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Pedro A. Batista Martins

A. Introdução; B. Fase Pré-Arbitral; C. Fase Arbitral; D. Fase Pós-Arbitral.

A. Introdução

1. A lei brasileira de arbitragem, também conhecida como lei Marco Maciel (Lei n. 9.307/96), é provida de uma sistemática própria que assegura um sentido, e uma estrutura, harmônica com os princípios norteadores do instituto.

2. Com efeito, podemos aplicar a esse sistema uma divisão macro em três fases, a saber: pré-arbitral, arbitral e pós-arbitral.

3. Cada uma dessas fases comporta uma sistematização específica e deve ser entendida, e interpretada, com uma visão do todo para que sua aplicação se dê em fina sintonia com a finalística própria das fases, sob pena de desvirtuamento dos efeitos que cada uma dessas etapas produz.

4. Em outros termos, a lei de arbitragem, como todo o direito positivo, deve ser interpretada de forma sistemática, pois é da aplicação hermenêutica que surgirá a verdadeira norma jurídica.

5. O texto, preceito, enunciado normativo é alográfico [somente se completa com o concurso de dois personagens: o autor e o intérprete]. Não se completa no sentido nele impresso pelo legislador. A “completude” do texto somente é realizada quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete.[1]

6. Nesse sentido, é extremamente relevante o trato que o intérprete dará aos dispositivos da Lei Marco Maciel que compõem cada uma das três fases acima referida para, ao final, aplicar uma visão holística sobre o conjunto das regras que formatam esse todo, e dele extrair seus reais e precisos efeitos de direito.

7. Nunca é demais relembrar que a interpretação não se faz aos pedaços mas, sim, de forma sistemática no conjunto micro da lei específica e, macro, das disciplinas que regulam o direito.

8. Como afirma Juarez Freitas, “… a interpretação sistemática deve ser entendida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas escritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação”.[2]

9. Assim é que deve ser pensado e interpretado o instituto da arbitragem e a lei que lhe dá curso. Particularmente, as fases em que se dividem: pré-arbitral, arbitral e pós-arbitral.

B. Fase Pré-Arbitral

1. A fase pré-arbitral se inicia com a assinatura da convenção de arbitragem mas se mantém dormente até o surgimento do conflito. Ela se prolonga até a aceitação da nomeação dos árbitros.

2. Deve-se entender que a aceitação pelos árbitros da função não põe termo à fase pré-arbitral, pois esta somente se completa com a efetiva confirmação destes, após submetido o Termo de Independência às demandantes. Antes dessa confirmação, os árbitros podem até ter aceito, mas, ainda, não foram confirmados. E podem, mesmo, nem vir a ser confirmados, caso haja algum fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

3. Destarte, quando o art. 19 da lei de arbitragem registra que, “Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários”, tenho que a dicção do texto normativo deve ser interpretado, não como a aceitação pelo(s) árbitro(s), mas, sim, pelas partes envolvidas na disputa.

4. Afinal, o árbitro pode aceitar mas não ser efetivado e, assim, não deterá, em tempo algum, poderes jurisdicionais para o exercício da atividade.

5. E a fase pré-arbitral somente se esgota com a confirmação dos árbitros. Ou seja, somente com a confirmação dos árbitros (e não sua aceitação) que se terá por instituída a arbitragem.

6. Essa questão, diga-se, é curial para se definir o momento em que a disputa passa, em sua plenitude, às mãos do julgador privado que deterá, aí então, a jurisdictio e o controle da função arbitral.

7. A partir desse momento as partes não mais deverão ter acesoa à jurisdição estatal, vez que caberá ao painel de árbitros a análise e o julgamento das matérias controvertidas. De todas as questões conflituosas (exceto, por óbvio, as de natureza indisponível).

8. Por exemplo, conquanto não se possa considerar violação da convenção de arbitragem a busca de uma medida de urgência junto à justiça pública antes da instituição da arbitragem, tal afirmação já não é mais apropriada a partir do momento em que os árbitros foram confirmados pelas partes ou, se for o caso, pela instituição arbitral.

