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Pedro A. Batista Martins

Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 2012

A questão posta para análise é das mais sensíveis ao instituto da arbitragem, pois envolve o exercício de função jurisdicional por árbitro – Sr. Árbitro (“Árbitro”) – condenado criminalmente pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, “[à] pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa (…)” por crime contra o Sistema Financeiro Nacional,[1] fato esse que não foi informado às partes, como impõe o comando do art. 14, § 1º da Lei n. 9.307/96 (“Lei de Arbitragem” ou “LdA”), e, consequentemente, ao Juízo da 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, onde tramitava Medida Cautelar de Instituição de Arbitragem.

Coube ao Juiz, ao julgar procedente a Medida Cautelar e remeter as partes à arbitragem, nomear os árbitros indicados por cada uma delas e, via de consequência, o Árbitro cuja conduta pretérita não foi levada ao conhecimento do Juiz e, tampouco, da Consulente.[2]

Segundo informação recebida da Consulente, a decisão criminal transitou em julgado e a condenação foi decretada sete meses antes da nomeação do Árbitro pelo Juízo da 33ª Vara Cível para integrar o Painel Arbitral constituído para decidir conflito, de natureza financeira, relativo ao pagamento de valores resultantes de operação com derivativos objeto do contrato firmado pela Consulente com o Banco Merrill Lynch de Investimento S.A.

O Árbitro, contudo, ciente desse fato, deixou de revela-lo às Partes, razão pela qual indaga a Consulente se essa omissão acarretaria a incidência do inciso II, art. 32 da Lei de Arbitragem.[3]

Sumarizado os fatos que norteiam a Consulta, passo ao exame do seu enquadramento jurídico.

1. Impende registrar, de início, que a arbitragem, de seus primórdios aos dias de hoje, sustenta-se em dois pilares fundamentais: liberdade e confiança. Esses princípios, tão caros ao instituto, não passaram, e tampouco poderiam passar, despercebidos do legislador que, ao inseri-los de forma expressa na Lei de Arbitragem, impõe ao intérprete a sua observância quando da análise de seus dispositivos.

No que mais interessa ao caso concreto, a confiança consta lançada na LdA, como pressuposto teleológico que é, já no primeiro artigo do Capítulo III, dedicado aos árbitros, e se impinge como condição substantiva a qualquer pessoa indicada para decidir o conflito submetido à arbitragem.[4]

Mas não é só. A confiança no árbitro, por sua expressão ética e moral, há de ser expressa ou tacitamente[5] reconhecida por todas as partes na demanda e, nunca, por apenas aquela que o nomeou. Afinal, pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes (art. 13 da LdA).

Daí a razão de o árbitro, assim que indicado e antes da instituição da arbitragem prestar os esclarecimentos necessários sobre algum fato que autorize as partes (justificadamente) recusá-lo por falta de independência ou de imparcialidade; enfim, por falta de confiança no profissional indicado para resolver o conflito.[6]

Esse procedimento é de rigor em todas as arbitragens, sem exceção, pois é ponto nevrálgico de sua espinha dorsal. Afinal, ao optarem pela arbitragem as partes afastam a solução da controvérsia do Poder Judiciário, cuja intervenção – diminuta – ocorre, somente, após a prolação da decisão arbitral.

A confiança, por isso, permeia o instituto da arbitragem, notadamente na relação árbitro/partes, pois é ela o principal vetor que viabiliza a resolução dos conflitos fora da égide estatal. E a confiança, por seu turno, somente pode ser avaliada pelas partes em razão do dever legal de informação. Sem maiores delongas, não houvesse o duty of disclosure, a arbitragem estaria fadada ao insucesso. Ao fracasso. Ela não sobreviveria; sequer existiria.

2. Colhidos os pressupostos básicos, axiológicos e imperativos aos quais se sujeitam os árbitros, cumpre analisar o procedimento e as normas de direito material que devem ser por eles observadas quando da nomeação e, ainda, no curso de todo o procedimento.

