu ao “caput” do artigo 137.

30. Na realidade, o direito que a mencionada lei procurou revogar também está previsto de forma expressa nos artigos 230 (incorporação, fusão e cisão) e no parágrafo único do artigo 270 (grupo de sociedades).

31. “(…) aqueles que advogam a supressão de tais direitos propagam uma ideologia imperialista (…)”

32. Com isso, vários juristas entendem que o objetivo da lei recém editada não foi alcançado, pelo menos no que diz respeito a incorporação, fusão e cisão, vez que o artigo 137 – alterado – é norma geral, enquanto que o artigo 230 é norma específica, devendo, por esta razão, prevalecer sobre aquela de caráter geral que foi modificada.

33. Tal fundamento é correto. Não podemos, porém, esquecer que, de outro lado, a lei não pode ser interpretada literalmente, sendo necessário buscar a intenção do legislador. Neste caso, a justificativa do autor do projeto de lei comprova que o intuito efetivo foi o de revogar o direito de recesso naquelas hipóteses contidas na lei.

34. O que se precisa deixar claro é que inobstante a validade da tese que sustenta a não revogação do artigo 230, não podemos deixar que os acionistas dissidentes tenham que buscar seus direitos pela via do judiciário, onde se levará bons anos até a decisão final que poderá ou não lhes ser favorável.

35. Necessário um novo texto legal que, revogando a lei em questão, devolva a estabilidade às relações maioria / minoria.

36. IP – Que efeitos as alterações introduzidas pela Lei no. 7.958/89 provocaram no mercado acionário?

37. PM – A promulgação dessa lei cansou ao mercado duas surpresas desagradáveis. A primeira foi a revogação para a simples, e de forma casuística, daqueles direitos dos minoritários antes mencionados.

38. A segunda foi a forma truculenta como a lei foi promulgada, sem a audiência do mercado em geral, das pessoas interessadas e, particularmente, da ABAMEC, associação que congrega milhares de analistas do mercado de capitais.

39. A consulta ao público se fazia necessária vez que o direito de retirada é preceito de ordem pública e se insere no âmbito dos direitos essenciais dos acionistas.

40. Mormente quando se sabe que as comissões parlamentares são os alvos prediletos dos grupos de pressão, opiniões dos diversos segmentos do mercado deveriam ser ouvidas e respeitadas, fossem a favor ou contra o direito de recesso.

41. Não nos julgar, pois são elas questões de foro intimo de cada um. Porém entendo que aqueles que advogam a supressão de tais direitos propagam uma ideologia imperialista, enquanto aqueles que apóiam a manutenção daqueles direitos difundem uma consciência pacifica.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.

Leave a comment