9. Assim, antes da confirmação dos árbitros não restará às partes outra opção do que a busca da justiça comum para fazer valer seus direitos a um provimento de urgência, haja vista que não há arbitragem constituída e, dessa forma, não poderá se valer a interessada da jurisdição arbitral. E, sendo de urgência a medida, será junto ao Judiciário que o pedido deverá ser formulado, sob pena de se ver a parte necessitada impedida do acesso à justiça.

10. Nessa circunstância, a convenção de arbitragem não perde sua eficácia mas, por certo, seus efeitos ainda não atingiram a completude jurídica que somente se aperfeiçoa com a confirmação dos árbitros.

11. De todo modo, existem atos jurídicos que se perfazem antes da instituição da arbitragem.

12. São providências que não demandam a jurisdição do árbitro e que, pode-se dizer, dependem exclusivamente da vontade das partes. São atos de natureza potestativa.

13. Exemplo disso são os atos que visam o cumprimento de um prazo legal. Se a parte em um contrato que disponha de cláusula compromissória, obteve um provimento liminar judicial e, por isso, deve ajuizar a ação ordinária dentro dos próximos 30 dias, esse prazo estará, satisfatoriamente, cumprido com o mero pedido de instituição da arbitragem.

14. Não se exige que a arbitragem esteja instituída mas, unicamente, que seja apresentado o pedido de instituição da arbitragem. Caso contrário, estar-se-ia impondo à parte interessada o cumprimento de uma obrigação que foge ao seu controle e, quiçá, impossível de ser obtida. Afinal, sabe-se que os trâmites prévios à instituição da arbitragem demandam certo tempo e que, usualmente, extrapola os 30 dias regulamentares para a manutenção da eficácia da medida liminar.

15. Basta, portanto, a simples solicitação de instituição da arbitragem. Com isso, e somente com isso, a liminar manterá sua eficácia em toda a sua plenitude, até o momento em que a jurisdição passar às mãos dos árbitros. Aí, poderá o provimento ser revisto e, consequentemente, modificado, mantido ou revogado. Afinal, não nos esqueçamos, a jurisdição é dos árbitros, e não da justiça ordinária, por manifestação de vontade das próprias partes.

16. De outro lado, o ato interruptivo da prescrição se aperfeiçoa antes mesmo da instituição da arbitragem.

17. Penso que a mera solicitação de instituição de arbitragem é suficiente para a salvaguarda do direito de ação do demandante. Conquanto o Código Civil (art. 202, I) se refira a “despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual”[3],por certo essa hipótese há de ser transplantada para a arbitragem de maneira integrativa com os pressupostos que orientam o instituto.

18. Nesse caso, não há despacho do árbitro ordenando a citação mas, apenas, uma comunicação da câmara de arbitragem à outra parte informando a existência do conflito e o pedido de instituição da arbitragem.

19. Não se pode alegar que, nessa hipótese, o interessado não agiu diligentemente. Ao contrário, sujeito aos efeitos de uma cláusula compromissória, é em sede de arbitragem que a questão deve ser posta à solução. Se assim é, será de acordo com esse procedimento, de natureza jurisdicional, que o intérprete deverá verificar o exercício da ação, cuja prescrição se quer interromper.

20. Obviamente que a parte deve se manter diligente no que toca à notificação do demandado pela instituição de arbitragem. Mas, no meu entender, com o pedido de instituição de arbitragem o demandante comprova o regular exercício de um direito (i.e. interrupção da prescrição) pois, com esse ato, está dando início a uma ação, não de cunho judicial, mas, em tudo e para tudo, a ela equivalente. Inclusive, para fins de interrupção da prescrição.

21. Registre-se, também, que com a assinatura do compromisso tem-se por interrompida a prescrição, seja pelo fato de que tal acordo, usualmente, consubstancia o início do procedimento de resolução de disputa, seja pelo contido no art. 202, VI, do Código Civil, verbis: “ A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:…VI-por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.”