Dispõem o art. 14 e o seu § 1º, da LdA:

Art. 14 – Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

§ 1º – As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

Extrai-se dos dispositivos retro transcritos que o árbitro está sujeito às circunstâncias objetivas e subjetivas que podem influir na confiança que as partes devem nele, árbitro, afiançar.

São todas elas matérias que tocam ao direito substantivo, cujo caráter eminentemente deontológico visa possibilitar ao árbitro demonstrar o grau de confiança que as partes podem nele depositar.

A análise, verificação e anuência, ou não, das partes quanto à confiança que emana do árbitro, repise-se, essência de todo o instituto da arbitragem, tem por substrato legal o dever de informação. Ou, na dicção da Lei de Arbitragem, o dever de revelação.

Deve o árbitro revelar os fatos que possam “[denotar] dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

À luz da natureza jurisdicional da função exercida pelo árbitro, e em acréscimo aos pressupostos da independência e imparcialidade, tratou a LdA de importar do Código de Processo Civil (“CPC”) os casos de impedimento e suspeição aplicados aos juízes listados nos seus arts. 134 e 135, de forma a ampliar o controle ético dos árbitros.

Com uma simples mirada nos referidos casos de impedimento e suspeição, é possível verificar que as hipóteses dos arts. 134 e 135 encerram, em sua vasta maioria, fatos rigorosos e extravagantes que afetam a imparcialidade e que, por isso, impõe ao árbitro indicado a obrigação de declinar, de plano, a sua indicação. São fatos irrefutáveis e que impedem a prática de qualquer ato jurisdicional.

Tanto é que o comando do art. 14 da LdA determina, ab initio, o impedimento para funcionar como árbitro da pessoa indicada que se encontre sujeita às restrições contempladas nos arts. 134 e 135 do CPC.

Nessas situações, regra geral, cabe ao árbitro negar de pronto, sem hesitação, a indicação.

No entanto, como as regras gerais comportam exceções, não são, impreterivelmente, todos os casos elencados no rol de suspeição e impedimento dos juízes constrangedores à atuação do árbitro. Nesse particular, algumas dessas (raras) hipóteses não inibirão, automaticamente, a participação da pessoa indicada para integrar o Tribunal Arbitral.[7] Por essa razão, são casos que não impedem, mas sim obstam ou podem obstar a atuação da pessoa indicada para funcionar como árbitro.

Contudo, por se tratar de exceção ao rígido comando do art. 14 da LdA, é imprescindível que esse fato, de severa magnitude, seja informado às partes. Trata-se de dever inafastável do árbitro, sob pena de nulidade da decisão arbitral.

Em outras palavras, nessas poucas hipóteses, conquanto ao árbitro seja conferida a oportunidade de dar um passo adiante, como contrapartida sobre ele recai a obrigação legal de revelar às partes tal circunstância, assegurando a estas, portanto, a opção de aceitá-lo ou recusá-lo.

Trata-se, de um lado, de obrigação legal que o árbitro não pode se furtar e, de outro, de direito potestativo da parte de aceitá-lo ou recusá-lo. Havendo a recusa, não pode o árbitro funcionar no processo arbitral.

Nessas situações de exceção à regra geral, não tem o árbitro a faculdade de informar, mas sim a obrigação, pois inexiste qualquer álea de discricionariedade que o autorize a omitir o fato, sob pena de violar preceito dos mais caros ao instituto da arbitragem e, consequentemente, viciar o procedimento arbitral; e, por suposto, a decisão que vier a ser proferida. Isso porque, faltando ao dever legal de revelação, torna-se o árbitro judex inhabilis para o julgamento da demanda.

Destarte, são circunstâncias que, pela natureza singular e marcante que encerram, o rigor é da essência. Tocam profundamente a ética e a moral e, desse modo, o núcleo central da arbitragem: a confiança.

Repise-se: as hipóteses de suspeição e impedimento em que ao árbitro é dada a possibilidade de revelar são extremamente reduzidas; nas demais sequer lhe é conferida essa oportunidade; não deve e não pode, de plano, aceitar a indicação.

