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Pedro A. Batista Martins

1. Parte Um. 2. Parte Dois. 3. Parte Três

1. Parte Um

1. Ingênuo pensar na implementação do instituto arbitral sem que haja adequado apoio do Poder Judiciário brasileiro.

2. A cooperação do órgão de justiça estatal é necessária e sempre bem-vinda não somente para assegurar os efeitos de uma decisão arbitral – seja ela liminar ou definitiva – mas também para definir a aplicação das normas arbitrais aos casos concretos e, assim, moldá-las e direcioná-las à teleologia que as determina.

3. A análise de questões arbitrais pelo judiciário, ao invés de danosa, é dado valioso à fortificação do instituto, pois demonstra a crescente demanda por essa modalidade de resolução de conflito, fideliza o sistema e sedimenta o caminho a ser trilhado por seus operadores.

4. Lei boa é aquela aceita e cumprida (utilizada) pelos cidadãos. Entretanto, para que seu cumprimento seja efetivado harmonicamente, é preciso seja testada pela prática dos fatos e do contraditório de forma que os conflitos conceituais e concretos encontrem norte adequado e a segurança jurídica torne confortável o emprego do instituto.

5. Pena que o Brasil não tenha consolidado há mais tempo o juízo arbitral. Poderíamos ser hoje país de vanguarda doutrinária e jurisprudencial nesse segmento, e renomado foro de solução de conflitos, dado que desde o século XIX encontramos referência expressa à arbitragem em nosso sistema legal.

6. Com efeito, a Carta Política do Império, de 25-3-1824, admitia a nomeação de juízes árbitros para a solução de causas cíveis; ademais, conferia, também, liberdade de se convencionar a cláusula sem recurso.

7. Desde então, várias constituições, leis e códigos acolheram a arbitragem, que por várias razões, até mesmo ufanismo, se viu desprezada e relegada a insensível ostracismo, inobstante manifestação plenária do STF favorável ao juízo arbitral no clássico “Caso Lage”.

8. Esse destrutivo esquecimento começou a ser rompido na década de 80 pela doutrina e pelos esforços do Poder Executivo – através do Ministério da Justiça – fruto de trabalhos acadêmicos e da elaboração de três anteprojetos de lei a dispor sobre o tema, por sinal, nunca encaminhados ao Congresso Nacional.

10. Mas foi no início dos anos 90 que essa barreira foi rompida. Primeiramente, pelos efeitos de duas decisões proferidas pelo STJ que apoiaram a arbitragem dando-lhe o tratamento próprio e desejado pelos estudiosos, e, posteriormente, pela promulgação da Lei nº 9307/96, resultado do esforço cidadão do Dr. Petrônio Muniz e do empenho e da defesa do seu patrono no Congresso Nacional, então senador Marco Maciel.

11. De forma significativa, a lei de arbitragem brasileira cristalizou o instituto propiciando o surgimento de diversos estudos doutrinários, de debates extremamente frutíferos e esclarecedores e a criação de instituições especializadas Brasil afora.

12. Deu início, assim, a ciclo de culturalização dos meios alternativos de solução de controvérsia, viés de significativa e universal importância no combate ao obstáculo processual do acesso à justiça.

13. Nesse sentido, a experiência profissional já registra intensa negociação de cláusula compromissória na atividade contratual.

14. Confrontada essa realidade inarredável com a almejada segurança no trato do sistema arbitral de solução de disputas, resta a indagação de qual a visão do Poder Judiciário a respeito da matéria.

15. Essa resposta é o que nos propomos a trazer sucintamente nas próximas oportunidades, mas, desde já, afirmamos que as decisões judiciais surpreendem favoravelmente e têm concretizado positivamente o contido na Lei Marco Maciel.

2. Parte Dois

1. Enquanto alguns ainda hoje resistem e combatem a possibilidade da adoção da arbitragem nas relações de consumo, silenciosamente o instituto flui solucionando questões de ordem trabalhista, com os aplausos de sindicatos, empregados e patrões.

2. Se dúvidas existiam quanto à disponibilidade dos direitos dos trabalhadores, os tribunais as têm dissipado. Com efeito, é nas relações laborais onde a arbitragem exerce influência preponderante dada sua intensa utilização. Centenas de causas foram resolvidas ao longo desses quatro anos da Lei Marco Maciel e as tentativas de invalidação das sentenças arbitrais proferidas nesse campo do direito têm sido desencorajadas pela justiça ordinária.

