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Pedro A. Batista Martins[1]

1. Histórico; 2. A Constitucionalidade da Lei n. 9307/96; 3. A Natureza Jurídica da Arbitragem; 4. A Arbitrabilidade das Controvérsias; 5. Os Efeitos Legais da Cláusula Arbitral; 6. O Princípio da Autonomia da Cláusula Arbitral; 7. Medidas Cautelares e Coercitivas; 8. Conclusão.

1. Histórico

1. Ao contrário do que possa parecer, o Brasil tem singular tradição no campo da arbitragem.

2. Questões de fronteira com a Argentina e a Guiana Britânica foram resolvidas por laudos arbitrais nos anos de 1900 e 1904.

3. A controvertida disputa com a Bolívia pelo território do Acre foi solucionada por arbitragem em 1900. As reclamações mútuas com o Peru por problemas originados em Alto Juruá e Alto Purus foram satisfatoriamente encerradas por arbitragem em 1910.

4. Pendências com os Estados Unidos por indenizações resultantes do naufrágio do barco americano “Canadá”, nas costas brasileiras, e com a Suécia e a Noruega pelo abalroamento de um barco restaram resolvidas por laudo arbitral, sem maiores dificuldades, nos idos de 1870.

5. Do mesmo modo, eminentes brasileiros integraram painéis arbitrais constituídos para pôr termo a questões de grande relevância internacional, como foi o caso do Visconde de Itajubá, que apreciou e julgou conflitos ocorridos nos Estados Unidos durante a Guerra de Secessão (caso Alabama).

6. Por outro lado, no final de 1800 e início de 1900 o Brasil assinou Tratados com o Chile, Suíça, França, China, Grã-Bretanha e Estados Unidos, dentre outros países, onde se comprometia a submeter potenciais disputas à solução arbitral.

7. No campo do direito positivo, podemos novamente constatar a tradição brasileira. A primeira Constituição Política do Império, de 1824, já admitia o uso da arbitragem na solução das disputas entre nacionais e estrangeiros. Ademais, autorizava que a decisão do árbitro restasse irrecorrível, caso as partes estabelecessem a cláusula sem recurso.

8. Posteriormente, a arbitragem foi introduzida no sistema legal de forma obrigatória para a resolução de conflitos originados de contratos de seguro (1831) e de locação de serviços (1837).

9. Em 1850, com a promulgação do Código Comercial, a arbitragem ganha fôlego e dimensão ao transformar-se no meio de solução de questões societárias, contratuais e de quebra.

10. Também o Código Civil de 1916 e os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973 reservaram espaço para tratar desse instituto legal.

11. Diante da atestada tradição brasileira no campo (i) da prática arbitral, como entre soberano, (ii) das relações internacionais bilaterais e (iii) do direito positivo interno, é de se indagar o real motivo pelo qual somente agora, após décadas perdidas, a arbitragem passa a ser utilizada no Brasil.

12. Para atender a tal questionamento, devemos retornar ao ano de 1867, quando o Decreto n. 3900, expressamente, sujeitou a eficácia da cláusula compromissória à execução pelas partes de um novo e especial acordo, nomeadamente, o compromisso.

13. Nos termos do Decreto n. 3900, somente o compromisso era o instrumento hábil para afastar a jurisdição estatal. Isto porque era nesse documento contratual que se especificava o objeto do litígio; surgida a controvérsia, cabia aos contratantes delimitar a disputa em documento distinto. Não importava a existência de cláusula arbitral. Era preciso outro passo jurídico: concluir o compromisso com os detalhes da questão controversa.

14. Desde então a cláusula arbitral foi considerada pela doutrina e pela jurisprudência, salvo raros e esforçados entendimentos em contrário, como mero pactum de compromittendo a depender, para sua perfeição e execução, da assinatura do compromisso.