22. E não se diga, neste último caso, que nenhum dos compromitentes está reconhecendo qualquer direito com a assinatura do compromisso para, dessa forma, afastar a aplicação do dispositivo transcrito. Na realidade, conquanto ninguém esteja reconhecendo o direito alheio, ambos os compromitentes, ao firmarem o compromisso, estão reconhecendo a existência de um conflito e com ele – compromisso – estão dando a partida para sua solução.

C. Fase Arbitral

1. Instituída a arbitragem, é dos árbitros, e somente deles, a jurisdição para resolver a disputa definida no Termo de Arbitragem. O procedimento estabelecido pelas partes deverá ser seguido e a sentença pronunciada no prazo pré-fixado.

2. Segundo a sistemática da Lei Marco Maciel, a intervenção do Judiciário se acomoda em momento que antecede a confirmação dos árbitros ou após a prolação da decisão pelos árbitros.

3. Com efeito, a longa manus estatal não deve alcançar a fase arbitral onde o árbitro é senhor da função que exerce, exceto se solicitada pelo julgador privado.

4. A atuação do juízo ordinário deve se fazer presente, durante o transcurso da arbitragem, por força de solicitação do painel arbitral e para com ele cooperar na imposição das medidas de direito.

5. Assim, determinado pelo árbitro um provimento cautelar, se este não for cumprido espontaneamente pelo obrigado, atuará o juízo togado no sentido de impor o cumprimento à parte devedora.

6. Do mesmo modo, deixando de comparecer uma testemunha à reunião arbitral fixada pelo árbitro, poderá este requerer à autoridade judiciária que a conduza à presença do árbitro e das partes para que seja tomado seu depoimento (art. 22, par. 2º.).

7. Daí o entendimento da communis opinio doctorum de que, durante a fase arbitral, o Judiciário torna-se órgão de apoio e de cooperação com o tribunal arbitral, com a finalidade comum de realização adequada da justiça.

8. O mesmo se diga das hipóteses em que uma parte questiona a validade, eficácia ou nulidade do contrato que conste cláusula compromissória. Não cabe ao Judiciário cair na tentação de atrair para si a jurisdição, pela mera aparência de que a cláusula compromissória não mais teria operatividade.[4]

9. Ao contrário, o sistema da lei desautoriza essa pretensão, já que as próprias partes manifestaram vontade no sentido inverso, ou seja, de conferir aos árbitros o benefício de primeiro avaliarem e resolverem essa dúvida que cerca o contrato e a cláusula de arbitragem.

10. Nem mesmo nessas hipóteses contundentes (i.e. nulidade; invalidade e ineficácia) o juízo comum pode atrair a jurisdição assegurada, previamente e por livre disposição, ao árbitro.

11. A lei de arbitragem, não há dúvida, foi rigorosa em afirmar a subsidiariedade da jurisdição estatal. Esta se concretiza em momento subsequente ao esgotamento da jurisdição arbitral.

12. A arguição de nulidade, invalidade e ineficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha cláusula compromissória deverá ser posta, preliminarmente, ao crivo do árbitro. Somente após a sua manifestação é que o caso poderá ser levado à apreciação do Judiciário. O árbitro é o primeiro juiz de sua jurisdição. É dele o benefício da dúvida. É do árbitro a competência para apreciar sua própria competência.

13. É esse o sistema da lei (salvo raras exceções) extraído da leitura dos seus artigos 8º. e 20. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta (princípio da autonomia), cabendo ao árbitro decidir as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória (princípio da competência-competência).

14. Entretanto, acolhida a preliminar, cessa a jurisdição do árbitro, devendo as partes resolver a matéria em sede judicial. Rejeitada, terá normal prosseguimento o procedimento de arbitragem, sem embargo de a decisão vir a ser examinada pelo Poder Judiciário.

18. Foi essa atuação subsequente do Poder Judiciário que norteou a finalística da lei de arbitragem. Durante a fase arbitral, não há intervenção estatal, apenas nos casos em que a justiça pública é solicitada a cooperar com a administração da justiça arbitral.

