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Pedro A. Batista Martins

1. O Conceito da Autonomia. 2. A Autonomia Vista pelos Operadores do Direito. 3. O Favor Arbitral. 4. A Autonomia Conflitual. 5. O Princípio da Competência-Competência. 6. O Momento da Argüição de Questões Prejudiciais

1. O CONCEITO DA AUTONOMIA

1. O princípio da autonomia da cláusula compromissória, corolário do preceito da competência stricto sensu do juízo arbitral (Kompetenz-Kompetenz), encontra-se hoje assimilado universalmente pela doutrina, jurisprudência e por alguns ordenamentos jurídicos.

2. Dada sua cristalização, podemos afirmar que é princípio acima de qualquer suspeita.

3. No Brasil, consta inserido no artigo 8° da Lei de Arbitragem, com a seguinte redação:

“Art. 8° A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.

4. Calcado em conceitos estritamente de ordem jurídica, tem função das mais nobres: reforçar a eficácia da cláusula compromissória.

5. Seu surgimento acentuou-se por razões de ordem prática: combater os argumentos aparentemente razoáveis e adequados que mascaravam as teses daqueles que desejavam afastar os efeitos da cláusula compromissória como forma de delongar a solução da demanda apresentada. Para esse fim, bastava a alegação de algum vício no contrato que abraçava a convenção para que o pacto arbitral, de natureza acessória, fosse levado de roldão no vácuo da invalidade ou nulidade do contrato como um todo. O pseudo vício do contrato afastaria os efeitos da cláusula compromissória deslocando a questão para a justiça estatal.

6. Daí o desenvolvimento pelos juristas e aplicadores do direito do conceito jurídico da autonomia, severability, separability, Independence ou detachment da cláusula compromissória.

7. Mesmo nos países cuja legislação arbitral não contempla expressamente o princípio da autonomia da convenção de arbitragem, ele tem sido admitido como elemento relevante ao funcionamento pleno do sistema; fonte da boa- fé e da autonomia da vontade dos convenentes, tem sido assimilado pelos aplicadores do direito sem muita turbulência.[1]

8. Como prêve a lei brasileira, a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta e, dessa forma, não deverá ser contagiada por vícios de nulidade, por invalidade ou mesmo inexistência do próprio contrato.[2]

9. Encontra-se a convenção, por ficção jurídica, em outro quadrante das relações. Não se sujeita às regras da acessoriedade, pois no mesmo nível do contrato principal. Apesar de formalmente inserido no âmbito do contrato, dele se destaca o ajuste arbitral para fins e efeitos de sua validade e execução.

10. Como atesta Schizzerotto,

“la circunstancia de que ésta [la cláusula compromissoria] pueda estar contenida, materialmente, en un acto conteniendo otro contrato, no puede crear uma relación de accesoriedad… En realidad es un auténtico y autónomo negocio jurídico que, por lo tanto,no puede vivir la vida del contrato al que está unido”. Em conclusão, ” los requisitos esenciales para la validez de la cláusula compromisoria han de ser buscados independientemente de aquellos requisitos para la validez del contrato”.[3]

11. Apesar de instrumentalizada no seio de contrato maior, mantém a cláusula compromissória sua independência e incolumidade frente aos vícios dele oriundos, pois com o contrato em que está inserto não se comunica. Não importa a conexão formal ou instrumental, pois juridicamente consta assegurada sua incomunicabilidade.

12. Adverte-se, porém, em linha com Philippe Fouchard e Carreira Alvim, que a autonomia não significa que a convenção de arbitragem deva ser objeto de uma aceitação distinta daquela já manifestada no contrato principal, nem que a cláusula compromissória não possa seguir a sorte da convenção principal, no caso de transmissão desta última.

13. Quando se fala em autonomia da cláusula compromissória, deve-se entender que a convenção de arbitragem é juridicamente autônoma do contrato principal, não estando a sua validade condicionada a uma aceitação distinta.[4]

14. Também no entender de Fouchard, “the novation of obligations contained in the main contract will not deprive the arbitration agreement of effect and a settlement relating to the main contract will not necessarily terminate the arbitration agreement”. [5]

15. A razão de ser cláusula compromissória – o objeto – possui causa e efeito extremamente distintos da relação obrigacional da qual é conseqüência. Por vontade livre e manifesta as partes almejam com o pacto entregar a árbitros a solução de futura disputa que pode configurar-se, inclusive, na própria alegação da nulidade, invalidade ou inexistência do contrato em que está inserta ou da própria convenção arbitral.

16. Assim, em preservação da manifestação da vontade, presumem-se, ao menos provisoriamente, eficazes a cláusula compromissória e o contrato atacados, para os fins e efeitos do direito acordado livremente pelos convenentes.

2. A AUTONOMIA VISTA PELOS OPERADORES DO DIREITO

1. O princípio da autonomia da cláusula compromissória tem sido reconhecido e reafirmado sem hesitação pelos operadores do direito.

2. A primeira instituição arbitral a regulamentar esse preceito jurídico foi a da Câmara de Comércio Internacional (“ICC”), nos termos do artigo 8°, § 4° do Regulamento de 1955, que se encontra substancialmente repetido nas recentes regras de 1998 (artigo 6°, § 4°), verbis:

“[u]nless otherwise agreed, the Arbitral Tribunal shall not cease to have jurisdiction by reason of any claim that the contract is null and void or allegation that it is non-existent provided that the Arbitral Tribunal upholds the validity of the arbitration agreement. The Arbitral Tribunal shall continue to have jurisdiction to determine the respective rights of the parties and to adjudicate their claims and pleas even though the contract itself may be non-existent or null and void”.