15. Na prática, salvo a teórica possibilidade de se exigirem perdas e danos da parte faltosa pelo descumprimento de obrigação de fazer (i.e. firmar o compromisso), a cláusula compromissória transformou-se em verdadeiro caput mortuum.

16. A par da ineficácia do pacto arbitral, legislação posterior, em linha com a corrente privatista da arbitragem, passou a exigir que o laudo fosse homologado pela justiça comum para produzir seus efeitos de direito.

17. Nesse sentido, não era suficiente a inserção de cláusula compromissória no contrato. Era preciso, posteriormente, que firmassem o compromisso e, mais ainda, após a solução da pendência, obtivessem do Judiciário a homologação do laudo arbitral.

18. Não bastasse, como já dissemos em outra oportunidade[2], a par desses dois “visíveis” obstáculos, outros de caráter psicológico ou cultural também se fizeram sentir (e, ainda hoje, de certa forma se manifestam); basicamente a tendência de se apegar ao Estado para a ele reportar todas as mazelas da sociedade, mesmo aquelas cuja solução não era, e não é, da relevância do papel estatal.

19. A estatização processou-se de tal forma no Brasil que o Estado avançou na jurisdição privada tão forte e marcante que as funções se diluíram no espaço, sucumbindo o particular a uma evidente e absoluta intervenção estatal.

20. É o primado do Estado sobre o indivíduo, com o conseqüente esquecimento do princípio da autonomia da vontade, que não se identifica com os anseios da nação.

21. É o paternalismo estatal em todas as esferas e segmentos da sociedade que, de tão acentuado, se arraiga no inconsciente coletivo, redundando em exigência dos indivíduos junto ao poder estatal para solucionar todos os males que os afligem.

22. Perde a coletividade o contato com as suas próprias iniciativas, não mais identificando-se com o princípio basilar do cidadão, viz. a autonomia da vontade.

23. Diante desse cenário, não é de se estranhar que a arbitragem, calcada na liberdade de contratar, não conseguisse ganhar campo no Brasil. O primado do Estado não suporta a justiça privada. O protecionismo estatal não admite tribunal constituído pela vontade única das partes. Só o Estado é hábil para solucionar as questões que envolvam seus jurisdicionados. Frente à força do pai-de-todos, o indivíduo acomoda, capitula, e acha-se até incapacitado de resolver seus próprios problemas.

24. Nesse ambiente de fraqueza psicológica do indivíduo, difícil o desenvolvimento de um instituto que tem origem na liberdade de contratar, corolário da autonomia da vontade, onde a independência do cidadão é absoluta, atrelado está, tão-somente, aos seus propósitos e íntimos interesses pessoais.

25. Não é sem luta que se introduz em um sistema legal como o brasileiro a cultura da arbitragem. Porque é preciso mudar o inconsciente da coletividade e essa alteração se perfaz com muito embate, abnegação e corpo-a-corpo, pois não é fácil suplantar essa cultura já acomodada, pois a luta deve ser diária.

26. Entretanto, novos ventos sopraram em prol da modernidade. A privatização e a desregulamentação dos segmentos econômicos deram novo impulso à cultura geral brasileira.

27. Com o retorno do Estado às suas atividades básicas abriu-se campo maior para a atuação dos particulares. Mais ainda, inverteu-se o statu quo ante com o Estado clamando por maior participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas, políticas e legais.

28. Foi esse novo cenário, aliado à insatisfação da sociedade com a inatividade do Estado, mais especificamente no campo do acesso à justiça, que proporcionou a introdução da Lei n. 9307/96, que dispõe sobre a arbitragem.

2. A Constitucionalidade da Lei n. 9307/96

29. A questão levantada no seio do Supremo Tribunal Federal, em procedimento peculiar de incidente de inconstitucionalidade argüido por membro da própria Suprema Corte, teve origem no contido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição brasileira (inserido pela primeira vez na Constituição de 1946), que determina que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

30. Particularmente, temos que o incidente foi motivado, implicitamente, por questões substancialmente de ordem conservadora, ideológica e cultural. O natural medo por desconhecimento do novo, da chamada “privatização” da justiça, e aquela visão do Estado–Providência antes mencionado fermentaram o inconsciente de alguns de nossos eminentes membros da Suprema Corte.