19. Veja que nas hipóteses de desrespeito ao contraditório e à igualdade, o prejudicado deve buscar a satisfação do seu direito via ação de nulidade (art. 32, VIII). Ou seja, ao final do processo arbitral.

20. A não intervenção estatal é, pois, a regra básica do instituto da arbitragem, cuja natureza jurídica é de cunho publicista, atuando o árbitro com poderes jurisdicionais (exceto os de coerção e execução) e, assim, no exercício de munus publicum.

21. Por certo, o sistema da lei de arbitragem afasta, em caráter imediato, a atuação do Poder Judiciário, a ele reservando uma função ulterior de verificação dos vícios de nulidade (ou anulabilidade) que a decisão arbitral poderá conter.

22. A interferência do Judiciário é, portanto, diminuta e ulterior ao exercício, pelo árbitro, da função arbitral. Havendo cláusula compromissória, deverá ser cumprida a vontade das partes. Isto é, a matéria controversa deverá ser submetida aos árbitros, reservando-se ao juízo comum uma atuação subsequente de controle sobre aspectos relevantes (vícios de anulabilidade) da decisão proferida em sede de arbitragem.

23. Dessa forma, impõe a lei uma atuação de caráter imediato dos árbitros e outra, do Judiciário, de natureza mediata. Contudo, ambas as atuações são importantes para a adequada realização da justiça.

D. Fase Pós-Arbitral

1. Esgotada a jurisdição arbitral, com a prolação da sentença final e eventual decisão em sede de embargos arbitrais, cabe à parte não vitoriosa cumprir o julgado, exceto se a sentença for passível de ação de nulidade (anulabilidade) por infração a uma das hipóteses contempladas no art. 32, Lei n. 9.307/96.

2. O prazo para a propositura dessa ação é de 90 dias (art. 33) e é de natureza decadencial.

3. Se a decisão contiver efeitos condenatórios, a lei autoriza que a exceção de nulidade seja alegada em sede de embargos de devedor. Nesse caso, me parece, somente poderá ser arguida dentro dos mesmos 90 dias.

4. Registre-se que a propositura de ação de nulidade deve estar assentada em exercício regular e de boa-fé desse direito, sob pena de ser o autor condenado à litigância de má-fé. Não se iludam os incautos pois os conceitos e pressupostos que estruturam o instituto da arbitragem repudiam a eternização da disputa por motivos emulativos.[5]

5. É importante que o Poder Judiciário esteja atento para os pleitos de nulidade que não reflitam uma real violação das normas de proteção contidas na lei de arbitragem. Afinal, o advogado e as partes, de certo modo, ainda não se impregnaram de uma cultura mais amena onde os recursos e as infindáveis discussões sejam reprimidas. De acordo com o saudoso Desembargador Cláudio Vianna de Lima, “os advogados se formam, se deformam e se conformam com o contencioso”.

6. Essa cultura retrógrada, contudo, deve, e será, combatida pelo Poder Judiciário quando acionado para apreciar pedido de nulidade de decisão arbitral. Não deverá ser autorizado pedido de nulidade movido por mero espírito de emulação. Sem fundamentação plausível e distante da boa-fé. Tal atenta contra os verdadeiros pressupostos da arbitragem.