3. Ao longo do tempo várias entidades arbitrais passaram a adotar em seus centros de solução de conflitos o conceito da separabilidade da cláusula compromissória, como foi o caso do Instituto de Arbitragem dos Países Baixos, em 1998 (art. 9°, item 5)e do Centro de Mediação e Arbitragem da Bélgica, em 1997 (art.19, item 4).

4. Ainda como informa Fouchard, Gaillard e Goldman, instituições vinculadas à common law, como a Câmara de Arbitragem Internacional de Londres e a Associação Americana de Arbitragem, reconheceram o preceito da autonomia em seus regulamentos nos moldes das Regras de Arbitragem da Uncitral, adotada em 1976, verbis:

“[F]or the purposes of article 21 [i.e., the determination by the arbitral tribunal on its jurisdiction] an arbitration clause which forms part of a contract and which provides for arbitration under these Rules shall be treated as an agreement independent of the other terms of the contract”.[6]

5. Do mesmo modo, o concerto das relações jurídicas expressas em atos internacionais tem propugnado pelo reconhecimento do princípio da autonomia como nos casos da Convenção de Genebra (1961), “The party which intends to raise a plea as to the arbitrator’s jurisdiction based on the fact that the arbitration agreement was either non-existent or null and void or had lapsed shall so during the arbitration proceedings…”[7] e da Convenção de Washington (1965), “(1)The Tribunal shall be judge of its own competence; (2)Any objection that the dispute is not within the jurisdiction of the Center or for other reasons is not within the competence of the Tribunal, shall be considered by the Tribunal which shall determine whether to deal with it as a preliminary question or to join it to the merits of the dispute”.[8]

6. Nessa mesma linha, verifica-se a tendência mundial da expressa inserção desse preceito nas legislações de diversos países. Assim fizeram a Bélgica (1972), os Países Baixos (1986), a Espanha (1988), o Japão (1979)e a Suíça (1987). Mais recentemente o mesmo conceito foi introduzido nos sistemas legais da Alemanha (1998), Itália (1994), Argélia (1993), Tunísia (1993), Egito (1994), Inglaterra (1996)e Suécia (1999).[9]

7. A independência da cláusula compromissória também tem sido manifestada em uma miríade de decisões arbitrais. Se hoje essas sentenças se suportam geralmente nas regras internas de direito positivo, de início a autonomia da convenção era construída com base nos princípios gerais da arbitragem internacional.

8. Exemplo disso são as três sentenças arbitrais proferidas na década de 1970 quando o governo da Líbia estatizou o segmento petrolífero e, por via de conseqüência, rescindiu unilateralmente os contratos de concessão firmados com a Bristish Petroleum, a Texaco e a Liamco.

9. Nas arbitragens instituídas pelas concessionárias prejudicadas, os árbitros desconsideraram a pretensão da Líbia em afastar a jurisdição arbitral por força da rescisão do contrato em cujo bojo se inseria a cláusula compromissória, dado que a autonomia da convenção, como princípio geral de direito internacional arbitral, impõe a sobrevivência dos efeitos da cláusula compromissória mesmo após o término do contrato em que está inserta.[10]

10. É esse o sentimento jurídico que tem sido manifestado na jurisprudência arbitral como são exemplos as decisões proferidas nos casos Veb K (RDA)vs. Enterprise W (RFA),

“Even if the licence agreement were to be declared null and void, the nullity of the arbitral clause would not automatically follow. In fact such a clause has the nature of an independent contract even if connected with the licence contract. The arbitration agreement applies then to all the disputes which arise from the licence contract. Therefore the existence of a ground for invalidity of the licence contract is not sufficient to deprive the arbitration clause of its effect”.[11]

11. e no procedimento ICC n. 3987, de 1983,

“He [the arbitrator] has the authority to decide on his jurisdiction and on the existence or the validity of the arbitration clause or the contract which contains the arbitration clause”.[12]

12. Em sede de justiça estatal tal entendimento foi pioneiramente acolhido pelo Tribunal Federal da Suíça, no ano de 1933, nos termos que seguem:

“Une clause d’arbitrage n’est pas une convention de droit privé, mais une convention ressortis sant à la procèdure. Lors même qu’elle est antenue dans le même acte qu’un contrat de droit civil, elle est constitue une convention distincte ayant sa valeur propre”.[13]

13. Em 1963, a Corte de Cassação da França, no clássico caso Gosset vs. Caparelli, acolhe a validade da tese da autonomia da cláusula arbitral, verbis:

“En matière d’arbitrage international, d’accord compromissoire, qu’il soit conclu séparément ou inclus dans l’acte juridique auquel il a trait, présente toujours, sauf circonstances exceptionelles… une compléte autonomie juridique, excluant qu’il puisse être affecté par une éventuelle invalidité de cet acte”.[14]

14. Dentre outras decisões judiciais, o mesmo princípio foi reafirmado pela Corte de Justiça de Ontario, em 1991, na disputa Rio Algom vs. Sammi Steel Co. Ltd et al, verbis:

“The arbitral tribunal may rule on its own jurisdiction, including any objections with respect to the existence or validity of the arbitration agreement. For that purpose an arbitration clause, which forms part of a contract, shall be treated as an agreement independent from the other terms of the contract. A decision by the arbitral tribunal that the contract is null and void shall not entail ipso facto the invalidity of the arbitration clause”.[15]

15. Em 1994, em uma controvérsia originada pelo término de um contrato de construção e, via de conseqüência, da cláusula compromissória nele fixada, por força de uma lei adotada pelo governo grego, a Corte Européia de Direitos Humanos homenageou o pressuposto da autonomia da cláusula arbitral, nos seguintes termos:

“The unilateral termination of a contract does not take effect in relation to certain essencial clauses of the contract, such as the arbitration clause. To alter the machinery set up by enacting an authoritative amendment to such a clause would make it possible for one of the parties to evade jurisdiction in a dispute in respect of which provision was made for arbitration”.[16]

16. Extrai-se de todo o exposto que o conteúdo da cláusula arbitral, pelas próprias razões que a fundamentam e pela finalidade a que se destina, difere e por isso descola-se das condições e objetivos que dão vida ao contrato em que instrumentalmente consta inserida.