Essa assertiva, diga-se, aplica-se exatamente ao caso concreto, em que o Árbitro, ciente de fato cuja relevância permeia por inteiro a confiança que nele a Consulente deveria fiar, não tinha outra opção exceto a de revelar, sob pena de gerar, como gerou, severa repercussão na esfera dos atos por ele praticados no curso do procedimento arbitral.

Ao contrário, no plano da independência, por versar sobre relacionamento ou vínculo do árbitro com as partes, não são todos os fatos que a lei impõe ao árbitro o dever de revelar, visto que determinadas situações não o justificam.[8]

Pela sua própria natureza, a LdA assegura aos árbitros certa flexibilidade na verificação das situações que podem ou não macular a sua independência. Mitiga-se o rigor imposto pela LdA aos casos de impedimento e suspeição. Mas somente naquilo que toca à independência.

Sinteticamente, enquanto no plano da independência o dever de informar não é de todo absoluto,[9] nos casos de impedimento e suspeição o árbitro sequer deve, ou pode, aceitar a indicação, impondo-se a imediata recusa (fatos que impedem a prática de qualquer ato jurisdicional), exceto nas poucas e raras hipóteses, já realçadas acima, em que tem a obrigação de revelar e a parte o direito potestativo de não aceitar a nomeação (fatos que obstam ou podem obstar o exercício da função de árbitro).

Traçada a sistemática da Lei de Arbitragem, seus princípios, regramentos, obrigações e deveres dos árbitros, e direitos das partes, cumpre traduzi-los ao caso concreto.

3. Objetivamente, a questão que se coloca é a de investigar se o Árbitro que funcionou na arbitragem em que a Consulente foi parte tinha ou não o dever de revelar a sua condenação por crime contra o Sistema Financeiro Nacional, em cujo processo restaram configuradas a autoria e a materialidade delitiva e presença de dolo na conduta do Árbitro.[10]

Pelo já visto até o momento e pelo que adiante se constatará a resposta a tal indagação é simples e objetiva: sim.

Não há dúvida de que o fato em si – condenação criminal – encerra uma conduta desgarrada dos preceitos socialmente aceitos, com sensíveis reflexos nas relações interpessoais, mormente naquelas cujo mister implica na realização da justiça.

Como cediço, a arbitragem é instrumento pelo qual o cidadão, em harmonia com os interesses do Estado, e por ele autorizado a funcionar como árbitro, dita o direito, pondo fim aos conflitos privados.

Nesse sentido, o exercício dessa função transborda o interesse meramente privado, eis que transita, de fato e de direito, na avenida dos interesses públicos. Afinal, a arbitragem tem por finalidade resolver os conflitos surgidos das relações em sociedade.

Conquanto consensual e privada a sua gênese, seus efeitos propagam-se na esfera pública. Afinal, o árbitro coopera com o Estado na administração da justiça.

Eis a esfera jurídico-social em que se expressa a arbitragem e se insere a figura e a atuação do Árbitro.

Como bem salienta Uadi Lammêgo Bulos:

A enunciação do preceito em estudo, segundo o qual pode ser árbitro quem for capaz e tiver a confiança das partes, revela-se pela manutenção do interesse público. Interesse público porque o juízo arbitral é veículo de distribuição de justiça, uma das funções primordiais do Estado. Em um primeiro momento, o compromisso reside na esfera do direito privado, onde a vontade das partes atua com vigor. Mas num segundo momento, o juízo arbitral transcende a esfera, exclusivamente privada, para atender ao valor supremo da justiça, neste ponto residindo o seu caráter público”.[11]

Essa função pública da arbitragem[12] traduz-se na circunstância de ser o árbitro (no caso, o Árbitro) responsável por analisar os fatos, as provas e o direito para, ao fim e ao cabo, exercer o iudicium.