7. Como muito bem ponderou a juíza Márcia Cunha, da 44ª. Vara Cível da cidade do Rio de Janeiro, “Além de não contrariar qualquer norma processual que gere a nulidade da sentença arbitral, diversos são os princípios de hermenêutica jurídica a serem levados em conta, que apontam para a preservação da decisão. Em primeiro lugar, o Juízo Arbitral é composto por membros escolhidos livremente pelos litigantes, vigindo aí o princípio da confiança que estes depositam nos eleitos, levando-os a uma maior responsabilização pelas suas decisões, do que quando se submetem à jurisdição pública, onde jamais podem escolher o julgador. Portanto, não é qualquer equívoco dos árbitros que levará à nulidade de suas decisões, não podendo ser aplicados os mesmos critérios adotados na jurisdição pública para nulidade dos atos judiciais. Em segundo lugar,, o princípio da eliminação da controvérsia, que autoriza os árbitros, muito mais livres do que os juízes de direito, a empreenderem várias medidas, entre elas conferências pessoais com as partes, buscando a melhor solução para o caso, ainda que não jurídica, pois se o que as partes pretendessem fosse uma solução arraigada ao Direito, dentro do formalismo processual, optariam pela jurisdição pública…É também este princípio que determina que a jurisdição pública seja cautelosa ao declarar a nulidade de sentença arbitral, pois não se trata de uma decisão que colocará fim ao litígio existente entre as partes, mas será, ao contrário, decisão que o restaurará. Em terceiro lugar, o princípio da segurança das relações jurídicas, de modo que as partes, ao aceitarem e se submeterem a decisão a ser prolatada por Juízo Arbitral, não possam, depois de conhecerem o seu conteúdo, diante da eventualidade deste não corresponder aos seus interesses, buscarem a via judicial a fim de evitar a aplicação da decisão arbitral. Tal fato suplanta a obrigação de se submeterem ao que foi contratado livre e licitamente. Uma das razões que leva as partes a optarem pelo Juízo Arbitral é a não publicidade dos procedimentos ali em curso. Ao trazer para o Juízo de Direito controvérsia objeto de solução do Juízo Arbitral, ainda que no uso regular do Direito, a parte autora poderá estar contrariando interesse da parte ré em manter limitada a publicidade da controvérsia, violando a segurança desta de que o sigilo seria mantido. Em quarto e último lugar, o princípio da economia processual que não autoriza a declaração de nulidade sem que tenha havido prejuízo para as partes”.[6]

8. A jurisprudência estrangeira também se mostra atenta e combativa contra abusos perpetrados nas ações que visam a rescisão da decisão arbitral. De acordo com recente sentença (28/02/2006), assim se manifestou a Corte de Apelação Norte-Americana (11º Circuito): “Não existe evidência de que o advogado da Hércules [demandada] induziu o árbitro a desconsiderar a legislação, e, de fato, Harbert[demandante] nem mesmo sugeriu que tal tivesse acontecido. Não existe evidência de que o árbitro não tenha decidido a controvérsia com base em seu livre convencimento – seja certo ou errado – de como a lei deveria ser aplicada ao caso concreto. Não existe, em síntese, evidência de que o árbitro, manifestamente, desconsiderou a lei. A única flagrante desconsideração da lei neste caso é a recusa de Harbert de acatar o entendimento deste circuito que muito restringe a revisão judicial de decisões arbitrais. Ao atacar a sentença arbitral, Harbert demonstrou grande indiferença à jurisprudência que norteia nosso circuito. A recusa de Harbert em admitir que não há fundamento na lei para desafiar a decisão arbitral gera um custo para a parte com quem Harbert acordou a convenção de arbitragem e, também, para o sistema judicial. Ao litigar no presente caso perante a corte distrital e agora junto a esta Corte, sem adequada base legal, Harbert privou Hercules e o sistema judicial em si dos principais benefícios da arbitragem. Ao invés de reduzir os custos, a resolução da presente disputa tem custado mais do que se não tivesse tido a arbitragem. Ao invés de ter sido resolvida rapidamente, a questão se alonga mais do que se fosse solucionada fora da arbitragem. Ao invés de ter sido resolvida fora da justiça estatal, o conflito tem demandado tempo e esforço desta Corte e da distrital. Quando a parte não vitoriosa na decisão arbitral assume o posicionamento de nunca aceitá-la e arrasta a discussão pelo sistema judicial sem qualquer fundamentação razoável que lhe faça prevalecer, o acordo de arbitragem resta violado…Se a arbitragem é um veículo adequado e alternativo ao litígio judicial, as partes devem estar prontas para acreditar que a decisão do árbitro será honrada imediatamente e, não, tardiamente. As Cortes não podem evitar que as partes tentem converter a perda arbitral em vitória judicial, mas nós podemos e devemos insistir em que, se a parte logo após a prolação da decisão arbitral questiona essa sentença judicialmente sem razão legal para assim o fazer, que a parte, então, sofra sanções. A ameaça real de sanções deve desencorajar as ações de nulidade sem fundamentação e ajudar a cumprir com os propósitos da política pró-arbitragem contida na lei federal americana. Esta é uma idéia valiosa a ser considerada”.[7]