3. O FAVOR ARBITRAL

1. A autonomia da claúsula compromissória, aliada à competência dos árbitros para apreciar sua própria competência (Kompetenz-Kompetenz), resulta de construção jurídica benéfica à arbitragem.

2. Denota-se em sua origem o favor arbitral (favor arbitri ou arbitralis)já pronunciado em outras jurisdições.[17]

3. Não se trata de um favorecimento da arbitragem em sentido pejorativo, mas de algo positivo e transcendente. O favor se consubstancia como garantismo da vontade das partes e da boa-fé que impera nas relações contratuais.

4. O favor jurídico, como princípio de direito, é aplicado no campo do direito penal, consumerista e tributário. Agora, também, em sede arbitral.

5. Nesse particular, o favor legal destaca-se em dispositivos expressos não somente na lei brasileira de arbitragem como também em legislações extravagantes que se reportam a esse sistema de solução de conflito.

6. Nesse sentido, a autonomia da cláusula compromissória (art. 8°), a Kompetenz-Kompetenz (art. 8°, § único)e as restritas hipóteses de nulidade da sentença arbitral (art. 32), que redundam em diminuição da interferência do Poder Judiciário[18], são casos clássicos do favor legal arbitral.

7. As correntes doutrinárias que começam a tomar corpo no sentido do descabimento da ação rescisória contra sentença arbitral e da aplicação do prazo de 90 dias para argüir-se a exceção de nulidade na ação de embargos de devedor traduzem-se em manifestações do favor arbitralis.

8. De certo modo, contemplam o favor arbitral as diversas leis que expressam o caminho da solução por arbitragem em largo estímulo à utilização dessa via pelas partes.

9. Como assinala Ana Maria Chocrón Giráldez,”el empeño en obviar la vía judicial, o en otras palabras, dejudicializar los litigios, há quedado plasmado en distintos textos normativos”.[19]

10. Nesse particular, nossa Constituição indica a arbitragem como forma de resolução do impasse gerado ao frustar-se a negociação coletiva entre trabalhadores e empregados.

11. A par da própria lei de arbitragem, a Lei de Concessão e Permissão dos Serviços Públicos (lei n. 8.987/95), a Lei do Petróleo (lei n. 9.478/97), a Lei de Telecomunicações (lei n. 9.472/97) e a Lei de Concessão de Transporte Aquaviário e Terrestre (lei n. 10.233/01) são exemplos da inclinação do legislador pela via consensual de resolução de conflitos. Por sinal, exemplos emblemáticos a caracterizar o favor legal arbitral dado tratar-se de opção inserida dentre as cláusulas essenciais do contrato administrativo.

12. O mesmo podemos afirmar quanto às regras indutoras da arbitragem constantes da Lei n. 10.303, de 31.10.2001, que altera e acrescenta dispositivos à Lei das Sociedades Anônimas.

13. Há também quem afirme que a ação de nulidade, como meio processual impugnatório de caráter extraordinário, configura o chamado favor do laudo.

14. Com supedâneo em sentença de audiência Provincial, sustenta Chocrón Giraldez que a taxatividade das hipóteses de nulidade da sentença arbitral acaba por introduzir “lo que podemos considerar favor del fallo o favor jurídico que se manifesta ‘en que el control que puede hacerse de la actividad del Tribunal Arbitral es muy limitado, sin que pueda analizar-se la justiça del laudo o el modo más o menos acertado de resolver cuestión litigiosa en cuanto a la aplicación de la Ley material’.[20]

15. Nesse particular, um parêntesis: o elenco reduzido de situações jurídicas a impulsionar a ação de nulidade é manifestamente proposital, pois demonstra a opção legislativa de mitigar as possibilidades de intervenção judicial.

16. Entretanto, desse posicionamento legal surgirá a discussão quanto a decisões arbitrais que infrinjam regra de direito positivo ou que violem a ordem pública.

17. Assim como o ordenamento espanhol, também o nosso não sustenta como hipótese de nulidade a simples infringência pela sentença arbitral das normas constantes do nosso ordenamento legal.

18. Nota-se que no caso espanhol foi feita proposta de inserção dessa previsão no rol das nulidades, tendo sido negada; aparentemente, por repulsa aos recursos emulativos que a hipótese acabaria por gerar.[21]

19. Quanto à violação da ordem pública como causa da ação de nulidade, a lei brasileira não a incluiu objetivamente nos casos contidos em seu artigo 32 como fez, ao reverso, no caso das sentenças arbitrais estrangeiras como condição de sua homologação. Países que reformaram sua legislação para introduzir essa hipótese vivem o drama das ações que, mascaradas por esse dispositivo, tencionam, na verdade, discutir a justiça da sentença arbitral.