3. Reabrir o mérito da questão trabalhista após o regular transcurso do rito arbitral não conta com o apoio do judiciário[1]. Acordada a arbitragem em litígios oriundos de relação empregatícia, a submissão ao processo arbitral e o acatamento da decisão proferida pelo árbitro são imperativos legais. Qualquer questionamento quanto aos vícios daí decorrentes deve ser levado à apreciação do judiciário pela via própria da ação de nulidade, com fundamento na violação das matérias contidas no artigo 32 da lei de arbitragem. Destarte, pela eficácia que produz a sentença arbitral, fica afastada nova discussão, em sede trabalhista, da questão submetida à arbitragem.

4. Ademais, decidido pelo árbitro o levantamento de recursos do FGTS, deverá a Caixa Econômica Federal liberar o numerário mediante a apresentação, pelo ex-empregado, dos documentos probatórios pertinentes[2] Se assim não for, caberá ao interessado recorrer a mandado de segurança para o exercício do direito – líquido e certo – de obter da instituição bancária o montante lá depositado; afinal, o saque foi determinado por decisão de árbitro, que, como se sabe, produz os mesmos efeitos de uma decisão judicial[3].

5. Certo é que a arbitragem se assenta em campo de liberdade onde preponderam a autonomia das partes e o pacta sunt servanda.

6. Entretanto, também no sistema arbitral, esses princípios encontram limites quando defrontados com hipóteses de violação da ordem pública. O juízo arbitral não se presta a validar objetivos repugnados por nosso ordenamento jurídico.

7. Ineficaz a decisão arbitral que procura dar curso a interesses reprimidos pela ordem pública.

8. Com efeito, dispositivo contratual que procura elidir jus imperativo não deverá ter guarida de tribunal arbitral, por impossibilidade jurídica do pedido. Caso contrário, a justiça estatal estará pronta a intervir de modo a restaurar o direito[4]

9. A cláusula compromissória é de essência convencional e produz seus efeitos na arena processual. É esse o entendimento majoritário quanto à natureza jurídica desse pacto.

10. Sobreleva-se esse conceito no instante em que se discute a eficácia do ajuste compromissório firmado em data anterior à da vigência da Lei nº 9307/96. A controvérsia oriunda do contrato onde está inserido deve ser submetida à arbitragem?

11. Sem embargo das questões de ordem moral de desrespeito ao pacta sunt servanda e da violação da boa-fé que pretensão contrária enfrentaria, fato é que doutrina e jurisprudência harmonizam-se no entendimento da aplicação imediata das leis de cunho processual, ou que nessa seara produzam efeitos, dado o sistema de isolamento dos atos contidos no artigo 1211 do CPC.

12. Não podia ser diferente com a arbitragem. Tanto que a Lei nº 9307/96 tem incidência imediata, sendo irrelevante que a arbitragem tenha sido convencionada antes da vigência da referida lei[5].

3. Parte 3

1. A par da introdução de institutos valiosos à realização segura do processo arbitral, a Lei Marco Maciel pôs por terra as duas maiores barreiras que impediam o emprego da arbitragem no país: a necessidade de homologação da decisão do árbitro e a ineficácia da cláusula compromissória.

2. Como sabido, o juízo de delibação exercido em pedido de homologação autoriza o julgador à análise dos estritos limites das formalidades legais que condicionam a validade do ato sub judice. Impedido de revisar o mérito da decisão arbitral, não cabe ao juiz investigar a justiça do julgado.

3. Daí por que Castro Nunes, décadas atrás, se referia à homologação do laudo arbitral como … “formalidade inútil, sobretudo quando se recebe o recurso nos casos limitados aos aspectos formais ou extrínsecos do julgamento”[6]

4. Apesar de doutrina contrária, o giudizio di delibazione era imperativo a conferir eficácia aos laudos e embaraçava o implemento da arbitragem pela intervenção de mais um órgão decisório, contrapondo-se à celeridade e à confidencialidade típicas desse sistema alternativo de acesso à justiça.

5. O quadro de dificuldades acentuava-se quando a sentença estrangeira necessitava internalizar-se para produzir efeitos no território nacional. Nesse caso o credor deveria submeter-se ao duplo exequatur: no país de origem e no STF.

6. Com a sistemática implantada pela lei de arbitragem, tanto a homologação de sentença arbitral nacional quanto aquela proferida no exterior independem da chancela estatal ordinária, exceto, nesta última hipótese, no que tange ao exequatur pelo STF, imposto constitucionalmente como medida imperativa para que produza efeitos no país.