É função de grande latitude ética e moral que no plano da arbitragem exponencializa-se por transcorrer esta em foro privado, sem maiores interferências do Estado e cujo julgador é escolhido pela sua competência, independência, imparcialidade e, sobretudo, pela sua integridade pessoal.

Se assim é, não poderia a Lei de Arbitragem deixar de fixar o procedimento de verificação e aferição do grau de confiança que a parte pode extrair do candidato a árbitro. E não deixou de inscrevê-lo em seu regramento ao dispor, justamente, sobre o dever de revelação. É esse dever que assegura e habilita às partes avaliarem os parâmetros éticos do árbitro e, consequentemente, o grau de confiança que podem nele depositar. Afinal, somente podem funcionar como árbitro as pessoas capazes e que tenham a confiança das partes.

No caso concreto, não resta dúvida de que o Árbitro negligenciou esse dever. Dever esse que tem por fundamento uma gama de valores sociais.

Eis aí o fundamento para a compreensível apreensão da Consulente.

Como atesta Selma Lemes:

O exercício da função de árbitro requer do candidato atenção especial às normas de conduta, aos deveres a que está sujeito enquanto investido na função de julgador. Este dever legal tem em seu âmago um componente ético que sustenta toda a estrutura da atividade de julgador. Diz-se que a ética do árbitro é a ética da arbitragem. Decorre, por conseguinte, que a arbitragem se fundamente, sobretudo, na consciência moral do árbitro. ‘A arbitragem vale o que vale o árbitro’, diz o adágio repetido à saciedade na literatura arbitral mundial”.[13]

Ainda nessa toada, esclarece Uadi Lammêgo Bulos que é justamente em razão dever de revelação que se “[torna] exigível a obrigação de se prestar esclarecimentos a respeito da probidade, do caráter, da vida pregressa, dos atributos da personalidade, da reputação ilibada etc. das pessoas que serão indicadas para atuar como árbitros. (…) Não deve existir qualquer dúvida a respeito dessas qualidades, haja vista que o aspecto confiança é o traço caracterizador da arbitragem”.[14]

Ora, se a magnitude do fato – condenação criminal – impunha ao Árbitro a obrigação de revelar, ao não fazê-lo subtraiu da Consulente direito potestativo de obstar a sua nomeação gerando nela, ipso facto, a falta de confiança no Árbitro.

Eis aí, uma vez mais, e coerente com os balizamentos éticos e morais em que se funda o instituto da arbitragem, as razões para a inquietação e desconforto da Consulente.

Ao Árbitro não era facultado faltar com o dever de informar feito tão contundente quando, é cediço, a revelação é justamente o caminho legal que permite a verificação e a superação de impasse ético.

Destarte, descumprida essa obrigação, o impasse perdura. No caso, projetando seus efeitos negativos à decisão arbitral.

Ressalte-se, outrossim, que o dever de revelar, por sua expressão deontológica, impõe-se não só aos árbitros, como também a todos aqueles que um dia exercerão função jurisdicional.

Em outros termos, assim como sucede na arbitragem, também os candidatos ao ingresso na magistratura devem, como condição imperativa, apresentar certidões dos distribuidores criminais, e outras tantas, com vistas, justamente, à verificação da conduta social daquele que vai exercer função de interesse público.[15]

Ora, se para o juiz togado a confiança ou a certeza moral e ética é da essência, por certo também será nos casos de candidatos ao exercício da função de árbitro, função esta equiparada à dos juízes estatais.[16]

Concentrando tamanha importância, deve o juiz encontrar sobre si responsabilidade ética proporcional aos anseios sociais depositados sobre sua função e sua pessoa, uma vez que é esta que faz com que aquela se torne um exercício real e efetivo.[17]

Ademais, considerando a necessária verificação dos antecedentes criminais de todos aqueles que tencionam integrar os quadros da magistratura, não há como ignorar a relevância, para a Consulente, do fato de o Árbitro ter sido condenado por crime contra o Sistema Financeiro Nacional.[18]

Registre-se que não se imputa ao Árbitro a pecha da inidoneidade, mas sim, e disso não se pode afastar, que a sua conduta pregressa, como assente na pena criminal, não poderia, de forma alguma, deixar de ser informada à Consulente antes do início do procedimento.