20. Tanto que na Espanha a doutrina e a jurisprudência debatem a abrangência e a extensão desse elástico conceito jurídico. Nos termos da sentença de Audiência Provincial

”… el concepto de orden público que aquí puede hacerse valer, conforme indica la propia Exposición de motivos de la Ley 36/38, debe ser el que se infiera de los principios de nuestra Constitución cuyo intérprete máximo es el TC [Tribunal Constitucional]; así podemos afirmar que, en el sentido material, un Laudo será atentatorio al ordem público cuando vulnera los derechos y libertades reconocidas en el Capítulo II Título 1° de nuestra Ley fundamental; y, en el aspecto procesal (Sentencia de TC 43/86, de 15 de abril), cuando el Laudo se ha dictado vulnerando los derechos fundamentales y libertades públicas garantizadas através del art. 24…”.[22]

21. Esse tema há de instigar e acirrar os debates no seio da comunidade arbitralista ciente da conformação à ordem pública nacional das sentenças arbitrais estrangeiras que buscam sua internalização na jurisdição brasileira, ex vi art. 39, II, da lei de arbitragem, e da submissão do rito arbitral à ordem pública processual claramente prevista no art. 32, VIII, da Lei n. 9.307/96.

4. A AUTONOMIA CONFLITUAL

1. Com a cristalização do princípio da autonomia uma nova função foi dele extraída. A par do seu emprego para fins de sobrevivência da convenção, por via de sua independência, face aos vícios contemplados no contrato a que está ligada, a adoção da autonomia jurídica da cláusula arbitral gera a oportunidade de se aplicar a ela uma lei distinta daquela que governa o contrato principal. É a chamada autonomia conflitual.

2. Mesmo no caso em que as partes estabeleçam lei específica para regular as condições do contrato ao qual a cláusula compromissória está ligada, não se pode afirmar que a mesma norma de direito irá reger a validade, o conteúdo e os efeitos da convenção.

3. Dado que o princípio da autonomia se destina a operar funções junto à cláusula arbitral, conferindo-lhe vida própria e independente do contrato principal, por certo poderão as partes convenentes ou o tribunal arbitral dedicar-lhe lei específica para regular sua existência e validade, inclusive diferente daquela adotada para o acordo ao qual esteja vinculada.

4. Essa segunda conseqüência objetiva do pressuposto da separabilidade da cláusula arbitral já foi assimilada no campo internacional da arbitragem e também pela própria Lei Marco Maciel, que, no capítulo dedicado ao Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, estabelece que o exame de validade da convenção de arbitragem, para fins de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, passará pelo crivo da “lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida”(art. 38, II).

5. Também a Convenção de Nova Iorque, de 1958 (art.V, 1, a), e a Convenção Européia, de 1961 (art. IX, 1), adotam os caminhos da autonomia conflitual e fixam os parâmetros de escolha da lei aplicável.

6. A adoção pelo direito positivo ou a opção utilizada pelo operador do direito de aplicação da lei do país onde a sentença arbitral for proferida (usualmente o lugar da sede da arbitragem)extrai-se dos efeitos processuais da convenção de arbitragem vez que, geralmente, o direito adjetivo aplicável à arbitragem é aquele do local da sede do tribunal arbitral.

7. Contudo, segundo Fouchard, Gaillard e Goldman,

“However, it must be firmly rejected [characterization of the arbitration agreement as procedural], for several reasons. First, it is no longer correct to say that arbitral procedure will necessarily be governed by the law of the seat of the arbitration. The parties may subject it to the law or rules of law of their choice, and even the arbitrators, in the absence of a choice by the parties, are not bound to apply the procedural rules of the law of the seat of arbitration”.[23]

 

8. Por outro lado, ainda produz eco a posição dos que defendem a força da natureza contratual da cláusula compromissória de modo a transportá-la para o cenário dos elementos de conexão no momento de definição da lei aplicável à sua validade e efeitos.

9. Nesse diapasão, dada a sobrelevação da natureza contratual da cláusula arbitral, a ausência de predefinição sobre a lei a esta aplicável endereçaria o operador ao labirinto dos elementos de conexão.

10. Entretanto, muito embora os elementos de conexão[24] encerrem valorosos subsídios na determinação da lei de regência da cláusula compromissória, de fato as contestações que todos eles sofrem acabam por refletir um certo grau de incerteza que gera indesejável insegurança na solução das questões apontadas caso a caso.

11. O melhor, sem dúvida, é a definição expressa pelas partes da lei de regência da cláusula arbitral, pois, caso contrário, não há harmonia no entendimento quanto ao ordenamento aplicável. Poderá ser a lei do local da arbitragem, o método de escolha definido nos atos internacionais, a lei aplicável ao contrato, sem embargo de outros entendimentos menos rígidos ou desvinculados de certas amarras tradicionais.

12. Por essas dificuldades países como a França e a Suíça adotaram nova postura legal que visa facilitar a análise da validade e eficácia da cláusula arbitral, sob o prisma in favorem validitatis.

13. A Suíça procura mesclar várias possibilidades jurídicas (i.e., elementos de conexão e princípios transnacionais)para se apontar a lei que governará a cláusula arbitral, tendo sempre como norte in favorem validitatis.

14. A França, consagrando o princípio da validade da cláusula arbitral, partiu da concepção da autonomia da cláusula compromissória frente à lei de regência do contrato principal e evoluiu para o conceito da ampla autonomia perante as várias leis nacionais.