31. Ora, a interpretação sistemática e histórica do retrocitado dispositivo constitucional leva o estudioso, com tranqüilidade, a afastar qualquer vício de inconstitucionalidade à arbitragem.

32. De fato, como ressaltou Pontes de Miranda, um dos mais festejados juristas brasileiros, o constituinte deixou expresso em nossa constituição de 1946 aquilo que qualquer intérprete encontraria implícito em nosso sistema legal.

33. Na verdade, esse dispositivo foi inserido na Constituição como forma de proteger os cidadãos de abusos cometidos pelas autoridades. É que, no período imediatamente anterior à Constituição de 1946, o Brasil passou por um regime ditatorial onde era autorizada a instituição de tribunais à margem do Judiciário, onde a ampla defesa não era respeitada e as decisões proferidas não eram passíveis de revisão pelo Poder Judiciário. Registre-se que os tribunais estatais eram instituídos por lei.

34. Denota-se, pois, que o referido dispositivo constitucional se dirige às próprias autoridades legislativas, pois objetiva proteger o cidadão de eventual abuso ou ato arbitrário cometido pelo Executivo ou pelo Legislativo.

35. Já o cidadão, por seu turno, tem todo o direito de escolha: pode renunciar a direito, transacionar, solucionar a questão no Judiciário ou em sede arbitral.

36. Foi esse, afinal, o entendimento que prevaleceu no julgamento da constitucionalidade da lei brasileira de arbitragem. Em dezembro de 2001, o pleno da Suprema Corte, por 7 votos favoráveis contra 4, validou in totum a Lei n. 9307/96.

37. Ressalte-se, por oportuno, existir uma perspectiva de que a constitucionalidade ganhe novos adeptos no Supremo dado que, nos próximos 3 anos, três dos ministros contrários à arbitragem completarão a idade limite de 70 anos e, por isso, deverão ser substituídos por novos indicados pelo Presidente da República.

3. A Natureza Jurídica da Arbitragem

38. Não resta dúvida de que o legislador optou por conferir ao sistema legal brasileiro a natureza publicista da arbitragem.

39. Essa assertiva podemos extrair de várias passagens da Lei n. 9307/96. Em conformidade com seus termos, a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo (art. 30).

40. De forma didática, a lei brasileira de arbitragem adotou a terminologia “sentença” em substituição a “laudo” e conferiu à decisão proferida em sede arbitral as naturezas declaratória, constitutiva e condenatória.

41. Caso a decisão precise ser executada perante o Poder Judiciário, é ela título executivo judicial, o que restringe sobremaneira os argumentos de defesa da parte condenada ao cumprimento de uma obrigação (art. 41).

42. Essa equiparação dos efeitos da decisão arbitral àqueles produzidos pela sentença estatal conduz à sua qualidade de res judicata. Transita, pois, em julgado.

43. A solução do conflito por arbitragem é irrecorrível (art. 18), exceto nos restritos casos de nulidade elencados no artigo 32 da lei.

44. Foi suprimida, expressamente, a necessidade de homologação da decisão arbitral nacional (art. 18), bem como aquela emitida no exterior (art. 35), que fica a depender, neste último caso, do exequatur pelo Supremo Tribunal, em conformidade com a Constituição brasileira.

45. Por fim, caberá ao árbitro o exame e a decisão das necessárias medidas cautelares ou coercitivas (art. 22, § 4º). Caso a parte não as cumpra espontaneamente, deverá o juiz estatal determinar a imposição de tais provimentos.

