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A hora dos meios alternativos de solução de conflitos

Passadas as primeira e segunda fases do direito onde foram asseguradas as garantias individuais, políticas, econômicas, culturais e sociais, defrontamo-nos, no limiar do século XXI, justificadamente, com a terceira geração do direito.

Com a débaclè do sistema estatal e o retorno imperativo ao estado democrático de direito, reforçou-se a hegemonia do indivíduo e a consequente valorização do ser humano.

A democratização social tornou-se a causa de vários fenômenos econômicos e políticos, inclusive, o da mitigação da soberania dos estados, agora vista sob o ângulo qualitativo e, não mais sob a ótica quantitativa.

O patrimônio da humanidade, o meio ambiente e o ser humano afastam-se do seu caráter virtual e passam a ser preocupações efetivas e reais.

O princípio do due process of law amplia-se, sobremaneira, para englobar o trinômio vida – liberdade – propriedade, na sua mais ampla acepção.

Estamos frente ao direito à fraternidade, à solidariedade e, nessa busca por sua concretização, os indivíduos exigem maior participação e a efetividade do direito à prestação.

Nada mais, em harmonia com a essência dos meios alternativos de solução de conflitos, também conhecidos como ADR, onde a mediação, a conciliação e a arbitragem são o seu carro-chefe.

Para entendê-los e aceita-los é preciso – com base em tão angustiante realidade – focalizarmos nossa atenção para o futuro, pois este, de modo algum, desprezará formas sociologicamente tão justas de solução pacífica de controvérsias.

Nesses meios, prevalece o consenso e a boa-fé, elementos que compõem a essência da fraternidade e da solidariedade.

O ponto nodal é a controvérsia, a obtenção do resultado prático pretendido, e, a consequência é a cura da lide sociológica. A decisão final é palatável, seja porque acordada pelas partes, com a ajuda do mediador ou do conciliador, seja porque advinda de consenso e de alguém em que as partes depositaram sua confiança, no caso de vir prolatada por árbitro.

Ademais, o cidadão – simples mortal – é parte relevante na resolução de disputas através de ADR, o que lhe assegura o direito à participação e amplia o poder de cooperação da sociedade com o Estado na árdua tarefa de administração da justiça.

Nesse particular, acautelem-se os apressados e os misoneístas! Não estamos a proclamar a privatização da justiça ou do processo. Ao contrário, estamos sim, acedendo a amplificação da delegação estatal dos poderes jurisdicionais, como já ocorre com os tribunais do júri e os juízes classistas.

Como bem pondera o jurista carioca, J. C. Barbosa Moreira (cf. Revista da EMERJ), a questão não deve ser enfocada sob o prisma da privatização do processo, e, sim, sob o plano da sua publicização. A participação social na prestação da tutela jurisdicional é consentida e ampliada pelo próprio Estado.

O nódulo jurídico não é o elemento essencial a ser enfocado no trato da jurisdição. Deve ser esta encarada pelo seu intuito social, pela sua síntese, qual seja, o seu poder de resolver, eficazmente, as disputas em questão.

De fato, a inércia do judiciário e a ineficiência ou imprestabilidade da prestação jurisdicional, têm servido como pano-de-fundo para reclamações indenizatórias movidas contra os Estados – Membros da União Europeia perante o tribunal europeu de direitos humanos (Tribunal de Luxemburgo) sob o flagrante argumento de denegação de justiça.

Com os ADR temos à disposição variados mecanismos de solução pacífica de disputas a reforçar o direito à prestação, de modo amplo o suficiente a abraçar o justo processo e o efetivo acesso à justiça que, de direito natural, transmudou-se em grave problema social.

A tradição internacional na utilização desses meios alternativos comprova sua validade e eficácia. Na China, por exemplo, os conciliadores resolveram, na década de 80, dez vezes o número de questões submetidas à decisão dos juízes togados.

No campo do comércio já foi dito que no contrato sério em que predomine a ética e a boa-fé nas negociações, sempre existirá a previsão de solução de controvérsias por arbitragem.

Não é possível sustentar-se, ainda hoje, que o nódulo estritamente jurídico, deva ser o único fim da jurisdição.

A democratização social do Estado e sua solidarizarão não mais permite e, tampouco, convive, com tal estreiteza de foco.

Pelo contrário, o Estado é imperioso, nesse momento de crise, difundir remédios legítimos que confiram aos cidadãos pleno acesso à justiça de modo a assegurar pacífica e harmônica convivência no século vindouro.

Sem dúvida é a hora dos meios alternativos, pois, é com eles (também !) que daremos ênfase à terceira geração dos direitos.

Escrito aproximadamente em 1996