15. Não significa dizer que o contrato de arbitragem refletiria um acordo absolutamente desvinculado de qualquer direito, ao contrário, sua validade e eficácia passam a ser enfrentadas pelas regras relevantes de direito (“substantive rules”), as quais, por seu espectro limitado, tendem a prestigiar o princípio da validade da cláusula compromissória.[25]

16. Com esse novo posicionamento, a França afasta as dificuldades e a insegurança nos contactos e embricamentos das legislações nacionais para fins de investigação da lei de regência da cláusula arbitral e lhe assegura a validade, por pressuposto, se não se mostrar contrária à ordem pública internacional. Afinal, esse novo posicionamento se mostra em linha com a independência das arbitragens internacionais, onde o árbitro não se vincula a qualquer ordenamento jurídico e, do mesmo modo, reflete a extensão dada pelos tribunais judiciais franceses à autonomia da cláusula arbitral que passou a abraçar o princípio da validade.

5. O PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA

1. Como corolário natural do princípio da autonomia da cláusula compromissória e a ele sempre vinculado desponta o preceito legal da Kompetenz-Kompetenz, que se traduz na competência do árbitro para dirimir as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória ex vi art. 8°, § único, Lei Marco Maciel.

2. Como regra de competência, independe da vontade das partes, pois encerra a autoridade do árbitro para dirimir questões inerentes a sua condição e a sua função de julgador (v.g., requerer e analisar provas; aplicar o direito)e aquelas outras relativas aos vícios do contrato ou da convenção.

3. A Kompetenz-Kompetenz complementa o pressuposto da autonomia e com ela convive, como siameses, pois a eficácia da autonomia alia-se à adoção do princípio da competência-competência. Este, ao operacionalizar o preceito da autonomia, lhe assegura efeitos práticos conferindo-lhe atuação concreta no mundo jurídico.

4. Com a Kompetenz-Kompetenz tem o árbitro o poder de decidir sobre sua própria competência. Existindo dúvida quanto à validade da convenção ou do contrato em que se encontra a cláusula compromissória, terá o árbitro competência para decidir sobre sua competência.

5. Resultando válido o contrato ou a convenção por obra da análise e decisão do próprio árbitro, mantida estará a competência do árbitro para o efeito de levar a bom termo a arbitragem.

6. Ao contrário, julgando inválida a convenção ou o contrato que contempla a cláusula arbitral, proferirá o árbitro sentença terminativa, pondo fim ao processo sem julgamento do mérito. Ou, nos termos do artigo 20, § 1°, da Lei n. 9.307/96,”serão as partes (sic)remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa”.

7. Detém, pois, o árbitro competência para resolver sobre sua própria competência. Daí o brocardo competência-competência.

8. No confronto com as autoridades judiciais, deterá o árbitro preferência na análise da questão. É do árbitro o benefício da dúvida.

9. Essa prevalência se alinha com os princípios que cercam o instituto da arbitragem e com a sistemática introduzida pela Lei Marco Maciel, onde as delongas e os mecanismos de postergação ou afastamento do rito arbitral são condenados.

10. Mas, não só isso, pois também afirma a proposta de centrar ao máximo a atuação do Poder Judiciário em cima de um fato consumado, qual seja, a sentença arbitral.

11. Daí por que essa prevalência é de caráter temporal, haja vista a oportunidade de revisão da decisão do árbitro, ex vi art. 32, I, da lei de arbitragem.

12. Não obstante, dadas as peculiaridades do nosso sistema legal arbitral que confere o direito do credor de se valer da ação de execução específica prevista no art. 7° da lei, parece-me que essa prevalência não assume ares soberanos em nossa jurisdição.

13. Assim como acontece com o instituto da cláusula compromissória, também a competência-competência produz uma dualidade de eficácias: a positiva e a negativa.

14. A eficácia positiva encerra a aptidão do árbitro, como antes referido, de decidir sobre sua própria competência. Reflete, pois, o caráter jurisdicional da arbitragem.

15. Já a eficácia negativa diz com o momento em que essa competência é exercida. Afirma a doutrina arbitralista que o árbitro é “o primeiro juiz a dizer sobre a sua jurisdição”.

16. Isso porque, para que possa o juiz togado emitir a sentença-compromisso, deverá analisar a juridicidade da cláusula arbitral como questão de procedibilidade do pedido. Assim, não escapará de um enfrentamento dos vícios porventura alegados pela parte ré. Ao menos, parece-me, quanto aos vícios aberrantes que manifestam e conduzem à nulidade de pleno direito eis que atingem o interesse da coletividade (art.145, Código Civil)e, frente aos quais deve ser pronunciada pelo juiz, não lhe sendo permitido supri-la, ainda que a requerimento das partes, nos termos do art. 146, § único, do Código Civil.[26]

17. Ao juiz não é dada escapatória: deve pronunciar-se sobre a nulidade quando conhecer do ato ou dos seus efeitos. Nos casos de nulidade absoluta, pois, a manifestação do juiz dar-se-á no primeiro momento em que tiver acesso à questão e este poderá ser quando da propositura da ação contida no art. 7° da lei de arbitragem, nas típicas hipóteses de cláusula compromissória vazia.

18. Quanto aos demais casos de nulidade – aqueles dependentes de rescisão, nas palavras de Bevilaqua[27]– dizem respeito a interesses meramente individuais e, por isso, não se pronunciam de ofício e produzem seus efeitos (ex nunc)até que sejam declarados.

19. Ao contrário das nulidades absolutas, que atingem o negócio jurídico no momento da emissão (ex tunc)e alcançam eficácia erga omnes, as de caráter relativo são abrandadas pelo ordenamento jurídico, que tende a validá-las se não adotada postura ativa pelo interessado mediante a iniciativa na propositura da ação de anulação do ato jurídico.