46. Do exposto, extrai-se ter a lei brasileira optado por conferir poderes jurisdicionais ao árbitro. Enquanto árbitro, é ele juiz de fato e de direito, nos termos do art. 18 da lei de arbitragem.

4. A Arbitrabilidade das Controvérsias

47. 1. Em linha com a tendência internacional, são passíveis de se submeter à arbitragem os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º).

48. Incluem-se, nesse campo, as disputas oriundas de relações trabalhistas, de consumo e aquelas de direito público, quando a administração atua como gestora de negócios.

49. Dado que a rescisão do contrato de trabalho torna os direitos laborais disponíveis, pois passíveis de transação pelo ex-empregado, forte corrente doutrinária tem apoiado a submissão desses direitos e obrigações à solução por arbitragem.

50. Várias são as decisões arbitrais proferidas nessa seara com o suporte da jurisprudência judicial.

51. No campo consumerista as opiniões se dividem e não se tem notícia, até então, de qualquer caso levado à análise da justiça estatal.

52. Entendemos que a vedação contida no Código do Consumidor[3] não se aplica às relações de consumo; regra geral, tão-somente àquelas concluídas em massa, através dos contratos–tipo, onde o consumidor, parte fraca ou hipossuficiente, não tem qualquer possibilidade de discutir os termos e condições do contrato que lhe é imposto pelo fornecedor do serviço ou do produto.

53. Aliás, a própria lei de arbitragem já protege o contratante desse tipo de situação ao sujeitar, excepcionalmente, a eficácia da cláusula compromissória inserida em contrato de adesão à posterior manifestação livre e espontânea do aderente, após surgida a controvérsia (art. 4º, § 2º).

54. Quanto à validade das cláusulas arbitrais contidas em contratos administrativos, bom que se diga que os argumentos da imunidade de jurisdição já caíram por terra há muitos anos, desde o final da década de 1980, por força de um “leading case” julgado pela Suprema Corte.

55. Destarte, a imunidade não é mais absoluta e sim relativa; relativa aos atos ius imperium não se aplicando, pois, aos atos ius gestionis.

56. Aliás, já na década de 1960, o Supremo Tribunal, por unanimidade de seus onze membros, confirmou e validou arbitragem em que a União Federal foi condenada ao pagamento de uma certa indenização (caso Lage).

57. Por outro lado, a tese da necessidade de legislação autorizativa expressa para a contratação da cláusula compromissória nos contratos de direito público tem sido combatida por doutrinadores.

58. Essa tem sido, basicamente, a última e a única tese sustentada por aqueles que insistem em submeter toda e qualquer questão de direito público ao crivo da justiça estatal.

59. Sem entrarmos no mérito da discussão, o fato é que a Lei de Concessão e Permissão dos Serviços Públicos (Lei n. 8987/95), a Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9472/97), a Lei do Petróleo (Lei n. 9478/97) e a Lei de Transportes Terrestres e Aquaviários (Lei n. 10.233/01) deram um basta a esse infrutífero debate ao preverem, expressamente, a possibilidade da utilização da arbitragem em sede administrativa.

60. Por sinal, com a edição da Lei n. 9307/96, o Tribunal de Contas da União reconsiderou decisão anterior e aceitou a cláusula arbitral no Contrato de Concessão para exploração da ponte que liga o Rio de Janeiro à cidade vizinha de Niterói (Ponte Rio-Niterói).

61. Ademais, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, à unanimidade, pelo voto condutor da Desembargadora Nancy Andrighi (hoje integrante do Superior Tribunal de Justiça), em decisão de 18.5.1999, julgou válida a cláusula arbitral acordada em contrato de adaptação e ampliação da Estação de Tratamento de Esgotos da cidade de Brasília.

62. Por fim, cumpre ressaltar que a recente lei de reforma da legislação das Sociedades Anônimas (Lei n. 10.303/01) fez constar a arbitragem como meio eficaz de solução das controvérsias societárias.