Não se pode olvidar, por certo, que a condenação criminal per se induz à desconfiança, daí resultando a obrigação legal e inafastável de o Árbitro revelar à parte, no caso à Consulente, tal circunstância. E o seu descaso com essa determinação legal sublinha a falta de confiança no Árbitro.

Como já visto, a condenação criminal imposta ao Árbitro coloca-se na mesma esfera fático-jurídica daquelas raras hipóteses de suspeição e impedimento dos juízes que não inibem, automaticamente, o exercício da função de árbitro. No entanto, como anteriormente demonstrado, é imperativo que o fato seja revelado.

Reitere-se: condenação criminal não é fato que comporte alguma álea de julgamento pessoal pelo árbitro quanto à necessidade ou não de divulgação, como ocorre nos casos que envolvem a independência do árbitro. A contundência do feito não comporta, não assegura e tampouco autoriza essa valoração.

A mera ocorrência já é fator desestabilizador da confiança, o que torna peremptória a sua revelação. O Árbitro não tinha opção alguma; deveria informar à Consulente. O que não o fez.

Aí está a mácula que permeia a decisão arbitral, haja vista ter sido proferida por painel de árbitros onde um de seus membros, o Árbitro, dele não poderia participar, pois, ao atentar contra preceito básico e de interesse público, os atos por ele praticados no curso do procedimento estão marcados pelo vício.

Como afirma Selma Lemes:

A ausência de revelação de fato notório e importante que impediria o árbitro de atuar, tal como mencionado, constitui violação ao princípio da confiança (art. 13 da Lei 9.307/96) e da garantia do direito de defesa, pois a omissão da revelação a impediu [a parte] de se defender e exercer a recusa em relação ao árbitro no momento adequado. Note-se também que o dever de revelação está consentâneo com as obrigações contemporâneas de informação prévia e de transparência, pois a natureza jurídica da relação do árbitro com a parte é de um contrato de investidura (contratual na fonte e jurisdicional no objeto)”.[19]

Ao não revelar, feriu o Árbitro o princípio da transparência, descumpriu dever dos mais caros ao instituto da arbitragem e impossibilitou a Consulente o exercício de um direito essencial – o de recusa – que objetiva, ao fim e ao cabo, proporcionar que a arbitragem cumpra o seu mais importante mister: realizar a justiça, de modo justo, adequado e imparcial.

O efeito dessa violação é deletério; trespassa a esfera jurídica e particular da Consulente e atinge o interesse social.

Por tudo, a decisão proferida por Painel Arbitral do qual o Árbitro fez parte não encerra os efeitos de direito, pois nela se vê, com clareza, a digital do vício de nulidade, o que faz incidir o comando do art. 32, II, da Lei de Arbitragem que c/c o seu art. 33 autoriza a Consulente a “pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral”, em cuja ação pode a Consulente requerer as medidas de urgência pertinentes, nos termos do CPC.

É o meu entendimento.