20. Essa gradação nos interesses sociais – imediatos e mediatos – impulsiona a atividade jurisdicional.

21. Na primeira hipótese, pode o Ministério Público, além do interessado, alegar a existência do vício devendo o juiz pronunciar-se a respeito tão logo conheça e reste provada a nulidade do ato ou de seus efeitos.

22. Na segunda hipótese, o interesse social é mediato e por isso tratado de forma distinta e menos rígida. Daí por que a alegação dessas matérias (i.e. hipóteses de nulidade relativa)como exceção ao pedido de execução de obrigação de fazer formulado pelo credor, com fundamento no art. 7° da lei n. 9.307/96, não há de evitar a instituição da arbitragem, haja vista a aplicação da eficácia negativa extraída do princípio competência-competência.

23. A análise da nulidade dos negócios jurídicos de interesse particular abordada como exceção à ação contemplada no art. 7° da Lei Marco Maciel deverá, repito, ao que me parece, ser levada a efeito em sede de arbitragem, pois a nulidade relativa, longe de atingir a eficácia da convenção de arbitragem, ao contrário, a ela se submete, pois encerra o árbitro, por força da convenção, a competência para analisar os vícios que atingem a manifestação da vontade.

24. O princípio é o de que a cláusula compromissória de cárater genérico, sem expressa exceção, alberga em seu objeto, regra geral, a análise das questões relacionadas aos vícios resultantes de erro, fraude, simulação, coação e dolo. Tratando-se de matéria circunscrita ao crivo civil, sem embargo de possíveis repercussões criminais que venha a encerrar, há de competir ao juízo arbitral dizer o direito aplicável, ressalvadas as peculiariedades que cada caso pontualmente possa vir a erigir.

25. Nos Estados Unidos, o leading case Prima Paint concluiu pela competência do árbitro para a análise da exceção de nulidade por existência de fraude.[28]

26. O mesmo aconteceu na Espanha, ao admitir o tribunal judicial a possibilidade de uma arbitragem que verse sobre questão de simulação do contrato principal. É o seguinte o teor da Sentença de 27 de novembro de 1963:

“Es de resaltar: primero, que las cuestiones referentes a la simulación contractual son netamente de naturaleza civil, y si bien en el caso de haber un tercero perjudicado por la simulación podrá éste acudir a la vía penal para que la reparación del perjuicio sea consecuencia del condigno castigo de los culpables, al amparo del precepto de orden punitivo que el recurrente cita, mientras ello no ocurra y se acredite la apertura del procedimiento criminal la jurisdicción civil es libre para actuar, y, por tanto, la de los árbitros de equidad, designados legalmente para, en sustitución de aquélla,resolver en conciencia la cuestión, siempre que no aparezcan graves motivos que aconsejen lo contrario […]. Ya que no hay en lo actuado circunstancia alguna que aconseje deferir la cuestión planteada em vía distinta de la civil, pues la materia litigiosa sólo afecta a los compromitentes y se ciñe a declarar la realidad o simulación de un pacto concertado entre los mismos, con independencia de sus posibles efectos en cuanto a tercero, y no precisa la intervención del Ministerio Público […]”.[29]

27. Contudo, parece-me que essa relatividade do conceito da competência-competência quanto à prevalência do árbitro em sua capacidade de reter a jurisdição arbitral se restringe às hipóteses em que a parte renitente aborda as questões de nulidade absoluta em contestação à ação de instituição da arbitragem não se aplicando, por conseqüência, aos casos em que o devedor busca diretamente a via judicial numa tentativa de atrair para a justiça estatal o pronunciamento do mérito da controvérsia.

28. Ora, na ação para cumprimento da obrigação de instituir a arbitragem, a matéria é de exame obrigatório e prévio, pois condiciona e atinge o próprio pedido do credor calcado que está na juridicidade da cláusula compromissória.

29. Em sede de ação judicial declinatória de arbitragem, regra geral, operará conseqüências de direito a eficácia negativa assegurada ao princípio competência-competência, independentemente da categoria dos vícios alegados pela parte autora, haja vista a competência prevalentemente conferida ao árbitro por força da lei n. 9.307/96, nos termos do seu art. 8°, § único.

30. As matérias de invalidade, inexistência ou ineficácia da convenção ou do contrato que contenha cláusula compromissória encerram a competência do árbitro para dirimir sobre sua própria competência. É ele o primeiro juiz a dizer sobre sua própria jurisdição.

31. É esse o entendimento da doutrina, como asseveram Fouchard, Gaillard e Goldman

“In that sense, the competence-competence principle is a rule of chronological priority. Taking both of its facets into account [positive and negative effects], the competence-competence principle can be defined as the rule whereby arbitrators must have the first opportunity to hear challenges relating to their jurisdiction, subject to subsequent review by the courts”.[30]

32. e Córdon Moreno,

“A nuestro juicio, la autonomía supone, además, que tal eficacia [negativa] se extiende incluso al enjuiciamiento de la validez o nulidad del convenio arbitral mismo. Queremos decir que pedida por el actor en suplico de la demanda de la declaración de nulidad del pacto arbitral con el fin de excluir determinadas controversias del arbitraje, el demandado podrá interponer la excepción de arbitraje, sin que el juez pueda declararla inadmisible o remitir su enjuiciamiento al momento de la sentencia (si se opuso con carácter previo), por entender que el examen de la excepción supone en realidad un enjuiciamiento de la validez del pacto arbitral y, por tanto, un examen adelantado de dicha cuestión de fondo. De procederse así, sería sencillo dejar sin contenido la excepción de arbitraje.” [31]

33. A opção das partes pela arbitragem implica na transferência para o juízo arbitral da competência para investigar e decidir sobre nulidades que afetem o negócio.