9. Não há dúvida, pois, de que o Poder Judiciário tem competência para atuar na fase pós arbitral, nomeadamente, no que tange ao controle dos vícios de nulidade da sentença proferida em sede de arbitragem. Contudo, imperioso que essa atividade seja exercida com cautela e de modo a, não só, buscar preservar a decisão do árbitro mas, acima de tudo, combater as pretensões infundadas e que põem a perder as vantagens do instituto e restam por prolongar, desnecessária e abusivamente, a solução do conflito. A boa-fé deve respaldar todos os pedidos judiciais de nulidade de sentença arbitral, sob pena dos consectários de direito.

  1. Eros Grau, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, Malheiros editores, São Paulo, pp. 68-69.
  2. A Interpretação Sistemática do Direito, 4ª. Ed., revista e ampliada, Malheiros editores, 2004, São Paulo, p. 80. Segundo o mesmo autor, “…O primeiro grande desafio hermenêutico consiste em desenvolver, ainda que de maneira aproximada, um conceito de sistema jurídico, à base do qual se torne plausível iluminar o processo da interpretação normativa, desvendando-o.” (op. cit., p. 25).
  3. De acordo com o art. 219, par. 1º., do Código de Processo Civil, “A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.”
  4. São muito poucos os casos em que tal pode acontecer.
  5. Mesmo em sede de arbitragem a decisão poderá contemplar verba condenatória decorrente de litigância de má-fé (cf. art. 27).
  6. Processo n. 2000.001.137.439-0, Medida Cautelar Inominada, e Ação de Rito Ordinário, Doux S/A vs. W.M. Empreendimentos Societários Ltda. e Outros, 01/06/2002.
  7. There is no evidence that the attorney for Hercules urged the arbitrator to disregard the law, and Harbert does not even suggest that happened. There is no evidence that the arbitrator decided the dispute on the basis of anything other than his best judgement – whether right or wrong – of how the law applies to the facts of the case. There is, in short, no evidence that the arbitrator manifestly disregarded the law. The only manifest disregard of the law evident in this case is Harbert´s refusal to accept the law of this circuit which narrowly circumscribes judicial review of arbitration awards. By attacking the arbitration award in this case Harbert has shown at best an indifference to the law of our circuit governing the subject. Harbert’s refusal to accept that there is no basis in the law for attacking the award has come at a cost to the party with whom Harbert has entered into the arbitration agreement and to the judicial system. In litigating this case without good basis through the district court and now through this Court, Harbert has deprived Hercules and the judicial system itself of the principal benefits of arbitration. Instead of costing less, the resolution of this dispute has cost more than it would have had there been no arbitration agreement. Instead of being decided sooner, it has taken longer than it would have to decide the matter without arbitration. Instead of being resolved outside the courts, this dispute has required the time and effort of the district court and this Court. When a party who loses an arbitration award assumes a never-say-die attitude and drags the dispute through the court system without an objectively reasonable belief it will prevail, the promise of arbitration is broken…If arbitration is to be a meaningful alternative to litigation, the parties must be able to trust that the arbitrator’s decision will be honored sooner instead of later. Courts cannot prevent parties from trying to convert arbitration losses into court victories, but it may be that we can and should insist that if a party on the short end of an arbitration award attacks that award in court without any real legal basis for doing so, that party should pay sanctions. A realistic threat of sanctions may discourage baseless litigation over arbitration awards and help fulfill the purposes of the pro-arbitration policy contained in the FAA. It is an idea worth considering. (B.L.Harbert International, LLC vs. Hercules Steel Company, docket n. 04-03255-CV-HS-S).

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