Pedro A. Batista Martins

  1. Apelação Criminal n. 0025346-22.2005.4.03.0399/SP, Relatora Desembargadora Federal Ramza Tartuce, grifos no original. “Ementa: Penal – Processo Penal – Crime contra o Sistema Financeiro Nacional – Art. 17 da Lei 7492/86 – Empréstimos entre Empresas Coligadas – Preliminares Rejeitadas – Autoria e Materialidade Delitivas Amplamente Comprovadas – Crime Comissivo e de Mera Conduta que Prescinde de Resultado Danoso no Campo Material – Presença do Dolo na Conduta dos Agentes – Fixação da Pena-Base no Mínimo Legal – Substituição ‘ex-officio’ da Pena Privativa de Liberdade Aplicada – Art. 44 do CPB – Pena Concretizada no Julgado – Prazo Prescricional Superado – Recurso Ministerial Provido – Prescrição Reconhecida de Ofício.
  2. Conforme consta da sentença, “3. Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido, que valerá como compromisso arbitral (parágrafo sétimo da Lei n. 9.307/96), nos termos da Cláusula 13 constante do Apêndice do Contrato Global de Derivativos (…) Para tanto, nos exatos termos da cláusula 13, nomeio como árbitro indicado pela autora o Sr. ÁRBITRO (…)” (fls. 977, grifos no original).
  3. Art. 32. É nula a sentença arbitral se: (…) II – emanou de quem não podia ser árbitro.
  4. Art. 13 – Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. (grifei).
  5. O Termo de Independência, instrumento no qual o árbitro tem o dever de revelar algum fato que possa justificar a falta de independência ou imparcialidade e, destarte, a desconfiança das partes, é a elas submetido para análise e manifestação sobre o conteúdo da declaração do árbitro. O transcurso in albis do prazo concedido às partes para eventual impugnação pressupõe não haver nenhum fato que abale a confiança no árbitro.
  6. Art. 14 – (omissis) § 1º – As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.§ 2º – O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando: a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou b) o motivo da recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação. (grifei).
  7. Nesse sentido, é possível que as partes mantenham sua confiança em árbitro que for amigo íntimo (art. 135, I, CPC) ou parente, consanguíneo ou afim de uma delas (art. 134, V, CPC).
  8. São os casos, por exemplo, em que o árbitro indicado prestou consultoria específica a uma das partes algum tempo antes de sua indicação ou o escritório do qual foi sócio e dele se retirou há certo tempo presta ou prestou serviços à(s) parte(s).
  9. Por se tratarem de hipóteses de natureza objetiva (relação bem próxima, profissional ou pessoal, do árbitro com a parte) tem o árbitro, em certa medida, discricionariedade sobre o que informar, visto que o dever de revelação se impõe quando o fato denote dúvida justificada quanto a sua independência.
  10. Cf. Ementa transcrita na nota 1 acima.
  11. FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. A Lei de Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 61.
  12. De acordo com o art. 17 da LdA, “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal”.
  13. LEMES, Selma Maria Ferreira. “A Independência e a Imparcialidade do Árbitro e o Dever de Revelação”. Revista Brasileira de Arbitragem, v. 26. Porto Alegre: Síntese, abr./mai./jun. 2010, p.22.
  14. Op. cit., pp. 66/67.
  15. Nesse sentido, Edital para ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro (Disponível em <http://portaltj.tjrj.jus.br/>. Extraído em 28.12.2011); e Edital para ingresso na Magistratura do Estado de São Paulo (Disponível em <http://www.tj.sp.gov.br/>. Extraído em 28.12.2011), ambos de igual teor: “4. Dos Requisitos Básicos para o Ingresso na Carreira (…) f) não registrar antecedentes criminais;. Ver também: Edital para ingresso na carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais, item 4.1, g (Disponível em <http://www.ejef.tjmg.jus.br/>. Extraído em 28.12.2011); Edital de concurso público de juiz substituto do Estado do Paraná, item 6.7, f (Disponível em <http://portal.tjpr.jus.br/>. Extraído em 28.12.2011); e Edital de concurso público para juiz substituto do Estado do Rio Grande do Sul, item 3.5, d (Disponível em <http://www.tjrs.jus.br/>. Extraído em 28.12.2011).
  16. Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
  17. BITTAR, Eduardo C. B.. Curso de Ética Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 505.
  18. “”Os juízes devem ser considerados pelas partes pessoas confiáveis, merecedoras de respeito e crédito, pois integram um estamento diferenciado na estrutura estatal. Espera-se, de cada juiz, seja fiel à normativa de regência de sua conduta, sobretudo em relação aos preceitos éticos subordinantes de seu comportamento”. (NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional, 4ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: RT, 2004, p.205.
  19. Op. cit., p. 27.