34. É uma questão de política jurídica que, no caso brasileiro, consta claramente expressa no art. 8°, parágrafo único, da Lei Marco Maciel: caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

35. O legislador nacional fez questão de introduzir em nosso sistema legal o princípio da autonomia da cláusula arbitral e, paralelamente, de assegurar a competência do árbitro para dirimir as disputas que toquem no campo da existência, validade e eficácia da convenção e do contrato de modo a manter a competência decisória nas mãos de uma única jurisdição (i.e. arbitral), evitando, assim, a declinatória da arbitragem pela simples alegação de existência de vícios de nulidades.

36. Como ressaltado em decisão proferida na Alemanha,

“Las partes tendrán el interés y el deseo de evitar las consecuencias perjudiciales para todos de competencias distintas para las diversas cuestiones litigiosas, unas concernientes a los efectos del contrato principal y su interpretación, correspondientes al arbitraje, otras concernientes a la validez del contrato principal, correspondientes al juez estatal”.[32]

37. Em linha com a unidade da competência decisória, registra Rodríguez-Cano que o Supremo Tribunal da Espanha, em Sentenças de 9.10.1984, 13.6.1985, 17.9.1985, 24.2.1987, 17.6.1987 e 17.7.1989, tem se posicionado contra imposição de restrições na competência do árbitro que reduza o grau de liberdade que deve deter para resolver com a máxima amplitude as questões que lhe são postas. Como dito na Sentença de 17.7.1989, essa política conecta-se “… con la necesidad de que el árbitro resuelva efectivamente y de modo racional y completo las cuetiones planteadas por las partes, buscando así la más genuina y eficaz sustitución de la función jurisdiccional del Estado por la privada”.

38. É da competência do árbitro dirimir as questões litigiosas e, para isso, não exige a lei que o ato jurídico seja válido ou imune a nulidades. Ao contrário, a questão litigiosa pode ser justamente a nulidade do ato jurídico. Nesses casos, a jurisdição arbitral não se desloca, pois legalmente é o árbitro quem detém competência para resolver essas matérias assim como para dirimir sobre sua própria competência.

39. O espírito da lei persegue a concretização do ajustado na convenção, sem embargo das potenciais nulidades traçadas por uma das partes.

6. O MOMENTO DA ARGÜIÇÃO DE QUESTÕES PREJUDICIAIS

1. Nos termos da lei, a parte que pretender argüir questões relativas a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem (art. 20).

2. Trata-se de regra de cunho processual a se concretizar em sede de juízo arbitral. Dadas as características dessa jurisdição, especialmente a informalidade e a boa-fé, a objetividade da norma legal há de sofrer ponderações quando de sua aplicação, de modo a flexibilizar o rigor imposto ao momento que enseja a argüição.

3. Em outras palavras, a limitação desse momento à primeira oportunidade que a parte tiver de se manifestar é por demais restritiva à vista da relevância do tema e da fidúcia que cerca o instituto cuja busca da verdade material é da sua essência.