7. Não há registro de qualquer ação judicial em que é posta em dúvida a desnecessidade de homologação da sentença arbitral e, ao contrário, o STF já formou jurisprudência no sentido do descabimento da chancela do judiciário do país de origem como condição essencial ao deferimento do pedido de homologação de decisão arbitral estrangeira[7]

8. Em outras palavras, foi assimilada pelo judiciário a equiparação da decisão arbitral à judicial, como contido na lei de arbitragem. Trata-se de equiparação legal que esparrama autoridade à coisa julgada arbitral.

9. No plano da eficácia da cláusula compromissória, a Lei Marco Maciel criou arcabouço jurídico de ponta capaz de propiciar a proteção almejada pelos contratantes[8].

10. Ajustada a cláusula compromissória, sua eficácia desde já se projeta no tempo de modo a assegurar futuro ataque a resistências na adoção da arbitragem. Isto porque sua eficácia tem duplo fim e alcance: presta-se a afastar a jurisdição estatal, via a regra processual de extinção do processo sem julgamento de mérito (eficácia negativa) e, no caso de resistência, a garantir ao credor a instituição da arbitragem (eficácia positiva)[9].

11. Esse manto jurídico rico em efeitos se origina da relevância dessa convenção no seio do instituto fonte, que é de 80% das arbitragens, e encontra eco no interesse estatal, de tal forma que sua existência pode ser conhecida de ofício pelo juiz ex-vi art. 301, § 4º CPC.

12. Por outro lado, releva registrar que, renitente uma das partes, admissível a instituição da arbitragem sem necessidade do emprego da ação judicial contida no artigo 7 da Lei nº 9.307/96.

13. O apelo a essa regra processual faz-se presente quando convencionada cláusula compromissória branca ou vazia, isto é, cujo conteúdo se limita a remeter a controvérsia a juízo arbitral, sem que as convenentes tenham detalhado e acordado os procedimentos aplicáveis ou submetido a regras do regulamento de alguma entidade arbitral.

14. Nesses dois últimos casos (pré-definição procedimental ou adoção de regulamento de arbitragem), havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, deverá prevalecer a vontade das partes em desprezar a opção de execução de obrigação de fazer conferida pelo referido aritigo 7 – de caráter supletivo ou residual – por força do direito assegurado pela lei em seu artigo 5.

15. Tal dispositivo, de todo desconhecido pela doutrina e jurisprudência[10], é o fundamento legal desse entendimento, pois legitima a instituição e processamento da arbitragem nos moldes das regras procedimentais de órgão arbitral ou daquelas fixadas pelas partes na cláusula compromissória.

  1. 1 cf. JCJ de Campinas (Proc. nº 00.043/99-8), sentença de 11-6-99; 64ª JCJ de São Paulo (Proc. nº 1092/99), sentença de 28-5-99.
  2. Temos ciência da existência de Portaria vedando a liberação espontânea do FGTS por força de decisão arbitral. Dada a flagrante ilegalidade desse ato, louvável seria que a CEF elaborasse procedimento confiável que atendesse aos interesses dos trabalhadores e aos ditames legais.
  3. 3 cf. MS nº 2000.61.00.013042-5/024, 24ª Vara Federal de São Paulo, liminar datada de 27-4-2000.
  4. 4 cf. Apelação c/Revisão nº 455.768-0/6, 2º TAC de São Paulo, 9ª Câmara, Acórdão 141, de 29-5-96.
  5. Sentenças Estrangeiras Contestadas nos 5378-1 e 5847-1, STF Pleno, respectivamente, de 3-2-2000 e 1-12- 99. Apelação Cível nº 254.852-9, Tribunal de Alçada de MG, de 3-6-98.
  6. RTJ 68/393.
  7. Sentença Estrangeira Contestada nº 5.847-1, Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Pleno, 1.12.99, DJU 17.12.99.
  8. A intranqüilidade jurídica almejada pela lei de arbitragem só não é plena dado o voto proferido pelo douto Min. Pertence no julgamento do Agravo Reg. em Sentença Estrangeira nº 5.206-7, Reino da Espanha, 10.10.96, c/vistas ao Min. Ilmar Galvão.
  9. Ambas as eficácias já foram testatadas em juízo, sendo mais freqüentes, por tradição do instituto, as questões que procuram afastar a jurisdição togada em favor da convencional (efeito negativo) cf. Autos nos3.521 e 3.237/99, 27ª Vara Cível do Foro Cultural de São Paulo, Tasa Participações Ltda. vs. Hunter Douglas do Brasil Ltda., 29.12.99.
  10. O TJSP, por sua 5ª Câmara de Direito Privado, passou ao largo desse preceito ao manifestar-se favoravelmente a esse posicionamento, no julgamento unânime do Agravo de Instrumento nº 124.217.4/0. Agravante Renault do Brasil S.A., 16.9.99.

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