5. Os Efeitos Legais da Cláusula Compromissória

63. Ajustada a cláusula compromissória, sua eficácia já se projeta no tempo de modo a assegurar futuro ataque a resistências na adoção da arbitragem. Com a nova roupagem jurídica dada à arbitragem pela Lei n. 9307/96, sua eficácia tem duplo fim e alcance: presta-se a afastar a jurisdição estatal (eficácia negativa) e, no caso de resistência à instituição do processo arbitral, garante ao credor essa faculdade legal (eficácia positiva). A única exceção a essa regra de direito é quando a cláusula consta inserida em contrato de adesão (art. 4º, § 2º).

64. Esse arcabouço jurídico foi construído para suplantar a barreira posta pelo Decreto n. 3900, de 1867, como esclarecido acima, e tem sido validado por recentes decisões judiciais.

65. Com a existência de cláusula arbitral, a questão controversa não pode ser julgada pelo Judiciário, que tem o dever de extinguir o processo judicial sem julgamento do mérito (art. 41).

66. A instituição da arbitragem, se não aceita espontaneamente por uma das partes, pode ser efetivada diretamente pela entidade arbitral à qual as partes se submeteram (art. 5º) ou, ainda, pelo Poder Judiciário (art. 7º), no caso em que as partes não optaram por qualquer instituição de arbitragem ou não detalharam adequadamente o procedimento para dar início à arbitragem (cláusula compromissória branca ou vazia).

67. Esse entendimento, que sustentamos há tempos contra as críticas que centravam no Poder Judiciário a exclusividade na instituição da arbitragem caso houvesse resistência em caso de renitência da outra parte, já foi objeto de decisão favorável pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, de 16.9.1999, e também foi acolhido pelo Ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal, em seu voto pela constitucionalidade da Lei n. 9307/96, referido no item 2 deste trabalho.

68. Desse modo, é admissível a instituição da arbitragem sem necessidade do emprego da ação judicial contida no art. 7º da lei brasileira.

69. Outra crítica que tem sido formulada à lei brasileira é quanto à manutenção do chamado compromisso, a par de todo o arcabouço legal que hoje cerca a cláusula arbitral.

70. Esquecem os críticos que é justamente pelo reforço conferido à cláusula arbitral que o compromisso, apesar do claro conservadorismo de constar no bojo da lei, perdeu todo o encanto e a armadura do passado.

71. É ele elemento acessório e de menor importância na sistemática da lei brasileira de arbitragem. A obrigação das partes que convencionam a cláusula arbitral é de instituir a arbitragem (cf. arts. 5º, 6º e 7º). E, nos termos do art. 19, considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro.

72. Destarte, não configura a cláusula compromissória obrigação de se comprometer, pois comprometido está quando os contratantes concordam com essa estipulação no âmbito da autonomia na manifestação da vontade.

73. Reitere-se: a simples existência de cláusula arbitral eficaz é suficiente per se para instituir a arbitragem.

6. O Princípio da Autonomia da Cláusula Compromissória

74. A lei brasileira absorveu, por completo, o conceito da autonomia da cláusula compromissória. Na dicção do art. 8º, a cláusula é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserida, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

75. Assim, os vícios do contrato não se comunicam com a cláusula arbitral, que se mantém incólume para fins de instituição da arbitragem.

76. Essa autonomia também se presta a possibilitar a indicação de lei específica à cláusula arbitral, distinta daquela aplicável ao contrato em questão, pois, como deixa claro o art. 38, II, da lei brasileira, a homologação de sentença arbitral estrangeira poderá ser negada quando o réu demonstrar que a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida.

77. Também consta assimilado pelo sistema legal brasileiro o princípio competência-competência, cabendo ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula arbitral (art. 8º, parágrafo único). Em princípio tais questões devem ser argüidas na primeira oportunidade que a parte tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem (art. 20).