  1. Cf. International Commercial Arbitration, Fouchard, Gaillard e Goldman, Países Baixos, Kluwer, 1999, p.198 e segs.
  2. O princípio da autonomia não tem, porém, o condão de imunizar por completo a cláusula compromissória dos vícios que possam macular o contrato. De fato, existirão nulidades que por sua natureza propagarão seus efeitos, impiedosamente, sobre a cláusula arbitral. É o caso da incapacidade do agente. Tanto é verdade que o próprio art. 8° da lei brasileira estabeleceu que o vício do contrato não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. A interpretação a contrario sensu nos leva a essa afirmação.
  3. Comentários a la Ley de Arbitragem, coord. Rodríguez-Cano, Madri, Tecnos, 19991, p.105. Nos mesmos termos a ementa da decisão CNCom, Sala E. 26.9.88 (LL.1989 – E – 304)compilada por Marco A. Rufino, El Proceso Arbitral, Buenos Aires, Ad Hoc, 1992, p. 43, verbis: ” No altera la naturaleza de convención autónoma de la cláusula arbitral la forma en que se instrumenta, que puede ser contemporánea o no al contrato principal, pero que no depende de este último en cuanto a su validez, a la ley aplicable ni al juez dotado de jurisdicción para resolver uma eventul controversia”.
  4. Tratado Geral da Arbitragem, J. E. Carreira Alvim, Belo Horizonte, Mandamentos, 2000, p. 234. Ainda o autor, citando Massimo Zaccheo, afirma que a doutrina tende no sentido positivo [a transferência do contrato acarreta a da própria cláusula arbitral], em vista da instrumentalidade da cláusula em relação ao contrato, sobretudo do seu caráter unitário, compreensivo da cláusula e do contrato cedido ao terceiro (op. cit., p. 238). Com supedâneo em Rileva Bianca, entende Carreira Alvim que, no que tange à exigência de expressa aceitação pelo terceiro da cláusula compromissória, se deve considerá-la absorvida pela relação (per relacionem)decorrente da aceitação do contrato pelo mesmo. Neste caso, a cláusula compromissória entra em linha de conta, não como um negócio jurídico independente do contrato a que acede, senão como uma cláusula no sentido próprio ou parte de uma complexa regulamentação contratual (op. cit., p. 238).
  5. Op. cit., p. 210. O autor destaca uma decisão francesa e outra suíça para sustentar, respectivamente, as observações quanto a novação e o acordo quanto ao contrato principal.
  6. Op. cit., ps. 200 e 201.
  7. International Arbitration: Law and Practice, Mauro Rubino- Sammartano, 2ª edição; Kluwer, Hague, 2001, p. 228.
  8. Rubino-Sammartano, op. cit., p. 228/229.
  9. Fouchard, Gaillard e Goldman, op. cit., ps. 203 e 204.
  10. As decisões dos casos BP vs. Líbia e Texaco vs. Líbia datam, respectivamente, de 1973 e 1975. Na disputa Liamco vs. Líbia, a sentença do árbitro único, de 1977, destacou: “it is widely accepted in international law and practice that an arbitration clause survives the unilateral termination by the state of the contract in which it is inserted and continues in force even after the termination” cf. Fouchard, Gaillard e Goldman, op. cit., p. 207.
  11. Decisão proferida pela Chamber of Foreign Trade of RDA, em 1980, (cf. Rubino-Sammartano, op. cit., p. 226).
  12. Cf. Rubino-Sammartano, op. cit., p. 227.
  13. Do Estado na Arbitragem Privada, José Carlos de Magalhães, Max Limonad, São Paulo, 1988, p.132.
  14. Cf. Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, Pedro A. Batista Martins, Selma M. Ferreira Lemes e Carlos Alberto Carmona, Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 218.
  15. Rubino-Sammartano, op. cit., p. 227.
  16. Fouchard, Gaillard e Goldman, op. cit., p. 209.
  17. Nos Estados Unidos registra Michael F. Hoellering, “Early decisions of the Supreme Court established that, when courts are called upon to compel arbitration under a broad arbitration clause, arbitration is to proceed unless there is clear evidence that the parties did not intend the matter of dispute to be arbitrable. As the Court stated in United Steelworkers of America v. Warrior & Gulf Navigation Co.,’An order to arbitrate…should not be denied unless it may be said with positive assurance that the arbitration clause is not susceptible of an interpretation that covers the asserted dispute. Doubts should be resolved in favor of coverage’. This presumption of arbitrability under a broad clause still prevails. In 1983, the Supreme Court stated that the effect of Section 2 of FAA on arbitrability … [is] that any doubts concerning the scope of arbitrable issues should be resolved in favor of arbitration” (Commercial Arbitration for the 1990s, Washington, R. J. Medalie editor, 1991, p.1). Na França, por exemplo, nas arbitragens internacionais o favor arbitral exterioriza-se no posicionamento da doutrina e de decisões judiciais ao descolarem a cláusula compromissória dos diversos ordenamentos legais aplicando-se, tão-somente, a ordem pública internacional para efeito de análise da validade e eficácia do pacto arbitral. O mesmo se pode afirmar da Suíça, que investiga a validade da convenção com um misto de liberdade entre vários elementos de conexão e as hipóteses restritas da ordem jurídica transnacional, sempre com o intuito de validar a cláusula arbitral. É o chamado in favorem validitatis (cf. item 4 deste trabalho). Também no Brasil o Tribunal de Justiça de São Paulo assegurou o favor arbitral ao validar a cláusula compromissória em confronto com a inconsistente fixação, no mesmo instrumento, de cláusula de eleição de foro (ver nosso trabalho “O Poder Judiciário e a Arbitragem. Quatro anos da lei n. 9.307/96 – 2ª parte”, in Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, coord. Arnoldo Wald, ano 3, n.10, out/dez 2000, RT, p. 341).
  18. Como veremos a seguir, a questão das hipóteses de nulidade da decisão arbitral é vista por alguns, com mais especificidade, como favor do laudo.
  19. Los Principios Processales en el Arbitraje, Barcelona, J. M. Bosch, 2000, p. 63.
  20. Op. cit., p. 60.
  21. 21 Cf. Chocrón Giraldez, op. cit., p. 61.
  22. Chocrón Giraldez, op. cit., p. 63.
  23. Op. cit., p. 221.
  24. O lugar sede da arbitragem tem sido o elemento prepoderantemente utilizado pelos operadores do direito arbitral. No rol dos fatores de conexão também elencam o lugar da conclusão da cláusula compromissória e alguns fatores específicos que podem conter a cláusula arbitral. Neste último caso, por exemplo, utilização da cláusula modelo de contrato de afretamento marítimo de instituição inglesa, dada sua particularidade, pode levar o intérprete a pressupor, ao contrário do que aconteceria se utilizado modelo extremamente internacional e por isso diluído da CCI, que as partes quiseram adotar a lei do país ao qual a instituição se submete. O mesmo poderia ocorrer no caso da referência a cláusula-padrão de entidade profissional ou especializada peculiar a determinada jurisdição. Cf. Fouchard, Gaillard e Goldman, op. cit., p. 225.
  25. “The arbitration agreement is not a contract without a governing law but a contract without a choice of law” (Fouchard, Gaillard e Goldman, op. cit., p. 233).
  26. Art. 145. É nulo o ato jurídico: I- Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5°). II- Quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto. III-Quando não revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130). IV-Quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a validade. V-Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito. Art. 146. As nulidades do artigo antecedente podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único. Devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do ato ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda a requerimentos das partes.
  27. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Edição Histórica, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1979, p. 413.
  28. 28 Cf. Rodríguez-Cano, op. cit., p.111.
  29. Ibidem, p. 112.
  30. Op. cit., p. 401. Ressalte-se o registro feito pelos autores de duas decisões judiciais – Corte de Justiça de Ontário e da Suprema Corte de Hong-Kong – que prestigiaram esse entendimento.
  31. In Comentario Breve a la Ley de Arbitraje, coord. Montero Aroca, op. cit., p. 60.
  32. Rodríguez-Cano, op. cit., p.114, Sentença do BGH, de 27.2.1970.

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