7. Medidas Cautelares e Coercitivas

78. Dada a natureza jurisdicionalista adotada pela lei brasileira de arbitragem, cabe ao árbitro examinar e deferir, ou não, as medidas cautelares e coercitivas (art. 22, § 4º).

79. Não havendo observância espontânea pela parte, caberá ao Judiciário cooperar com o árbitro na prestação da tutela jurisdicional e, através de ato de império, determinar o cumprimento do provimento provisório.

80. É esse o entendimento defendido pela maioria esmagadora da doutrina nacional.

8. Das Sentenças Arbitrais Estrangeiras

81. O legislador resolveu por bem definir como sentença arbitral estrangeira aquela proferida fora do território nacional (art. 34, parágrafo único).

82. O reconhecimento e a execução dessas sentenças, por força de previsão constitucional, deve-se submeter à homologação pelo Supremo Tribunal, para fins de integração e conseqüente produção de efeitos no território brasileiro.

83. Ciente o legislador da inexplicável aversão brasileira à encampação de tratados e convenções internacionais, resolveu por bem introduzir nesse capítulo legislativo grande parte dos dispositivos da Convenção de Nova York[4].

84. Buscou o legislador assegurar supremacia aos atos internacionais ao estabelecer que a sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos da lei de arbitragem (art. 34).

85. Ocorre que prevalece no Supremo Tribunal a tese de idêntica hierarquia entre o ato internacional e a lei ordinária pela qual a vigência posterior de uma delas afasta a aplicação da outra.

86. Curiosamente, a Convenção do Panamá entrou em vigor no Brasil justamente quatro meses antes da Lei n. 9307/96.

87. Como já referido anteriormente, desnecessária a homologação da sentença arbitral estrangeira pelo poder judiciário do país de origem, nos termos da própria lei e das recentes decisões do Supremo Tribunal.

88. Por fim, saliente-se que a lei brasileira de arbitragem quebrou um tabu de ordem pública, a saber, a necessidade de citação por rogatória para se iniciar o processo arbitral.

89. Não é mais considerada ofensa à ordem pública nacional a citação de parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegurado à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa (art. 39, parágrafo único).

9. Conclusão

90. Após três tentativas infrutíferas por parte do Poder Executivo, na década de 80, entrou em vigor no Brasil, em novembro de 1996, a Lei n. 9307/96, por iniciativa do então Senador Marco Maciel, hoje Vice-Presidente da República.

91. Aclamada pelos entusiastas e muito aplaudida pelos juristas, sofreu a lei de arbitragem naturais contestações de alguns conservadores e de uma pequena parte dos membros do Poder Judiciário.

92. Hoje, aprovada pela mais alta Corte brasileira, tem entre os membros do segundo Tribunal mais importante do país, o Superior Tribunal de Justiça, grandes defensores.

93. O mesmo se diga dos demais Tribunais brasileiros que não têm negado curso e emprestado consistente interpretação aos seus dispositivos legais.

94. Os estudiosos não cansam de divulgar artigos e trabalhos jurídicos sobre o tema, afora a difusão de seminários, conferências e cursos.

95. Importantes instituições têm assegurado apoio às Câmaras de Arbitragem. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Associação Comercial e a Federação das Indústrias acabam de constituir o já importante Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem.

96. Mais que tudo, a cláusula arbitral tem-se tornado realidade nas negociações contratuais.

97. Daí por que, com certeza, temos como assimiladas as primeiras etapas do processo de implementação da arbitragem no Brasil.

  1. Advogado, Professor e Consultor em Arbitragem.
  2. Arbitragem através dos Tempos. Obstáculos e Preconceitos à sua Implementação no Brasil, in A Arbitragem na Era da Globalização, coord. J. M. Rossani Garcez, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 45.
  3. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – VII – determinem a utilização compulsória da arbitragem;
  4. Essa Convenção está para ser aprovada pelo Congresso Nacional, já tendo percorrido boa parte dos trâmites necessários, inclusive a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

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